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Pontos de destaque do projeto de reforma da Lei de Processo Administrativo
Tramita atualmente o Projeto de Lei nº 2.481/2022, que busca trazer relevantes alterações à Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/1999).
Para além de inovações como, por exemplo, as que procuram regrar a utilização de inteligência artificial no âmbito do processo administrativo eletrônico [1], conferir consequência ao silêncio administrativo, estipular prazos para a conclusão dos processos administrativos e prever a figura do efeito suspensivo (como regra) aos recursos administrativos, o PL reforça a aplicação de premissas como a incidência da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) aos processos administrativos, a aplicação subsidiária ou supletiva das disposições previstas no Código de Processo Civil, a possibilidade de métodos alternativos de solução de conflitos, dentre outros.
Ainda que nem todos os dispositivos do PL tragam novidades ao processo administrativo, a experiência mostra que, nas relações envolvendo a administração pública e particulares, determinadas explicitações conferem conforto e segurança aos gestores.
Até porque a aplicação de normas esparsas pode ser de difícil operacionalização, de modo que reiterar na Lei de Processo Administrativo que determinadas regras devem ser respeitadas pode ter uma importante finalidade pedagógica.
Nacionalização e incentivo à consensualidade
A primeira grande novidade do PL se refere à nacionalização da Lei de Processo Administrativo, impondo a sua observância a todos os entes da administração pública, bem como aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e Tribunais de Contas, em todos os níveis federativos.
Essa nacionalização, que tem base na própria Constituição (artigo 22, inciso I), tende, caso aprovada, a dar muito mais racionalidade e previsibilidade na condução desses processos, sobretudo por conferir uma unidade normativa. Com efeito, a competência concorrente entre União, estados e Distrito Federal não está na edição de normas gerais de processo (sendo essas de competência privativa da União), mas sim em legislar sobre procedimentos em matéria processual [2].
Os procedimentos em matéria processual correspondem, por exemplo, às regras que definem como determinados atos do processo serão conduzidos e que podem variar de acordo com as praxes e costumes de cada região, como, por exemplo, a forma/modo de intimação.
Outro aspecto importante do PL e que vai ao encontro das melhores práticas de solução de controvérsias foi a inserção do princípio da busca pela verdade material, acompanhado de um incentivo à consensualidade com o administrado (artigo 2º).
A possibilidade de negociação e formalização de acordos (artigo 68-E) corresponde a uma daquelas inserções que não representa nenhuma novidade, mas serve de incentivo à utilização de métodos adequados de solução de conflitos – incluindo a mediação, negociação, comitê de resolução de disputas e a arbitragem (artigo 68-F) [3].
Negócio jurídico processual, enunciado vinculante e observância das decisões do STF
Seguindo nessa esteira da consensualidade e observando premissas já aplicáveis aos processos judiciais, o PL traz a figura do negócio jurídico processual (artigo 25-A), prevendo que os órgãos e entidades podem, em consenso com o administrado, estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da situação concreta, antes ou durante o processo – o que inclui, por exemplo, a fixação consensual de calendário para a prática dos atos processuais.
Um dos temas de destaque hoje refere-se ao da segurança jurídica – não apenas a segurança jurídica regulatória e contratual, mas também decorrente de decisões tomadas nos mais diversos e corriqueiros processos administrativos instaurados.
Trata-se de um princípio que consagra expressão da não surpresa e da previsibilidade das decisões. Ou seja, é fundamental que os indivíduos saibam, de antemão e dentro de critérios objetivos, não apenas as normas jurídicas aplicáveis sobre determinados comportamentos, como também tenham conhecimento do entendimento consagrado, caso exista, acerca da aplicação de determinada norma jurídica para casos análogos.
Disso deflui que, ao decidir seus processos, o ente público deve, como regra, observar o entendimento já consolidado em favor de direitos individuais, de modo a se preservar uma proteção igualitária. A observância de precedentes corresponde a uma das formas mais eficientes e objetivas de se impor o respeito aos princípios constitucionais da impessoalidade, igualdade e isonomia.
Nessa esteira, o PL apresenta previsões interessantes, no sentido de que, quando a decisão proferida em um determinado processo administrativo se caracterizar como extensível a outros casos similares, poderá a autoridade competente, após manifestação fundamentada do órgão jurídico, atribuir-lhe eficácia vinculante e normativa (artigo 48-J).
Ademais, prevê a possibilidade de a autoridade administrativa editar enunciado vinculante para tornar obrigatória a aplicação de decisão judicial transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, cujo conteúdo seja extensível a situações similares (artigo 49-K).
Por fim, o PL reforça premissas constantes do Código de Processo Civil, no sentido de que a autoridade administrativa ou controladora deverá, de ofício ou mediante requerimento, observar para os casos similares as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional (artigo 49-L).
Atos processuais, coisa julgada administrativa e efeito suspensivo automático
No que tange à condução de atos processuais, o PL: (1) esclarece que nos processos eletrônicos, a prática de qualquer ato poderá ocorrer até as 23h59 do último dia do prazo (artigo 23, § 2º); (2) privilegia a condução dos processos por meio eletrônico (artigo 47-A); e (3) define que os prazos processuais serão contados em dias úteis (artigo 69-B).
O tema da coisa julgada administrativa também foi tratado, de modo a impedir que, em uma mesma instância, a administração decida matéria cujo mérito já foi apreciado em relação às mesmas partes e fatos. Evita-se, assim, que a natural alternância no poder acarrete uma frequente e indesejada oscilação do que já foi efetivamente decidido pelo Estado.
Outro aspecto relevante refere-se ao efeito suspensivo automático (salvo disposição legal específica em contrário) aos recursos administrativos. Trata-se de previsão que traz muito mais racionalidade aos processos e evita que medidas judiciais tenham de ser antecipadas na pendência de decisões administrativas em grau recursal.
Pela sistemática atual, diante da ausência de efeito suspensivo automático aos recursos interpostos no âmbito de processos administrativos sancionatórios, cabe ao interessado pleitear essa concessão ao órgão julgador. Em não se obtendo êxito nessa pretensão, socorrer-se ao judiciário, transferindo (quase sempre) a discussão do mérito do processo administrativo para a via judicial, mesmo na pendência de julgamento de recurso administrativo.
Portanto, ao conferir, como regra, efeito suspensivo aos recursos administrativos, o PL, além de evitar uma judicialização antecipada, traz muito mais racionalidade ao processo administrativo e preserva a utilidade do recurso.
Por fim, e para o que gostaríamos de destacar, o tema da prescrição também recebeu atenção, confirmando-se o prazo quinquenal da pretensão punitiva, bem como regrando a figura da prescrição intercorrente no processo administrativo sancionador paralisado sem justa causa por mais de dois anos, pendente de providência, despacho ou julgamento.
Como se pode observar, o PL, além de trazer inovações importantes ao processo, busca reforçar e clarificar algumas regras que, embora já aplicáveis, nem sempre são de fácil operacionalização. Tais explicitações, além de trazerem conforto e segurança aos gestores, possuem uma importante finalidade pedagógica.
Notas
[1] As inovações trazidas pelo PL 2481 quanto à inteligência artificial, impõe, por exemplo, a utilização de modelos de inteligência artificial no âmbito do processo administrativo eletrônico seja transparente, previsível, auditável, previamente informada aos interessados e permita a revisão de seus dados e resultados.
[2] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XI – procedimentos em matéria processual;
[3] Lembrando que a legislação em vigor (Lei nº 9.307/1996, Lei nº 14.133/2021 e a Lei nº 13.140/2015), já admitem expressamente a possibilidade de a administração se valer de métodos alternativos/adequados de solução de conflitos, incluindo a mediação e a arbitragem.
é doutor e mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP e advogado do escritório Giamundo Neto Advogados.