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Vídeo de Nikolas Ferreira sobre Pix engana ao alegar quebra de sigilo; veja checagem de afirmações
Em postagem que viralizou, deputado omite informações sobre o Imposto de Renda e o sistema de fiscalização da Receita Federal; ele foi procurado, mas não respondeu
Por Clarissa Pacheco
O que estão compartilhando: vídeo em que o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) fala sobre norma da Receita Federal que obrigava instituições financeiras a informar movimentações de Pix e cartão de crédito acima de R$ 5 mil (pessoa física) e R$ 15 mil (pessoa jurídica) por mês. No vídeo, o parlamentar afirma que a norma da Receita era uma “quebra de sigilo mascarado de transparência”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A medida da Receita Federal revogada nesta quarta, 15, não representava uma quebra do sigilo bancário. As informações enviadas pelos bancos ao Fisco são limitadas: o governo não fica sabendo as identidades das pessoas envolvidas nas transações bancárias. Ao longo do vídeo, Nikolas omite informações sobre o Pix, o Imposto de Renda e o sistema de fiscalização da Receita Federal. Veja a checagem de outros trechos do vídeo mais abaixo.
Nikolas foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto.
Saiba mais: O vídeo completo publicado pelo deputado tem pouco mais de 4 minutos de duração e acumula mais de 70,9 milhões de visualizações apenas no Instagram. De acordo com um relatório da consultoria Bites, o conteúdo teve 170 milhões de visualizações em somente um dia.
Nesse vídeo, Nikolas faz especulações sobre a possibilidade de taxação do Pix, lembrando de promessas não cumpridas pelo governo no passado. “Não, o Pix não será taxado. Mas é bom lembrar que a comprinha da China não seria taxada, foi. Não teria sigilo, mas teve. Você ia ser isento do Imposto de Renda, não será mais”, disse. “Qual o objetivo real dessas medidas? Arrecadar mais impostos, tirar dinheiro do seu bolso.”
Ao longo do conteúdo, ele faz comentários opinativos, que não podem ser verificados. No entanto, ele também omite e distorce informações. Veja a seguir a checagem sobre os principais argumentos presentes no vídeo:
O que já checamos sobre o tema
- Governo não criou taxa para quem movimenta mais de R$ 5 mil por mês
- Movimentação acima de R$ 5 mil no Pix não implica necessariamente em IR de 27,5%, dizem advogados
- Proposta de imposto de 10% é para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, não para toda população
O Pix pode ser taxado?
No vídeo, Nikolas afirma que “o Pix não será taxado, mas eu não duvido que possa ser”. De fato, a Instrução Normativa da Receita Federal n° 2219/2024, que havia entrado em vigor no dia 1º de janeiro deste ano, não criava nenhum novo tributo, nem impunha taxação sobre o Pix. O que não fica claro na afirmação do deputado é que, atualmente, a Constituição Federal não permite que seja cobrada taxa sobre movimentações financeiras.
O artigo 153 da Constituição estabelece que a União pode taxar:
- importação de produtos estrangeiros;
- exportação de produtos nacionais ou nacionalizados;
- renda e proventos de qualquer natureza;
- produtos industrializados;
- operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
- propriedade territorial rural;
- grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
O que existe hoje no Brasil é o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cobrado em caso de uso do cartão de crédito para compras internacionais, uso do cheque especial, contratação de empréstimo ou financiamento e de seguros. Outras movimentações, como saques, transferências e pagamentos, não são taxadas. No passado, o País teve um sistema de cobrança de imposto sobre movimentação financeira, a chamada CPMF. Ela vigorou no Brasil por 11 anos, de 1997 a 2007.
O artigo 154 da Constituição diz que a União pode criar outros tributos, além dos já previstos, por meio de lei complementar. Mas esses impostos não podem ser cumulativos, nem gerar uma base de cálculo diferente da que é prevista na Constituição.
A advogada Bruna Maria Fagundes de Souza, tributarista do escritório Briganti Advogados, explica que a introdução de um novo imposto sobre o Pix não seria de simples aprovação. “Como a exigência de tributos sobre movimentações financeiras não está prevista na Constituição Federal e, eventualmente, pode entrar em conflito com competências já atribuídas, a única forma de instituí-lo seria por meio de Emenda Constitucional, o único instrumento capaz de alterar o Texto Constitucional”, disse.
A aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) depende de três quintos de votos favoráveis na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, em votações de dois turnos em cada Casa.
No vídeo, Nikolas diz que o governo federal tinha afirmado inicialmente que não taxaria produtos vindos da China, mas que depois criou o novo imposto. A medida citada pelo deputado faz parte da Lei 14.902/2024, sancionada no ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto de lei foi enviado ao Congresso pelo Executivo e a Câmara incluiu a taxação sobre compras do exterior de mais de US$ 50. Diferentemente de uma PEC, o projeto de lei precisava apenas da maioria simples de votos para ser aprovado.
O grande volume de desinformação sobre a possibilidade de taxação do Pix fez com que a Receita Federal decidisse revogar a instrução normativa e elaborar uma Medida Provisória para reforçar a gratuidade e sigilo da forma de pagamento. Anteriormente, o Fisco havia declarado que “não cobra e jamais vai cobrar impostos sobre transações feitas via Pix”.
Vigilância sobre movimentações financeiras é novidade?
No vídeo, Nikolas afirma que “trabalhadores que já vivem no aperto agora terão suas movimentações vigiadas, como se fossem grandes sonegadores”. Mas ao longo do conteúdo o deputado não deixa claro que a fiscalização de movimentações financeiras já existia antes da mudança proposta pela Receita.
De acordo com o Senado Federal, foi no final de 2000 que o governo decidiu autorizar o cruzamento de informações bancárias com as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes, “de modo a poder identificar discordâncias entre valores declarados à Receita Federal e a movimentação de dinheiro em bancos e possíveis fraudes”. O primeiro sistema de monitoramento da Receita começou a operar em 2003.
Com a norma revogada, a Receita Federal estenderia o monitoramento para outros tipos de transação, como Pix e máquinas de cartão. Os bancos digitais, que não atuavam na época da instituição da antiga norma, passariam a ser obrigados a informar os dados. “O que está ocorrendo é apenas uma atualização no sistema de acompanhamento financeiro para incluir novos meios de pagamento na declaração prestada por instituições financeiras e de pagamento”, a Receita havia informado, antes de revogar a medida.
A advogada Mary Elbe Queiroz, pós-doutora em Direito Tributário, professora e presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret), explicou que a Receita Federal já tinha um sistema de rastreamento de operações muito grande, mesmo antes de publicar a norma que foi revogada. “Tem computadores como o T-Rex, o Harpia, o HAL, junto com o Banco Central, que acessam milhões de operações e cruzam essas operações”, disse.
MEIs terão que declarar IR e pagar 27,5%?
No vídeo, o deputado afirma que microempreendedores individuais (MEI) no Brasil podem faturar até R$ 81 mil por ano, ou R$ 6 mil por mês. “Essa maioria de brasileiros, muitos não declaram Imposto de Renda porque senão não conseguem pagar suas contas”, afirma. “Se é difícil sem declarar, imagina o PT tirando 27,5% que você ganha?”
O trecho dá a entender que a regra da Receita faria com que os MEIs fossem obrigados a declarar o IR. Mas isso não é verdade.
Este ano, se enquadram como MEI aqueles que têm faturamento anual de até R$ 81 mil (R$ 6.750 por mês, em média). Todos os meses, esses microempreendedores individuais pagam uma taxa que, de forma simplificada, soma seis tributos federais, incluindo o tributo sobre a renda e a contribuição previdenciária, segundo explicou a advogada Mary Elbe Queiroz.
Mas isso não significa que o MEI não precisa declarar o Imposto de Renda de Pessoa Física. Essa obrigação vai depender das regras da Receita Federal, de acordo com o que informa a também tributarista Bruna Maria Fagundes de Souza.
“É importante esclarecer que o limite de R$ 81 mil de faturamento anual serve para enquadrar a pessoa física como microempreendedor individual”, afirmou. “Este valor em nada excetua a obrigatoriedade de declaração ou recolhimento de Imposto de Renda. Em outras palavras, os R$ 81 mil é apenas uma regra para limitar o status de MEI e não para isentar das obrigações relacionadas ao imposto de renda”.
A advogada acrescenta que, atualmente, toda pessoa física – independente de ser MEI ou não – deve declarar o Imposto de Renda caso tenha rendimentos tributáveis acima de R$ 30.639,90 (R$ 2.553,32 por mês, em média) no ano anterior. Se o MEI receber outras fontes de renda, como salários, aluguéis, pensões ou investimentos, precisa declarar. A obrigação também vale para quem tem rendimentos isentos ou tributados na fonte acima de R$ 200 mil.
No caso dos MEIs, segundo explica Bruna, uma parte do faturamento pode ser considerada isenta da declaração de imposto de renda por causa da sistemática do lucro presumido. O porcentual de lucro presumido depende da atividade desenvolvida e varia entre 8%, 16% ou 32%. “Apenas o valor que exceder esse lucro será considerado como rendimento tributável”, disse a advogada.
Por exemplo, se um MEI que trabalha com transporte de passageiros receber R$ 50 mil no ano, o lucro presumido, de 16%, é de R$ 8 mil. Na hora de preencher o imposto de renda, o MEI precisaria subtrair o valor bruto gasto em despesas e declarar o valor restante.
O Verifica já explicou anteriormente que apenas movimentar R$ 5 mil não implicaria necessariamente na cobrança de IR de 27,5%. De acordo com advogados ouvidos pelo Estadão Verifica, o contribuinte deveria provar que seus gastos haviam sido pagos com rendimentos tributados. Se a Receita identificasse inconsistências, poderia aplicar multas. Mesmo assim, o cidadão poderia recorrer e apresentar mais informações ao Leão para tentar evitar o pagamento de autuações.
De qualquer forma, a alíquota efetivamente paga não seria de 27,5%. A faixa de 27,5% é a mais alta de cobrança do IR no Brasil. Na prática, contudo, o valor pago pelos contribuintes não chega a esse porcentual, como explicou ao Verifica o advogado Mauricio Braga Chapinoti, mestre em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden e sócio de GNBF Advogados.
Isso porque a porcentagem de 27,5% não se aplica a toda a renda tributável do contribuinte, mas apenas ao valor que excede o limite de R$ 4.664,68 mensais. Ou seja, se alguém tem uma renda tributável de R$ 5 mil por mês, os 27,5% incidirão apenas sobre a diferença que excede o limite, de R$ 335,32. A alíquota efetiva para este contribuinte, segundo calcula o advogado, será de 19,76%.
A alíquota efetiva se aproxima dos 27,5%, mas não a alcança, à medida que a renda tributável cresce. “Tal diferença decorre do Princípio da Capacidade Contributiva, que estabelece que os contribuintes que ganham mais devem pagar mais impostos, como estabelecido no §1º do artigo 145 da Constituição Federal”, apontou Chapinoti.

Base de cálculo IR Foto: Reprodução
Norma representava quebra de sigilo bancário?
No vídeo, Nikolas afirma que “Lula aumentou os gastos do cartão da presidência e colocou sigilo para os gastos dele com a Janja, mas quer tirar o sigilo bancário de você”. Ele também diz que “a oposição está coletando assinaturas por um projeto de lei pra impedir que esse tipo de quebra de sigilo mascarado de transparência seja realizado”. Mas o monitoramento de movimentações não significa quebra de sigilo bancário.
O artigo 11 da Instrução Normativa vedava “a inserção de qualquer elemento que permita identificar a origem ou o destino dos recursos utilizados nas operações financeiras”. Segundo a Receita, isso garantia “absoluto respeito às normas legais dos sigilos bancário e fiscal”.

Foto: Reprodução/Receita Federal
A Lei Complementar nº 105/2001, que dispõe sobre sigilo bancário no Brasil, determina que o Poder Executivo discipline os critérios para que instituições financeiras informem à administração tributária da União dados sobre operações efetuadas pelos usuários.
Essas informações, citadas no artigo 5º, incluem transações como depósitos, transferências, pagamentos, ordens de créditos, aquisições e vendas de títulos de renda. A mesma lei considera que o compartilhamento de informações referentes aos termos deste artigo não constitui quebra de sigilo.
https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/video-nikolas-ferreira-pix-receita-federal-enganoso/