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Ronaldo na CBF? Os planos do Fenômeno que continua vinculado ao Cruzeiro e enfrenta conflito ético
Pré-candidato à presidência, Ronaldo segue atrelado ao clube até receber do empresário Pedro Lourenço todo o valor pela venda de suas ações; ex-jogador diz não ter ‘poder politico, econômico ou societário sobre a SAF’
Por Ricardo Magatti
(Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro)
Ronaldo tem o plano de ser eleito presidente da CBF, como revelou no fim do ano passado. O Fenômeno articula apoio para viabilizar a sua candidatura ao cargo mais importante da entidade que comanda o futebol brasileiro. Enquanto isso, encara um conflito ético, uma vez que ainda está vinculado ao Cruzeiro a partir do contrato que acertou com o empresário Pedro Lourenço, para quem vendeu as suas ações da SAF do time mineiro em abril do ano passado.
Revelado primeiramente pelo jornalista Juca Kfouri e obtido pelo Estadão, o contrato foi celebrado em 1º de julho de 2024, dois meses depois da venda das ações de Ronaldo para Pedrinho. Ele contratou a venda de 100% de sua participação no dia 29 de abril e o processo só foi concluído dois meses depois, após a finalização de auditorias e outras condições contratuais.
Trata-se de um “instrumento particular de alienação fiduciária de ações em garantia”, assinado por Ronaldo, pela Tara Sports Brasil, de propriedade do ex-jogador, e pela BPW Sports Participações, de Pedrinho. Esse documento mantém Ronaldo vinculado ao Cruzeiro como um credor fiduciário, isto é, como dono das ações do clube mineiro até Pedrinho quitar o pagamento de R$ 600 milhões pela compra da SAF, o que acontecerá apenas em 2035, já que são 11 parcelas anuais, começando em julho deste ano.
Por meio de sua assessoria, Ronaldo afirmou ao Estadão, depois de consultar seus advogados, que ser credor fiduciário não lhe dá “qualquer direito político, econômico ou societário sobre a Tara Sports ou o Cruzeiro SAF desde 1º de julho de 2024″ e entende que “cláusulas são usuais em negócios dessa magnitude e servem apenas para proteger o credor em caso de descumprimento do pagamento do valor total acordado”. O contrato, diz o Fenômeno, foi feito por “segurança jurídica”.
A alienação fiduciária é uma forma de garantia do pagamento de uma dívida. O contrato prevê que sejam transferidos a Ronaldo “todos os direitos e ativos relacionados às ações, incluindo, sem limitação, rendimentos, dividendos. lucros, ganhos, juros sobre capital próprio, distribuições e outros pagamentos, valores recebidos ou a serem recebidos”.
A reportagem consultou três juristas e pediu que analisassem o contrato. “O Ronaldo continua sendo proprietário do Cruzeiro. Ele tem a propriedade das ações que foram dadas em garantia do negócio. Então, enquanto não forem pagos todos os valores da compra, ele segue tendo as ações e continua sendo proprietário da equipe, mas não tem poder de gestão, não tem poder de ingerência”, explica Higor Maffei Bellini, mestre em Direito Desportivo pela PUC-SP.
Embora a BPW seja formalmente a dona das ações, Ronaldo mantém o direito de recuperá-las caso a empresa de Pedrinho não cumpra integralmente o contrato de venda, seja com o pagamento integral ou outros eventuais descumprimentos. Durante esse período, a BPW é quem exerce os direitos de controle e voto sobre as ações.
Na prática, Ronaldo não é mais o dono direto do Cruzeiro. No entanto, sua posição como credor fiduciário garante que, se houver qualquer descumprimento contratual, ele pode retomar as ações e, portanto, o controle do clube. O instrumento prevê que ele possa exercer “a propriedade plena e a posse direta das ações”, e vendê-las a outro comprador sem a anuência de Pedrinho.
“Isso não o torna proprietário no sentido tradicional, uma vez que, em caso de inadimplência, Ronaldo deverá vender, judicial ou extrajudicialmente, as ações a terceiros, aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e entregar o saldo, se houver, ao devedor”, argumenta Fernanda Rangel Nunes de Oliveira, advogada especialista na área societária e contratual do escritório Lopes Muniz.”
Caso a BPW cumpra com tudo o que foi acordado, a alienação fiduciária se encerra e o ex-jogador perde definitivamente esse direito somente ao final da operação.
“Na prática, atualmente Ronaldo não tem a propriedade plena das ações, mas sim sua propriedade fiduciária, que é temporária e vinculada ao pagamento da dívida pela BPW”, reforça Fernanda.
O estatuto da CBF não apresenta impedimentos legais para Ronaldo, ainda vinculado ao Cruzeiro, postular a presidência da entidade. No entanto, o artigo 16 do capítulo 3 do Código de Ética da confederação aponta conflito de interesse nesse caso.
“Possuir participação em direitos de atletas, clubes, empresas, ativos e bens que possam vir a sofrer valorização direta ou indireta pela atuação da entidade”
trecho do Código de Ética da CBF
Bellini diz que, como o presidente da CBF tem acesso a informações privilegiadas de diferentes instituições, como patrocinadores, campeonatos, clubes e jogadores, Ronaldo seguir atrelado ao Cruzeiro “pode gerar uma incompatibilidade em o presidente e dono de um clube ter acesso privilegiado antes dos demais”.
Carlos Tolstoi, especialista em Direito Desportivo e ex-presidente do STJD do Futsal, vê um problema ético para Ronaldo. “Não seria eticamente correto, a meu sentir, que ele disputasse a presidência da CBF enquanto tiver qualquer tipo de vínculo com o Cruzeiro, enquanto credor desta SAF”.
Caso queira se desvincular totalmente do Cruzeiro, há alternativas para o Fenômeno. “Ele poderia transferir as ações para uma terceira pessoa, ou o Pedrinho poderia antecipar os pagamentos da compra do clube zerando a operação e recebendo todas as ações. Outra possibilidade que enxergo seria trocar a garantia. Se a alienação fiduciária foi feita das ações, você pode rescindir esse contrato e trocar por outras coisas, como uma garantia bancária”, explica Bellini.