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STJ permite penhora de imóvel financiado para pagamento de condomínio
STJ permite penhora de imóvel financiado para pagamento de condomínio
Decisão foi dada em julgamento da 2ª Seção, com placar apertado de cinco votos a quatro, e representa uma derrota para os bancos
Por Luiza Calegari
(Foto: Gustavo Lima/STJ)
Os bancos perderam nesta semana uma disputa importante no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em uma votação apertada, a 2ª Seção decidiu que é possível penhorar um imóvel financiado – por meio da alienação fiduciária – para pagamento de dívida de condomínio.
A alienação fiduciária é uma operação em que o próprio imóvel é dado como garantia do financiamento. Juridicamente, a posse passa a ser da instituição responsável pelo crédito, normalmente um banco ou incorporadora, com usufruto do comprador. Se o cliente não quitar o que deve, o banco pode tomar o imóvel.
Por cinco votos a quatro, prevaleceu no julgamento da 2ª Seção o voto do relator de um dos recursos, o ministro Raul Araújo. Para ele, não é possível obrigar todos os outros condôminos do edifício a arcar com o prejuízo gerado por uma pessoa para respeitar o contrato de alienação (RESp 1929926, REsp 2082647 e RESp 2100103).
Segundo o ministro, o credor fiduciário é o proprietário real do imóvel, equivalendo a um condômino. “Por que ele teria o privilégio de não responder pelo rateio das despesas condominiais?”, questionou o ministro em seu voto. “O fato de o credor fiduciário ser possuidor indireto da unidade condominial não subtrai sua condição essencial de proprietário do bem.”
O julgamento pacifica a questão entre as turmas de direito privado. Prevaleceu o entendimento dos ministros da 4ª Turma. Em outubro de 2024, eles autorizaram a penhora de um imóvel por considerarem que a dívida condominial tem natureza “propter rem” – a obrigação recai sobre o bem, independentemente de quem seja seu proprietário.
Na 3ª Turma, o entendimento era contrário. Para os integrantes do colegiado, a penhora não seria possível, com base no fato de que o imóvel não pertence ao credor, mas ao devedor. Em recente julgamento, os ministros decidiram que a natureza “propter rem” da dívida condominial não vale para imóveis alienados fiduciariamente, com base no artigo 27, parágrafo 8º, da Lei nº 9.514, de 1997, e do artigo 1.368-B, parágrafo único, do Código Civil (REsp 2036289).
O voto decisivo da 2ª Seção veio do ministro Moura Ribeiro, da 3ª Turma, que mudou seu entendimento e seguiu o relator. A questão agora será analisada pelo colegiado em recurso repetitivo – o que dará caráter vinculante ao entendimento adotado (Tema 1.266, REsp 1874133 e REsp 1883871).
Um levantamento de 2023 mostrou que parte dos tribunais estaduais já autorizava a penhora dos imóveis, mesmo com entendimento majoritário do STJ a favor dos bancos. Os tribunais de Justiça de São Paulo (TJSP), Rio Grande do Sul (TJRS), Goiás (TJGO) e Mato Grosso do Sul (TJMS), por exemplo, já tinham decisões favoráveis aos condomínios.
Segundo especialistas, o julgamento opõe dois direitos concomitantes: o do credor fiduciário e os dos credores condôminos. “Um condômino inadimplente gera um problema para todos os condôminos”, afirma Marc Stalder, sócio da área imobiliária do Demarest. “Parece-me que o STJ buscou preservar o direito de uma coletividade, dos condôminos adimplentes, em prejuízo do credor e passando por cima de uma disposição expressa da lei”, diz.
Para Stalder, a decisão privilegiou o ângulo social, diante do fato de que os condôminos adimplentes seriam prejudicados pela inadimplência de um único morador, em detrimento dos interesses dos credores.
Do ponto de vista da solução do problema, que é a extinção da dívida, portanto, a decisão foi positiva, segundo Sara Monteiro do escritório MV Costa Advogados. “Levar o bem a leilão vai beneficiar o próprio condomínio. Então, nesse sentido, a decisão é positiva”, afirma.
Quem vai sentir a consequência, no entanto, são os bancos e a reação a esse novo direcionamento do STJ pode impactar diretamente no mercado de crédito, segundo Leonardo Peres Leite, sócio do mesmo escritório.
“Essa decisão vai gerar efeito nos novos contratos de financiamento imobiliário que serão feitos. Muito provavelmente, os bancos vão acabar embutindo algum tipo de mecanismo nos novos contratos para prever esse tipo de situação. E isso pode elevar ainda mais os juros, porque pode entrar no cálculo o risco que a instituição financeira terá que assumir,”diz.
Luiz Friggi, sócio da área cível e de resolução de conflitos do Simões Pires, concorda. “Espera-se que novos mecanismos contratuais e operacionais no âmbito da contratação dessas garantias sejam implementados pelos bancos, a fim de mitigar possíveis prejuízos”, afirma o advogado.
Entre esses mecanismos, o mais importante será o fortalecimento da gestão de garantias dentro dos bancos. Marc Stalder explica que a gestão de garantia hoje é rara, mas pode se popularizar a partir dessa decisão. “O devedor é obrigado a pagar as despesas do imóvel e se não fizer isso, o credor com um bom contrato tem os mecanismos para atuar para preservar sua garantia.”
Segundo ele, normalmente uma dívida de condomínio é bem inferior ao valor do imóvel e, portanto, em cenário de inadimplência, faria mais sentido para o banco quitar a dívida e incluir a despesa no saldo devedor. “De um ponto de vista prático, a gestão das garantias, que levaria a contratos mais cuidadosamente elaborados, vai fazer com que a discussão nem chegue a existir.”
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) participou do processo como parte interessada e lamentou a decisão. De acordo com a entidade, o entendimento vai impactar no custo do crédito, uma vez que o procedimento de venda do imóvel passará a ser judicial, “muito mais moroso e oneroso, dificultando o pagamento da dívida”.
A Febraban informa que respeita a decisão do STJ, mas vai avaliar possíveis recursos. Para a entidade, o impacto não será somente sobre o consumidor que quiser comprar sua casa, “mas todo o setor da construção civil, que depende do financiamento imobiliário para a venda das unidades habitacionais”.