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O que dizem especialistas sobre decisão de Moraes para recolher livro com pseudônimo Eduardo Cunha
Decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) divide especialistas sobre a preservação da proteção à honra e da liberdade artística, ambos direitos garantidos pela Constituição; autor diz que foi vítima de censura e editora não se manifestou
Por Gabriel de Sousa
(Foto: Rosinei Coutinho/STF)
BRASÍLIA – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes mandou recolher unidades e retirar, do site da Editora Record, o livro Diário da Cadeia, de autoria do escritor Ricardo Lisías, que publicou a obra sob o pseudônimo de Eduardo Cunha. Especialistas ouvidos pelo Estadão divergem sobre a medida de Moraes, que atendeu a uma reclamação do ex-presidente da Câmara dos Deputados.
O livro de Lisías foi lançado na época em que Cunha estava preso preventivamente após ser acusado de exigir e receber US$ 5 milhões em propina em contratos de construção de navios-sonda da Petrobras. O ex-presidente da Câmara entrou na Justiça pedindo o recolhimento do livro, sob o argumento de que o título e a assinatura levariam o público ao erro, ao dar a impressão de que ele seria o verdadeiro autor da obra.
Na decisão desta quinta-feira, Moraes argumentou que há uma colisão entre o direito à liberdade de expressão, por parte de Lísias, e o direito à honra, imagem e nome, por parte de Cunha. Para o magistrado, não há direito fundamental absoluto e os réus (Lisías, a Editora Record e diretor editorial do Grupo Record na época, Carlos Andreazza) cometeram abuso no exercício da liberdade de expressão.
Para André Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, a capa do livro deixa claro que o autor não é o ex-presidente da Câmara, e sim um pseudônimo. O especialista também destacou que a jurisprudência define que “as pessoas notórias têm o seu direito à intimidade ou à imagem mitigados”.
O especialista afirma que a medida imposta por Moraes foi desproporcional e considerou suficiente uma condenação a valor indenizatório. Marsiglia também considerou que o ministro do STF promoveu um ato de censura.
“Mandar recolher a obra é desproporcional, é o mesmo que dizer que o livro inteiro é ilícito, que sua existência é criminosa. Essa desproporção, claramente abusiva, presente na decisão nos permite seguramente dizer que se trata de um ato de censura”, disse.
Na mesma linha, o professor de Direito Constitucional Fábio Tavares Sobreira disse que houve uma violação da liberdade de expressão artística. Segundo ele, o mais justo seria manter a circulação do livro, mas com uma nota esclarecendo que se trata de uma ficção e o pseudônimo não implica uma autoria real do ex-presidente da Câmara.
“A solução jurídica ideal deveria equilibrar os dois direitos em disputa. Manter a circulação do livro com as devidas ressalvas preservaria a liberdade de expressão artística sem comprometer a proteção à honra de Eduardo Cunha”, disse Sobreira.
Por outro lado, o Doutor em Direito Público pela Universidade de São Paulo (USP) Wilton Gomes acredita que a recolhimento dos livros foi uma ação necessária para mitigar a violação à honra de Cunha. O especialista acredita que o uso do nome do ex-presidente da Câmara, mesmo como um pseudônimo, e o título do livro, são capazes de causar uma confusão entre os leitores sobre qual é o verdadeiro autor da obra.
“O recolhimento dos livros é medida imprescindível para ensejar imediata cessação da violação à honra, imagem e do próprio nome do ex-presidente da Câmara dos Deputados. No entanto, a indenização também é cabível”, disse Gomes.
Moraes determinou que o descumprimento do recolhimento será passível de multa diária de R$ 50 mil. A editora ainda deverá dar direito de resposta a Cunha em sua página na internet e os réus devem pagar uma indenização de R$ 30 mil a Cunha.
Ao Estadão, Lísias disse que é vítima de uma censura e que Moraes confundiu liberdade de expressão com liberdade de criação. A Editora Record ainda não se pronunciou sobre o caso e o jornalista Carlos Andreazza, também colunista do Estadão, não vai comentar.