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Oposição teve 66% e Maduro 31%, segundo contagem paralela na Venezuela
Leonardo Sakamoto
Colunista do UOL
Estimativa de votos baseada em amostra estatisticamente representativa dos boletins de urnas realizada por um grupo independente de pesquisadores, incluindo brasileiros, aponta que Edmundo González, da oposição, venceu Nicolás Maduro por 66% a 31% na Venezuela. No domingo (28), o Conselho Nacional Eleitoral anunciou que Maduro havia vencido por 51% a 44%.
Desde que o resultado foi proclamado, o país vive protestos, prisões de lideranças da oposição, busca por refúgio em embaixadas e guerra de versões. O Brasil ainda não reconheceu a vitória de Maduro, bem como a União Europeia e os Estados Unidos, entre outros, aguardando os dados dos boletins de urnas – que permitiram a checagem da totalização dos votos. China, Rússia e Irã, por outro lado, já parabenizaram-no pela reeleição.
“Usamos dados reais, cientificamente produzidos, que apontam, ao que tudo indica, uma fraude grosseira na apuração de votos da Venezuela”, afirmou Fernando Neisser, professor da Fundação Getúlio Vargas e advogado eleitoral, um dos membros do projeto Alta Vista, criado para monitorar os resultados do pleito no país vizinho.
Segundo ele, os membros do grupo, pesquisadores e acadêmicos, se prepararam por meses para realizar uma totalização paralela a fim de monitorar os resultados. Agora, estão divulgando os dados para subsidiar a pressão para que o governo venezuelano garanta transparência a todos os boletins de urna.
Os pesquisadores que estão na Venezuela não terão suas identidades reveladas por questão de segurança e para evitar pressão tanto do governo quanto da oposição. “Mas os dados, que são dos boletins de urnas, falam por si, e podem ser checados no site da iniciativa”, explica Neisser. A iniciativa disponibiliza um site em português com as informações em tempo real, que pode ser visitado aqui.
Qual o resultado da contagem paralela de votos realizada por vocês?
Os votos seguem sendo tabulados, mas neste momento, com aproximadamente mil boletins de urna analisados, a votação estimada foi de cerca de 66% para a oposição e 31% para Nicolás Maduro. Estatisticamente, os novos votos que serão tabulados não mudam a grandeza da votação de cada um, apenas tornam o dado mais preciso.
Como foi que vocês chegaram a esse resultado?
A metodologia adotada parte da ideia de que é necessário obter boletins de urna dos locais de votação na Venezuela em número suficiente para poder extrapolar para todo o universo do eleitorado. Dos cerca de 15 mil locais de votação, selecionou-se, de forma aleatória, 1,5 mil, ou seja, 10%, divididos em sete grupos de acordo com a votação histórica desses locais, pró-governo ou pró-oposição, mantendo um número igual de boletins de urna para cada uma dessas faixas de apoio.
É importante que se diga que essa metodologia foi registrada previamente em um site de registro de pesquisas científicas para que os pesquisadores não pudessem ser acusados de escolher os boletins de urna que poderiam levar a um resultado desejado. Os fiscais credenciados, que tiveram acesso aos locais de votação, recolheram então esses boletins de urna (que contêm um QR code que traz a votação de cada urna eletrônica), fotografaram os materiais e encaminharam isso para o grupo que estava sistematizando esses dados.
Esses dados, conforme estão chegando, e ainda estão chegando dados, estão sendo compilados numa planilha, que é atualizada. Quanto mais boletins de urna, mais preciso torna-se o dado e menor é a margem de erro dessa estimativa de votação. Hoje, essa margem de erro está na casa de 0,5%.
Os dados que vocês utilizaram são confiáveis?
Os dados são confiáveis, podem ser verificados, inclusive, e conferidos no próprio órgão eleitoral venezuelano, a partir da chave criptográfica e do QR code que cada um desses boletins de urna tem. Além disso, todas as fotografias estão disponíveis, qualquer pessoa pode, a partir da metodologia, pegar os dados e fazer as próprias contas, e chegará certamente ao mesmo resultado. A metodologia foi formulada por alguns dos maiores especialistas do mundo em integridade eleitoral, da Universidade de Michigan, da Universidade Federal de Pernambuco, entre outros institutos. O número, portanto, é veraz, é real.
Quem fez essa contagem paralela é ligado ao governo venezuelano ou à oposição?
O projeto Alta Vista foi executado por pesquisadores na Venezuela, que não podem se identificar por uma questão de segurança. Nenhum deles tem qualquer afiliação política, qualquer ligação com os partidos, com as candidaturas que disputaram essa eleição na Venezuela, nem com pessoas da situação, nem da oposição. O objetivo, desde o início, é que o resultado sirva para a defesa da democracia.
Qual a expectativa de vocês a partir da divulgação desses dados?
A expectativa é que a partir da divulgação desses dados os governos que estão assistindo ansiosos pelo desenrolar dos fatos na Venezuela mantenham a cautela e possam cobrar do órgão eleitoral venezuelano que libere os dados sobre os boletins de urnas e não a apenas a sua compilação, uma vez que não se sabe como foi feita a totalização para chegar ao número divulgado no domingo. Portanto, é importante que os dados, que aqui nas eleições brasileiras, por exemplo, já são públicos e qualquer pessoa pode obter e fazer a sua própria somatória, se tornem públicos por lá, permitindo a aferição da somatória dos votos.