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Justiça suspende estornos de cartão de crédito para clientes da 123milhas
Decisão do TJ-MG também obriga bancos a liberarem valores bloqueados a partir dos pedidos de devolução
Vinícius Barboza
SÃO PAULO
(Foto:
A Justiça de Minas Gerais ordenou a suspensão temporária e imediata dos estornos de compras no cartão crédito que consumidores fizeram com a 123milhas.
A decisão de primeira instância proferida pela juíza Claudia Helena Batista foi publicada na terça-feira (10). Batista é relatora da recuperação judicial da empresa.
Clientes que haviam solicitado a suspensão de pagamentos por pacotes cancelados pela companhia podem voltar a ser cobrados pelos serviços, mesmo que eles não sejam prestados.
A decisão também obrigou bancos a liberarem à empresa todos os valores que haviam sido bloqueados a partir dos pedidos de devolução. Procurada, a 123milhas afirmou que não irá comentar a decisão judicial.
No processo, a empresa alegou que os estornos foram solicitados pelos clientes às instituições financeiras de forma indevida, que bloquearam os repasses de recursos.
Para a juíza, a continuidade dos estornos violaria o princípio da paridade entre os credores e que tais créditos também estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.
“Ressalto que a proibição de ‘qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência’ é decorrente da deflagração do stay period. O objetivo da norma é conceder à empresa em recuperação judicial um ‘período de respiro’ para que possa negociar a aprovação do plano de recuperação com seus credores, evitando que os mais ágeis e diligentes promovam investidas em seu patrimônio em detrimento dos demais, bem como da preservação da empresa”
Claudia Helena Batista
juíza da 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte do TJMG
“A Justiça entendeu que a conduta dos consumidores de pedir o estorno das parcelas seria ilegal. A decisão onera os clientes, que passam a ser obrigados a pagarem as parcelas, mesmo sendo notório que os serviços contratados não serão prestados”, diz Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor e diretor jurídico do Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania).
Para o especialista, a decisão da Justiça mineira viola outro princípio, o da “exceção do contrato não cumprido”, válido quando uma das partes não cumpre sua obrigação em um contrato. Nesse caso, a outra parte também ficaria desobrigada de cumprir sua obrigação.
“Considerando que as empresas em recuperação judicial não irão cumprir o serviço, os consumidores poderiam, legitimamente, deixar de cumprir com os pagamentos”, afirma Silva.
“A Justiça suspendeu os estornos porque entendeu que a devolução desses valores seria ilegal, daria uma vantagem para quem pagou com cartão de crédito, que já teria seu valor recuperado”, diz Diego Marcondes, advogado especializado em direito do consumidor e sócio da Marcondes Advocacia. “Quem pagou seus pacotes de viagens com Pix ou boleto bancário, por exemplo, não teria essa mesma igualdade.”
Para Luis Alberto Paiva, economista e CEO da Corporate Consulting, a decisão da Justiça está correta e os estornos não podem ser realizados, pois poderiam caracterizar privilégios para os consumidores em detrimento de outros credores.
“A empresa pediu recuperação judicial e listou os credores [clientes] na RJ. Não existe agora a possibilidade de devolver dinheiro que está listado. Isso caracteriza privilégios, fraude a credores e pode incorrer em crime falimentar [conduta fraudulenta cometida por devedores ou terceiros em prejuízo de credores no âmbito de uma recuperação judicial]”, diz.
Operadoras de crédito deverão reembolsar a 123milhas com as quantias que foram bloqueadas. Embora a decisão tenha efeito imediato, está sujeita a recurso.
A juíza ressalta que a decisão não abrange contestações fundamentadas em fraude, como compras não autorizadas pelo titular do cartão.
“É importante que decidam se a empresa está ou não em recuperação judicial. Ou desistem e devolvem o dinheiro aos consumidores, ou mantêm o processo e conduzem conforme determina a lei”, afirma Paiva.
A 123milhas havia entrado com o pedido de recuperação judicial no fim de agosto. No entanto, o processo foi suspenso pela Justiça em 20 de setembro. No mesmo mês, também entrou em RJ a MaxMilhas, outra companhia que pertence aos fundadores e irmãos Ramiro e Augusto Júlio Soares Madureira.
Na segunda (9), a CPI das Pirâmides Financeiras pediu o indiciamento dos sócios da 123milhas, como mostrou reportagem da Folha. A empresa nega “veementemente que tenha atuado como pirâmide financeira ou que sua atuação possa sequer ser comparada à de uma instituição financeira”.