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Lei do silêncio não aumenta multa para perturbação do sossego com músicas contendo palavrões
Vídeo engana ao dizer que uma nova legislação puniria som alto com letras de baixo calão; procurado, autor da postagem disse que faz vídeos com ‘sensacionalismo’ para gerar engajamento nas redes
Por Milka Moura
Crédito: rawpixel.com
O que estão compartilhando: que uma nova lei do silêncio permite que o cidadão acione a Polícia Militar a qualquer hora do dia e que as multas são mais severas em caso de músicas com palavrões.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. É verdade que o cidadão que tiver a paz perturbada pode procurar a Polícia Militar a qualquer hora do dia. No entanto, não há uma nova lei sobre o assunto, tampouco normas que aumentem as multas para casos de músicas com palavras de baixo calão. Procurado, o autor do vídeo disse que é ator e costuma fazer vídeos “sobre leis bizarras” e com “sensacionalismo para gerar interação de comentários”.
Saiba mais: O vídeo analisado mostra um homem informando que há uma “nova lei de silêncio” que permite que o cidadão acione a polícia em qualquer horário para denunciar poluição sonora, além de prever multas mais severas para músicas com conteúdo ofensivo. Ele diz: “você que não tem consciência e gosta de deixar o som alto e acha que todo mundo é obrigado a ouvir suas músicas, tome muito cuidado (…) “Se for funk, palavras de baixo calão, você paga o dobro da multa”.
Por meio de busca reversa de imagens (veja aqui como fazer) identificamos o criador do conteúdo, que se identifica como Kleber Ávila. Ele costuma fazer vídeos sobre “leis bizarras”, como descreve em seu Instagram. Outros vídeos do autor em sua página pessoal mostram que ele costuma gravar em São Paulo. O conteúdo foi publicado na rede social Threads.
Advogados ouvidos pelo Verifica afirmaram que não há nenhuma alteração recente nas leis que tratam sobre perturbação de sossego. Também não existe uma lei unificada para todo o País – municípios podem criar suas próprias regras, variando a forma de como o assunto é tratado em cada cidade.
Na cidade de São Paulo, lugar em que o vídeo foi gravado, há a Lei do Psiu, que monitora denúncias de perturbação de sossego em estabelecimentos públicos. Ambientes residenciais podem, sim, acionar a Polícia Militar pelo 190 a qualquer hora do dia em caso de perturbação.
Entenda abaixo o que diz a legislação e quais as regras contra o barulho excessivo.
Navegue neste conteúdo
- O que é e quem cuida de casos de perturbação de sossego?
- Quais são as penas para perturbação do sossego e poluição sonora?
- Como funciona a Lei do Silêncio em SP?
- Outro lado
O que é e quem cuida de casos de perturbação de sossego?
A perturbação do sossego é quando o trabalho ou sossego alheio são perturbado por meio de ruídos. Existem decretos nacionais sobre a emissão de sons que podem perturbar a paz pública. Por exemplo, o artigo 42 da Lei de Contravenções Penais prevê que a perturbação do trabalho ou sossego é um delito que cabe multa ou prisão simples.
Neste caso, o decreto cita os exemplos do que seria considerado essa perturbação como sendo: gritaria, algazarras, abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos, provocação de animais para gerar barulho ou não impedir o barulho produzido pelo pet e o exercício de profissão ruidosa em desacordo com prescrições legais.
Também há o artigo 1.277 do Código Civil, que prevê que o proprietário de um imóvel pode exigir que o uso da propriedade vizinha seja feito de maneira que não cause prejuízos à segurança, ao sossego e à saúde de quem mora no espaço.
Segundo a advogada criminalista Juliana Pereira de Barros Toledo, do escritório Wilton Gomes Advogados, os municípios e Estados têm autonomia para legislar sobre o tema, criando novas regras que alinhem as normas às necessidades de cada local. Assim, todas as pessoas estão sujeitas aos decretos federais, mas também podem responder segundo as normas de seu município.
Quais são as penas para perturbação do sossego e poluição sonora?
Levando em consideração que cada município pode ter regras diferentes quanto à perturbação do sossego público, as penas podem variar. O advogado Gustavo Cavalcante Zilli, do Callado, Petrin, Paes e Cezar Advogados, informou ao Verifica que, normalmente, são aplicadas multas, consideradas sanções administrativas, semelhantes às multas de trânsito.
Já em casos que há perturbação de sossego de maneira intencional pode haver responsabilização na esfera criminal, com base na Lei de Contravenções Penais, citada anteriormente. Neste caso, o infrator pode chegar a ser preso de pelo período de 15 dias a três meses.
Ambos os especialistas ouvidos pela reportagem afirmaram que não há normas para músicas altas com letras de baixo calão, como afirma o autor do vídeo aqui checado. Juliana, advogada criminalista, disse que no caso de músicas que causem perturbação do sossego, o emprego da multa será aplicado pelo barulho, e não pelo conteúdo da letra.
Outro ponto a ser levado em consideração é que a perturbação se difere da poluição sonora, que é tida como crime ambiental. De acordo com o artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais, causar poluição ao meio ambiente de qualquer natureza, pode acarretar na pena de um a quatro anos de prisão e multas. Neste crime, é preciso de laudo técnico comprovando prejuízos causados à qualidade de vida e saúde.
Como funciona a Lei do Silêncio em SP?
A cidade de São Paulo também tem normas específicas para tratar de barulhos, como destacou Gustavo Cavalcante Villi. Por exemplo, a Lei 15.777/2013 proíbe a emissão de ruídos vindos de aparelhos de som instalados em veículos estacionados, com barulho acima do nível estabelecido pela legislação, especialmente em horários noturnos. A infração acarreta na aplicação de uma multa de R$ 1.000 que pode ser dobrada na primeira reincidência e quadruplica a partir da segunda reincidência.
O município também tem o Programa Silêncio Urbano (Psiu) que fiscaliza comércios, indústrias, instituições de ensino, templos religiosos e demais locais não residenciais. Em nota, a Prefeitura informou que casos de perturbação de sossego em ambientes residenciais devem ser encaminhados à Polícia Militar.
Como mostrou o Estadão, na cidade de São Paulo o limite de decibéis (intensidade do som) vai de 40 a 65, dependendo do horário e da zona. Os limites estabelecidos de acordo com os horários são:
- 7h às 19h: 60 decibéis
- 19h às 22h: 55 decibéis
- 22h às 7h: 50 decibéis
O limite do barulho deve ser fiscalizado por agentes públicos por meio dos sonómetros e as denúncias podem ser feitas pelo telefone 156, pelo Portal SP156 ou nas Praças de Atendimento das Subprefeituras.
Outro lado
Procurado, o autor do vídeo informou que é ator e faz conteúdos com tom sensacionalista para gerar engajamento nas redes sociais. “Sou ator e falo sobre leis bizarras ou o que o povo adorariam que fossem severas. Eu coloco sensacionalismo para gerar interação de comentários etc”, informou.
https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/lei-do-silencio-musicas-com-palavroes-enganoso/