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TRF-3 exclui ICMS do cálculo de créditos do PIS e da Cofins
Decisões proferidas pela 3ª Turma são as primeiras de segunda instância e aumentam a carga tributária das empresas
Por Joice Bacelo — De São Paulo
(Foto: Divulgação)
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, se posicionou a favor da exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins – o que, na prática, aumenta a carga tributária das empresas. Duas decisões foram proferidas neste mês.
São as primeiras de segunda instância que se tem notícias sobre o tema. Os julgamentos ocorreram na 3ª Turma e, nos dois casos, o resultado se deu por unanimidade.
A exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins foi estabelecida pela Lei nº 14.592, de maio. A medida aprovada pelo Congresso foi costurada pelo governo federal para reduzir a perda de bilhões de reais gerada pela chamada “tese do século”.
O Ministério da Fazenda estima uma arrecadação adicional de R$ 31,8 bilhões ainda neste ano e de R$ 57,9 bilhões em 2024.
A tomada de crédito faz parte da apuração das contribuições sociais para quem está no regime não cumulativo – praticamente todas as grandes empresas. A alíquota de PIS e Cofins, nesses casos, é de 9,25%.
Para calcular quanto deve, o contribuinte precisa separar as notas de saída, referentes às vendas realizadas no mês, das notas de entrada, que contêm o custo de aquisição de produtos que dão direito a crédito (insumos, por exemplo). É feito um encontro de contas entre esses dois grupos de notas e sobre o resultado aplica-se a alíquota.
As discussões em torno dos créditos ganharam força com a conclusão da “tese do século”, em maio de 2021, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião, os ministros decidiram que o ICMS não pode ser classificado como receita ou faturamento – que é a base de incidência do PIS e da Cofins. Por esse motivo, a parcela do imposto estadual que consta nas notas de saída (vendas) deve ser retirada do cálculo das contribuições.
Com essa exclusão, a base de incidência das alíquotas de PIS e Cofins ficou menor e, consequentemente, os valores que as empresas têm a pagar ao governo reduziram.
O custo da “tese do século” para a União foi estimado, na época, em R$ 358 bilhões pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Esse cálculo leva em conta o ressarcimento dos valores pagos no passado.
“O ICMS não deixou de fazer parte do preço da mercadoria”
— Rafael Nichele
Diante de tamanho rombo nas contas públicas, a Receita Federal passou a defender que o mesmo critério da “tese do século” – que excluiu o ICMS das notas de saída – deveria ser aplicado na contabilização dos créditos decorrentes da compra de bens e insumos.
A parcela de ICMS que consta nas notas de entrada (compras), portanto, também teria que ser retirada. O efeito é ruim para as empresas: com uma base menor de crédito, a conta a pagar de PIS e Cofins fica maior.
Uma fabricante de calçados que gasta R$ 100 com a compra de couro ou tecido para confeccionar sapatos, por exemplo. Na apuração do PIS e da Cofins, ela obtém um crédito de 9,25% com a aquisição do insumo. Se dentro desses R$ 100 de despesa, R$ 20 são de ICMS, a companhia só poderia utilizar R$ 80 de base.
Resumindo: o governo perde na saída, mas ganha na entrada, o que, segundo especialistas, neutraliza a “tese do século”.
A estratégia da Receita Federal virou regra em janeiro, quando o governo federal editou a Medida Provisória (MP) nº 1.159. Essa norma determinou que, a partir do mês de maio, o ICMS não poderia mais ser contabilizado na base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins.
Essa MP acabou não avançando no Congresso e perdeu a validade. No fim de maio, no entanto, o mesmo texto que previa a exclusão do ICMS foi incluído no processo de conversão da Medida Provisória nº 1.147, que trata do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Essa MP foi convertida na Lei 14.592.
Toda essa movimentação gerou uma corrida das empresas ao Judiciário. Há inúmeras ações no país propostas antes e depois da entrada em vigor da Lei 14.592. Por isso, a importância dessas primeiras decisões, de mérito, em segunda instância.
Apesar de não terem efeito vinculante, a situação das empresas, em geral, fica prejudicada. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) poderá usar essas decisões como precedente em outros processos.
Em um dos casos julgados pela 3ª Turma do TRF-3, a empresa havia obtido decisão contra a exclusão do ICMS do cálculo dos créditos em primeira instância, mas a PGFN recorreu e conseguiu reverter (processo nº 5004655-19.2021.4.03.6128).
Os desembargadores trataram a questão dos créditos como uma “adequação do ordenamento jurídico” ao que ficou decidido pelo STF na “tese do século”. “Para deixar claro que em nenhuma hipótese o ICMS poderá integrar a base de cálculo da contribuição para o PIS e a Cofins”, diz, na decisão, a relatora do caso, desembargadora Consuelo Yoshida.
Consta na decisão, além disso, que a alteração trazida pela Lei nº 14.592 “revela a devida atuação do legislativo, voltada a evitar distorções econômicas e garantir a neutralidade fiscal da incidência das contribuições”.
No outro caso, também julgado pela 3ª Turma, a empresa perdeu em primeira instância e recorreu da decisão ao tribunal, mas não conseguiu convencer os desembargadores a atender o seu pedido.
O relator do caso, desembargador Carlos Delgado diz, na decisão, que “trata-se de opção do legislador estabelecer a possibilidade de aproveitamento dos créditos” (processo nº 501.3666-55.2023.4.03.0000).
Advogados de empresas entendem que essa lei, mesmo sem ter efeito retroativo, não está de acordo com a Constituição Federal, que prevê o sistema da não cumulatividade. Dizem que a decisão da “tese do século” não poderia servir de base para a exclusão do ICMS dos créditos.
“Porque na ‘tese do século’ o STF entendeu que ICMS não é receita da empresa e, por esse motivo, não pode ser tributado por PIS e Cofins. Não significa, com isso, que o ICMS deixou de fazer parte do preço da mercadoria adquirida. E o crédito se dá sobre o valor da aquisição. São coisas diferentes”, diz Rafael Nichele, do Nichele Advogados Associados.
Na primeira instância há decisões para os dois lados: a favor da Fazenda e também de empresas. “Temos liminares deferidas e indeferidas e muitos agravos aguardando decisão do tribunal”, afirma Priscila Faricelli, do Demarest. “Não dá para dizer que existe uma orientação específica. Está muito casuístico ainda”, conclui.
Uma companhia cliente do escritório Briganti Advogados, obteve liminar, recentemente, com o argumento do “jabuti”. O advogado Júlio Cesar Machado, que atua nesse caso, diz que o STF decidiu, em 2015, que não se pode incluir, em medidas provisórias, emendas parlamentares que não tenham pertinência temática com a norma em processo de conversão em lei.
“E foi o que aconteceu aqui. A exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins foi inserida na norma do Perse”, afirma Machado. “Uma coisa não tem nada a ver com a outra.”
A liminar foi concedida pela 11ª Vara Federal de Belo Horizonte. O juiz Itelmar Raydan Evangelista usou a decisão do STF na ADI 5127, de 2015, como base para atender o pedido da empresa para manter o ICMS no cálculo dos créditos de PIS e Cofins (processo nº 1093366-16.2023.4.06.3800).
A PGFN afirma, por meio de nota, no entanto, que o “jabuti” citado nessa decisão não se verifica no processo legislativo que deu origem à Lei 14.592. “Existe conexão entre o objeto original da MP 1.147/2022 e os dispositivos incorporados da MP 1.159/2023”, frisa.
De acordo com a procuradoria, além das duas decisões de turma, existem sete monocráticas a seu favor no TRF-3. Em uma delas, proferida pelo desembargador Johonson Di Salvo, há entendimento contra o suposto “jabuti” que tem sido apontado pelos contribuintes (processo nº 5024293-21.2023.4.03.0000).