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Produção de cosméticos exige licenças sanitárias. Entenda como empreender no segmento de forma regular
Fabricação e venda irregular de produtos para cuidados pessoais pode gerar multas e interdição da empresa; confira orientações de especialistas
(Foto: Freepik)
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) indicam que o Brasil representa o 4° maior mercado consumidor de cosméticos do mundo. O tamanho da demanda pode ser uma grande motivação para quem pretende empreender no setor em 2024. Porém, investir na fabricação de produtos para cuidados pessoais requer cuidados, incluindo observar as condições legais e os protocolos sanitários do setor.
Uma das formas de atestar a qualidade desse tipo de produto é assegurar que o empreendimento como um todo passe pelos trâmites exigidos pelos órgãos públicos competentes para o seu funcionamento. Para o segmento de cosméticos, o principal regulador é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Só em dezembro do ano passado, por exemplo, a agência reguladora cancelou os registros de 1.266 pomadas, ceras e sprays no país por não atenderem às normas do órgão estabelecidas pela resolução RDC nº 814/2023. Desde dezembro de 2022, a instituição tem recebido um grande volume de reclamações envolvendo casos de irritação ocular grave causados pelo uso desses produtos. Os episódios mais recentes e com maior repercussão foram reportados logo após o Natal, por moradores do Rio de Janeiro.
A situação reforça a necessidade de atenção máxima do empreendedor às normas do órgão para evitar que o produto desenvolvido exponha os consumidores a riscos de saúde e tenha a fabricação suspensa. De acordo com orientações da Anvisa enviadas a PEGN, os empreendedores precisam buscar a regularização dos cosméticos antes mesmo que sejam expostos ao consumidor final. A obrigatoriedade também vale para empreendedores que vendem e distribuem os produtos.
O documento de liberação emitido pelo órgão consiste na Autorização de Funcionamento (AFE) e não há exceção que permita a dispensa dessa licença. Antes da AFE, o empreendedor precisa ter outra licença liberada pela Vigilância Sanitária da localidade em que o estabelecimento está sediado. A depender das exigências dos órgãos públicos locais, o documento poderá ser emitido em nível municipal ou estadual.
“Independentemente da categoria específica de produtos dentro desse segmento, a empresa precisará de AFE e Licença Sanitária para o funcionamento regular”, afirma a Anvisa. “[Essa exigência] está disposta na Lei nº 6.360/1976 e no normativo editado pela Anvisa, a RDC nº 16/2014, que dispõe sobre a exigência da AFE para fabricar e vender/distribuir cosméticos, perfumes e/ou produtos de higiene”.
Qual é o primeiro passo para fabricar cosméticos de forma regular?
A partir do momento em que o empreendedor opta pela fabricação e venda de cosméticos, é necessário que ele inicie o processo de formalização como pessoa jurídica (PJ), do mesmo modo que ocorre com qualquer outro tipo de empresa. Conforme destaca Kristian Rodrigo Pscheidt, doutor em Direito Político e Econômico e sócio do escritório MV Costa Advogados, não é possível solicitar documentos regulatórios quando a empresa opera na informalidade.
Segundo o advogado, a prefeitura deve ser procurada para informar quais são as exigências legais para a instalação do empreendimento. As regras para emissão do alvará de funcionamento variam conforme a legislação de cada localidade, mas podem envolver desde uma inspeção de segurança do Corpo de Bombeiros até uma avaliação de impacto ambiental da atividade.
“Estamos falando da manipulação de produtos químicos que podem vir a causar problemas sérios não só para a empresa, como para a vizinhança também. Então, em razão dessa atividade, o alvará pode ter restrições, como não autorizar aquela atividade em região residencial”, exemplifica o especialista.
Após a formalização, o empreendedor deve solicitar uma AFE para cosméticos por meio do portal da Anvisa na internet, no link Solicitar Autorização de Funcionamento – Cosméticos (AFE). Para emitir a licença, o órgão vai analisar o relatório de inspeção da Vigilância Sanitária local para verificar se ela atesta o cumprimento dos requisitos técnicos para a operação, conforme orientado pela resolução RDC nº 16/2014. O prazo para análise de petições da AFE para fabricar cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal é de no máximo 60 dias.
Além disso, será necessário obter o Certificado de Boas Práticas de Fabricação, conforme acrescenta Viviane Trojan, especialista em Direito Regulatório e sócia do escritório Kasznar Leonardos. “O documento também é emitido pela Anvisa e atesta que determinado estabelecimento está em conformidade com os procedimentos e práticas estabelecidos em normas específicas da agência”, explica.
Qual é a diferença entre registro e notificação de um cosmético?
Legalmente, a Anvisa estabelece dois tipos de procedimento para regular cosméticos: o registro (aplicado a produtos de maior risco à saúde) ou a notificação (reservada para itens de menor risco).
O registro é concedido após análise prévia da documentação do produto, apresentada pela empresa fabricante ou importadora. A lista que especifica os tipos de cosméticos com registro obrigatório está na resolução RDC nº 752/2022 e inclui itens como cremes para alisar cabelos e soluções repelentes.
A mesma resolução apresenta a listagem dos produtos isentos de registro e aptos para a notificação. Perfumes, batons e cremes para a pele estão entre esses itens. A notificação dispensa o empreendedor de apresentar documentação para análise prévia, mas exige que a empresa garanta que está cumprindo todos os requisitos técnico-regulatórios previstos nas normas da Anvisa.
“Embora não haja análise prévia, é realizada a verificação contínua dos produtos notificados por meio de amostragem, considerando ainda denúncias e atendimento de demandas específicas, as quais podem resultar em pedidos de adequação ou cancelamento da notificação, em caso de irregularidades”, salienta o órgão.
Como solicitar o registro do cosmético após a formalização da empresa?
A solicitação de registro ou de notificação do cosmético pode ser requerida pelo empreendedor pela internet. Segundo Trojan, os pedidos devem ser feitos por meio do Sistema Solicita, da Anvisa, e os documentos necessários para o procedimento também podem ser enviados diretamente pela plataforma. Para concluir o pedido, é necessário gerar uma Guia de Recolhimento da União (GRU) para o pagamento da Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária (TFVS).
Para os casos em que a notificação é requerida, o pedido pode ser feito também pelo Sistema de Automação de Cosméticos (SGAS), explica a advogada. Segundo a Anvisa, o registro de um produto cosmético leva em média entre 120 e 160 dias para ser liberado. Já a notificação pode ser concluída em até 48h.
Quais são as penalidades para os empreendedores que fabricam e comercializam cosméticos sem liberação?
De acordo com Trojan, os empreendedores do setor de cosméticos que atuam sem a devida liberação sanitária estão sujeitos a uma série de penalidades, incluindo multas administrativas, interdição de estabelecimentos e cancelamento de autorização ou licença. Os incisos IV e XV do art. 10 da Lei nº 6.437/1977 definem como infrações sanitárias os atos de fabricar, comercializar e distribuir produtos contrariando o disposto na legislação sanitária pertinente. Se forem identificadas irregularidades por parte da Anvisa, o órgão está autorizado a instaurar um Processo Administrativo Sanitário para autuação dos responsáveis.
Caso o empreendedor seja penalizado, o órgão respeitará o direito ao contraditório e ampla defesa do indivíduo. No entanto, Pscheidt ressalta que é importante manter a atenção contínua às atualizações normativas para evitar a operação irregular da empresa. “O desconhecimento da lei não é uma justificativa para que a lei não seja cumprida”, adverte o especialista.