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Possibilidade de renovação dos quantitativos previstos em atas de registro de preços
Por Marília Bassi
O sistema de registro de preços sofreu profundas alterações com o advento da Lei nº 14.133/2021. Com pouca regulamentação na Lei nº 8.666/93, foi expressamente previsto como procedimento auxiliar das licitações e contratações na nova lei de licitações (artigo 78, IV), com regras, requisitos e regulamentação específica (artigo 82).
Como se sabe, referido sistema tem como objetivo o registro de preços para compras futuras da administração pública que, embora não esteja obrigada a contratar os itens e preços registrados, vincula e obriga os fornecedores nos termos, quantidades e preços previstos nas atas decorrentes do certame.
Como consequência, a ata de registro de preços também foi melhor regulamentada na nova Lei de Licitações, com previsão de vigência de 12 meses e possibilidade de renovação por igual período, desde que comprovada a manutenção do preço vantajoso (artigo 84).
Com a disciplina do novo sistema de registro de preços, e solucionada a controvérsia que envolvia o prazo de vigência do documento, os entes federativos e os fornecedores começaram a enfrentar questionamentos relacionados à possibilidade de renovação dos quantitativos registrados nas atas, dentro do prazo de vigência, considerando a autorização de prorrogação do prazo da ata por mais 12 meses.
Isso porque, o artigo 12 do revogado Decreto nº 7.892/2013, regulamentador do artigo 15 da Lei Federal nº 8.666/93, e utilizado por diversos entes federativos para orientar as contratações por meio do registro de preços, vedava expressamente o acréscimo nos quantitativos fixados pela ata de registro de preços, inclusive o acréscimo dos 25% previstos no § 1º do artigo 65 do mesmo diploma legal.
Contudo, diante das novidades trazidas pela Lei nº 14.133/2021, e aberta novamente para interpretação a possibilidade de renovação dos quantitativos inicialmente registrados, quando de eventual prorrogação da vigência, alguns entes federativos passaram a regulamentar a matéria internamente.
É o caso, por exemplo, do município de São Paulo, que editou o Decreto nº 62.100/2022, autorizando a renovação dos quantitativos estimados na ata de registro de preços, proporcionalmente ao período da prorrogação (§2º do artigo 99).
Na mesma linha, o estado do Paraná editou o Decreto nº 10.086/2022, que regulamentou a Lei Federal nº 14.133/2021 no estado e também autorizou a renovação dos quantitativos registrados nos casos de prorrogação da vigência inicial da ata, limitando a renovação de cada item até o quantitativo original registrado (§2º do artigo 299).
É certo que, diante da possibilidade de interpretação dos limites da prorrogação autorizada pelo artigo 84 da Lei nº 14.133, e considerando a edição de normativos diversos sobre a matéria, instaurou-se um cenário de verdadeira insegurança jurídica nas tratativas das contratações celebradas pelos entes públicos.
De um lado, a opção dos órgãos contratantes pela renovação dos quantitativos possibilitava a continuidade do fornecimento e da compra dos itens registrados com a redução dos custos e eficiência no processo, não apenas pela mera atualização dos valores, se o caso, mas também diante da dispensa de realização de um novo procedimento de licitação e posterior contratação dos interessados.
De outro, os fornecedores enfrentavam o receio do controle externo sobre as contratações e a possibilidade de a renovação e continuidade do fornecimento serem consideradas irregulares, considerando a ausência de expressa autorização legal nesse sentido.
Enunciado 42 e requisitos da AGU
Foi com o intuito de orientar e unificar a interpretação do tema que o Conselho da Justiça Federal aprovou, em agosto de 2023, no 2º Simpósio de Licitações e Contratos, o Enunciado 42, nos seguintes termos: “No caso de prorrogação do prazo de vigência da ata de registro de preços, atendidas as condições previstas no art. 84 da Lei n. 14.133/2021, as quantidades registradas poderão ser renovadas, devendo o tema ser tratado na fase de planejamento da contratação e previsto no ato convocatório”.
Ou seja, de acordo com o enunciado, além de comprovar a vantajosidade dos preços registrados, a prorrogação estaria condicionada à previsão da possibilidade de renovação na fase de planejamento da contratação e no instrumento convocatório orientador do procedimento de licitação que originou a ata de registro de preços.
No mesmo sentido, a Advocacia Geral da União começou a tratar do tema ainda em 2024, por meio da Consultoria Geral da União e com o objetivo de orientar os demais órgãos jurídicos na apreciação dos casos e elaboração de pareceres no âmbito das contratações promovidas pela União.
Após consulta aos órgãos internos da AGU, e diante da interpretação dos artigos 5º, 40, caput, e 84, da Lei 14.1331, bem como do Decreto nº 11.462/2023, restou aprovado o Parecer nº 00075/2024/Decor/CGU/AGU, reconhecendo, por fim, a possibilidade jurídica de renovação do quantitativo inicialmente registrado em caso de prorrogação de vigência da ata de registro de preços, assim ementado:
“EMENTA: LICITAÇÕES. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO DO QUANTITATIVO REGISTRADO EM CASO DE PRORROGAÇÃO DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO. ANUALIDADE. DEVER DE TRANSPARÊNCIA. REQUISITOS. I – Há a possibilidade da renovação do quantitativo originalmente registrado em caso de prorrogação da vigência da Ata de Registro de Preços (ARP) desde que seja comprovada a manutenção do preço vantajoso, haja previsão expressa no ato convocatório e na ata de registro de preços, o tema tenha sido tratado na fase do planejamento da contratação e a prorrogação da ata de registro de preços seja celebrada por termo aditivo dentro do prazo de sua vigência.”
A Advocacia Geral da União, por sua vez, em complemento às orientações do Enunciado 42 da CJF, condicionou a renovação dos quantitativos aos seguintes requisitos: (1) comprovação da manutenção do preço vantajoso; (2) previsão expressa no ato convocatório e na ata de registro de preços; (3) o tema tenha sido tratado na fase de planejamento da contratação e (4) a prorrogação da ata de registro de preços seja celebrada por meio de termo aditivo dentro do prazo de sua vigência.
Sendo assim, considerando a uniformização do entendimento, notadamente diante da aprovação do Parecer nº 00075/2024/Decor/CGU/AGU pela Advocacia Geral da União, ficou pacificada a orientação acerca da possibilidade jurídica da renovação dos quantitativos da ata de registro de preços nos casos de prorrogação da vigência, nos termos do artigo 84 da Lei Federal nº 14.133/2021.
Contudo, alguns requisitos ainda devem ser observados pelos órgãos contratantes e pelos fornecedores. Do lado da administração pública, como visto, é preciso que a possibilidade de renovação dos quantitativos seja abordada e tratada ainda na fase de planejamento da contratação, acompanhada da previsão expressa no edital e na respectiva ata de registro de preços.
Outras formalidades também devem ser observadas, como a comprovação da manutenção da vantajosidade dos preços registrados (artigo 84), que poderá ser realizada por meio de pesquisa de preços, e que a prorrogação da ata de registro de preços seja celebrada por meio de termo aditivo dentro do prazo de sua vigência, ou seja, dentro dos 12 meses iniciais.
Para que não restem dúvidas, é preciso citar, ainda, que os contratos advindos das atas de registro de preços seguem disciplina e regime jurídico independentes, inclusive com regras específicas de prorrogação do prazo, alterações contratuais e possibilidade de acréscimos e supressões, conforme as regras previstas no artigo 89 e seguintes da Lei nº 14.133/2021.
De toda forma, e mesmo que o parecer aprovado pela AGU não vincule expressamente todos os demais entes federativos, é certo que as recentes orientações administrativas acerca da matéria conferem segurança aos contratados no momento da prorrogação da vigência da ata de registro de preços e renovação de seus quantitativos, notadamente quando demonstrado o cumprimento dos requisitos e condições citadas acima, e estabelecidas em consonância com os princípios da segurança jurídica, da vantajosidade, do planejamento e do interesse público envolvido nas contratações e na continuidade dos fornecimentos e execução dos serviços.
Marília Bassi é advogada do Giamundo Neto Advogados.