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Securitização de NPL: subprime à brasileira

4 de junho, 2025

Por Bruno Zanardi

A securitização de créditos inadimplidos, também conhecidos como non-performing loans (NPL), tem ganhado espaço no mercado financeiro brasileiro como alternativa de liquidez para instituições financeiras e empresas. A proposta, à primeira vista, parece sedutora: transformar créditos de difícil recuperação em ativos negociáveis no mercado. No entanto, essa prática carrega consigo uma série de riscos jurídicos e econômicos que, se não forem cuidadosamente observados, podem conduzir o Brasil a um cenário semelhante à crise do subprime que abalou a economia global em 2008.

A crise do subprime nos Estados Unidos foi deflagrada pela concessão desenfreada de crédito imobiliário a mutuários com baixa capacidade de pagamento. Tais créditos foram agrupados e securitizados, sendo vendidos no mercado como produtos de alto rendimento, apesar do seu risco elevado. A opacidade das operações, aliada à negligência dos agentes envolvidos na análise de risco, resultou em uma bolha financeira que, ao estourar, causou o colapso de instituições bancárias e levou a uma recessão mundial. O paralelo com a atual onda de securitização de NPLs no Brasil é alarmante.

Recentemente, a Comissão de Agricultura do Senado aprovou o PL 320/2025, cujo objeto é permitir a securitização de dívidas de produtores rurais afetados por tragédias climáticas. Em síntese, o projeto possibilita que produtores utilizem suas dívidas como um produto financeiro, antecipando o recebimento de recursos e negociando estes novos produtos financeiros no mercado. Se, por um lado, o socorro ao agronegócio é de extrema relevância, por outro, a forma como o projeto sugere abre um significativo precedente para a securitização, em um mercado que já estuda, há algum tempo, formas de securitizar NPLs.

Ainda no contexto brasileiro, há uma tendência crescente de transformar carteiras de créditos inadimplentes em instrumentos de securitização, como os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). Contudo, há uma grave lacuna de transparência e regulação específica para essas operações, que são frequentemente realizadas sem o devido escrutínio quanto à origem, legalidade e recuperabilidade dos créditos. Essa fragilidade normativa pode expor investidores e o próprio sistema financeiro a riscos sistêmicos.

Do ponto de vista jurídico, a cessão desses créditos inadimplidos levanta sérias preocupações quanto à validade, à cadeia de titularidade e à proteção dos direitos de credores e devedores. Além disso, a insegurança jurídica quanto à atuação de agentes cobradores pode agravar a judicialização e afetar a percepção de confiabilidade do mercado.

Outro fator preocupante é o incentivo perverso que tal prática pode gerar. Ao permitir que se venda rapidamente créditos inadimplentes, há um estímulo à concessão irresponsável de crédito, uma vez que o risco de inadimplência é repassado a terceiros. Este é exatamente o mesmo mecanismo que deu origem à crise do subprime, em que o risco era pulverizado sem que houvesse real mensuração ou controle efetivo.

Riscos e a necessidade de regulação

Economicamente, a proliferação descontrolada de títulos lastreados em NPLs pode gerar uma falsa sensação de solvência e liquidez no mercado financeiro. O acúmulo desses ativos em fundos e carteiras, sobretudo por investidores não especializados, pode resultar em perdas significativas em caso de inadimplência generalizada ou desvalorização do ativo. Tal situação seria ainda mais crítica em um país como o Brasil, cuja economia apresenta alta volatilidade e sensibilidade a choques externos.

Ademais, a ausência de uma regulação robusta que delimite, por exemplo, critérios claros, limites de concentração e outros fatores, para a securitização de NPLs, favorece a atuação de empresas especializadas na compra agressiva de carteiras com pouca ou nenhuma responsabilidade na preservação do direito dos investidores. Isso agrava a desigualdade na relação de crédito, aprofundando o superendividamento e comprometendo a já frágil estabilidade social de milhões de brasileiros.

A responsabilidade do legislativo e das autoridades reguladoras é fundamental neste momento. Sem um arcabouço normativo sólido, transparente e eficiente, o sistema financeiro nacional corre o risco de replicar os mesmos erros cometidos pelos EUA no período pré-crise de 2008. A lição histórica não pode ser ignorada: a falta de regulação e a ganância de curto prazo podem custar décadas de progresso econômico.

É necessário também promover uma maior educação financeira e jurídica, tanto para investidores quanto para os demais players do mercado de crédito. O entendimento dos riscos associados à securitização de créditos inadimplentes é condição básica para a formação de um mercado mais responsável e sustentável. A assimetria de informações apenas beneficiará os intermediários, em detrimento dos elos mais fracos da cadeia.

Desse modo, se não for cuidadosamente estruturada e regulada, a securitização de NPLs no Brasil pode vir a se tornar o “subprime à brasileira”. A repetição de erros do passado, travestidos de inovação financeira, pode custar caro à economia nacional. É, portanto, imperativo que se adote uma postura cautelosa, ética e juridicamente responsável, antes que uma nova crise se instale com raízes que já conhecemos — e que já demonstraram seu poder destrutivo. 

Bruno Zanardi

é advogado especialista em mercado de capitais e head da área de mercado de capitais de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.

https://www.conjur.com.br/2025-jun-03/securitizacao-de-npl-subprime-a-brasileira/

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