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STF deverá ter celeridade para julgar golpistas
Supremo tem a tarefa de analisar denúncia da Procuradoria-Geral da República e ajuizar possíveis réus para evitar que tema se misture com eleição. Está com o ministro Cristiano Zanin dar início ao processo
Luana Patriolino
Fernanda Strickland
Reprodução: Flickr
Com a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e 33 pessoas por tentativa de golpe de Estado, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) corre contra o tempo para o julgar os acusados até o fim deste ano. O receio é de que o resultado aumente a polarização nas eleições de 2026 e consuma a atenção do Judiciário, como ocorreu no julgamento do Mensalão — o mais longo da história da Corte, com 53 sessões em 138 dias.
A expectativa é de que a Primeira Turma aceite, por unanimidade, tornar Bolsonaro e os outros denunciados em réus. O colegiado é composto pelo ministro Alexandre de Moraes (relator do processo), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Este último é o presidente do colegiado e responsável por marcar a data de quando o caso será liberado para julgamento.
Moraes pretende levar a denúncia a julgamento na Primeira Turma ainda neste primeiro semestre. Nos bastidores, os ministros apontam que a análise da denúncia impactará as eleições presidenciais de 2026. Mesmo inelegível até 2030, após condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro ainda se coloca como candidato no próximo pleito, e seus aliados buscam abrir caminhos para anistiá-lo no Congresso.
Para o cientista político André César, a denúncia da PGR teve o condão de mobilizar a direita, não em torno de Bolsonaro, mas na busca de um candidato competitivo contra Lula. “Alguém vai ter que assumir esse posto. Pode ser (os governadores) Ronaldo Caiado (GO), Romeu Zema (MG) ou Eduardo Leite (RS). A direita pode até mudar de nome, não ser mais a direita bolsonarista, mas continuará em busca de um perfil”, observa. Dos três governadores, o único a anunciar pré-candidatura à Presidência da República é Caiado, que marcou evento para 4 de abril, em Salvador.
O cientista político Elias Tavares partilha do mesmo entendimento. “A direita precisará reorganizar sua estratégia e encontrar um novo nome forte. A polarização, assim, estará garantida. O 8 de Janeiro será explorado como símbolo tanto pelo governo, que reforçará a narrativa de defesa da democracia, quanto pela oposição, que tentará minimizar o episódio ou alegar perseguição judicial”, destaca.
A esquerda também está de olho nos desdobramentos do julgamento para alavancar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujas pesquisas de opinião mostram que está em baixa. No Planalto, é esperado de que a população leve em consideração no voto a tentativa de golpe de Estado articulada por Bolsonaro e apoie a reeleição.
Porém, a denúncia e a possível condenação do ex-presidente e de personagens do governo terão efeito positivo limitado para Lula. “Não vejo como conectar o processo do golpe com a retomada da popularidade do Lula. São questões distintas. O governo tem que se escorar em outros elementos para virar esse jogo da popularidade”, ressalta André César.
Elias Tavares aponta que, mesmo depois da decisão no Judiciário, a trama do golpe de Estado urdida por Bolsonaro e seus ex-auxiliares e seguidores permanecerá entre os principais temas eleitorais. “Esse julgamento será longo, porque envolve um volume inédito de processos, além de réus que vão desde militantes até empresários e políticos. A defesa dos envolvidos usará todos os instrumentos jurídicos para arrastar o caso. Quanto mais demorado for o julgamento, maior a chance de se tornar uma pauta da disputa eleitoral. É um tema que, dificilmente, sairá do debate público de 2026”, avalia.
“O Mensalão ocupou todo o Supremo, travou tudo. Eles ficaram focados só nessa questão por muito tempo. Os ministros não querem repetir isso com o julgamento do golpe. Por isso, não querem deixar que saia da Primeira Turma para ir para o plenário, pois demorará e pode atravessar o ano”, acrescenta André César.
Antes do julgamento na Primeira Turma, são necessários ritos procedimentais, como abertura de prazo para contestação das acusações. Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes determinou 15 dias para a equipe de advogados de Bolsonaro responder à denúncia da PGR e rejeitou o prazo de 83 dias solicitado pelos defensores. Caso o colegiado aceite tornar os acusados em réus, uma nova fase se inicia.
“Serão inquiridas testemunhas, tanto de acusação como de defesa, bem como será oferecido às partes juntar documentos que considerarem necessários, até que façam suas alegações. Depois disso, a Corte poderá tomar uma posição quanto a responsabilidade do ex-presidente e dos demais acusados”, explica o criminalista Henrique Attuch.
Como são 34 acusados, as defesas de cada um têm instrumentos legais para postergar os recursos, além da quantidade de envolvidos, pois cada denunciado pode ter até oito testemunhas. “Bolsonaro está em cinco processos. são 40 testemunhas. Multiplique isso por 34 e imagine quanto tempo vai demorar”, adverte André César.
O tempo de tramitação dependerá de fatores como a complexidade do caso e as estratégias das defesas. Se houver condenação, as penas podem incluir reclusão e perda de direitos políticos.
“Mas se o STF entender que as provas não são suficientes, o caso pode ser arquivado antes mesmo de um julgamento final. Essa possibilidade, porém, é baixa, diante do volume de evidências reunidas na investigação”, aponta o advogado Wagner Roberto Ferreira Pozzer.
Trama previa assassinatos
A PGR denunciou Bolsonaro e 33 pessoas por estimular e realizar atos contra os Três Poderes e contra o Estado Democrático de Direito. Segundo a PGR, o ex-presidente atuou ativamente na trama golpista para se manter no poder e impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
A denúncia destaca um plano de assassinato de autoridades e o apoio aos ataques de 8 de janeiro de 2023. Também foram denunciados o ex-ministro e ex-vice na chapa de Bolsonaro, general da reserva Walter Braga Netto, e o ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel do Exército Mauro Cid.
Os envolvidos são acusados de crimes como organização criminosa, tentativa de golpe de Estado, dano ao patrimônio público e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. As investigações foram baseadas na delação de Mauro Cid, em documentos, testemunhos e registros digitais.
O que foi o Mensalão?
O julgamento do escândalo do Mensalão é o mais longo da história do Supremo Tribunal Federal. Foram 53 sessões, em 138 dias, para analisar a denúncia apresentada contra ex-integrantes do primeiro governo do presidente apontados como integrantes de um esquema de compra de votos de parlamentares para que projetos de interesse do Palácio do Planalto fossem aprovados. Entre eles, estavam os petistas José Dirceu, Luiz Gushiken, João Paulo Cunha e José Genoíno.
O processo teve 69 mil páginas, 147 volumes e 173 apensos, com 38 réus, 24 condenados e mais de 600 testemunhas ouvidas. O episódio veio à tona com as imagens do então chefe do Departamento de Contratação de Material dos Correios, Maurício Marinho, recebendo um pacote de dinheiro como propina. Ele era apadrinhado polítco do então deputado federal Roberto Jefferson. Os dois foram denunciados pelo Ministério Público e, por causa disso, o ex-parlamentar acusou integrantes do governo de comprarem votos de congressistas.