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Impactos da ADI 5529 para as patentes do setor agrícola

22 de abril, 2025

Impactos da ADI 5529 para as patentes do setor agrícola

A decisão dada na ADI jamais pretendeu gerar desconfiança e insegurança nas empresas que investem em tecnologia e desenvolvimento. Na realidade, o objetivo era exatamente o contrário

Por Luciano Ramos Volk e Natasha Giffoni Ferreira e Vinícius Mendes e Silva

Julgada em setembro de 2021, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5529, pela qual reconheceu-se a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI – Lei nº 9.279/1996), permanece no centro da discussão quando o assunto é a modulação de seus efeitos. Mais de quatro anos depois, alguns setores da economia seguem discutindo seu alcance judicialmente, tal como se observa em uma série de demandas envolvendo as patentes do setor agrícola.

Vale relembrar, antes de tudo, que o artigo 40 da Lei nº 9.279/1996 define que a vigência da patente observará, para as invenções, o prazo fixo de 20 anos e, para os modelos de utilidades, o prazo também fixo de 15 anos, contados, ambos, da data de depósito.

Como se sabe, logo na sequência, o parágrafo único daquele mesmo artigo carregava uma previsão adicional pela qual o prazo de vigência não seria inferior a dez anos para a patente de invenção e a sete anos para a patente de modelo de utilidade, contados, nesse aspecto, da data de concessão da patente.

Tratavam-se, portanto, de suas limitações temporais traduzidas naquele artigo: a data do depósito e a data da concessão.

Na época do julgamento da referida ADI, em que o mundo enfrentava grave crise sanitária causada pela pandemia da covid-19, viu-se clara a preocupação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e da própria Procuradoria- Geral da República (PGR) acerca dos efeitos práticos do parágrafo único especificamente sobre a indústria farmacêutica.

Viu-se ali toda uma linha argumentativa no sentido de que o longo tempo de tramitação dos processos administrativos para a concessão da patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por causas variadas, acabava por legitimar um prazo de vigência indeterminado, já que entre o depósito e a concessão poderiam transcorrer um, dez ou 15 anos por exemplo.

No contexto da indústria farmacêutica, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a afirmar “que o disposto no artigo 40, parágrafo único, da LPI impacta diretamente no direito fundamental à saúde, haja vista que, enquanto não expirada a vigência de patentes de grandes laboratórios, a indústria farmacêutica ficará impedida de produzir medicamentos genéricos contra o novo coronavírus e suas atuais e futuras variantes”.

Foi assim que, inseridos nesse ambiente de preocupação em relação à ausência de definição sobre o período de validade das patentes, apta a gerar prejuízo à livre concorrência e, sob última análise, aos próprios consumidores e beneficiários dos produtos, entendeu o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do ministro Dias Toffoli, por declarar inconstitucional referido parágrafo único.

A decisão teve seus efeitos modulados, preservando-se a validade das patentes já concedidas e ainda vigentes em decorrência da aplicação do aludido parágrafo único, operando, como regra, efeitos ex nunc.

Entretanto, duas hipóteses específicas foram apresentadas para que a retroatividade pudesse ter seu lugar: (i) patentes já concedidas com a aplicação do parágrafo único do artigo 40 da LPI e que fossem objetos de ações judiciais propostas até o dia 7 de abril de 2021; (ii) patentes que tenham sido concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos, bem como a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde.

E é na primeira exceção que, na prática, mora o problema. Isso porque, apesar da ADI ter conduzido a automática revisão dos prazos de patente apenas para o setor farmacêutico e de saúde, tem-se visto uma série de decisões no âmbito dos tribunais estaduais envolvendo, por exemplo, o setor agrícola, determinando a incontinente correção dos prazos de vigência de patentes, que, não raras as vezes, pela nova sistemática, já se encontram vencidas há certo tempo. Isso, em muitos casos, sem que o INPI seja ao menos parte na ação, o que naturalmente atrairia a competência federal absoluta.

E assim, da noite para o dia – e sem competência para tanto – esvaziam a presunção de legalidade inerente a todo ato normativo, ignorando que, enquanto vigente, o artigo 40, parágrafo único, da LPI produziu efeitos concretos e fundamentou legítimas decisões tomadas pelo INPI.

Para tornar ainda mais preocupante o cenário, o dia a dia nos mostra que a determinação para que o INPI fixe os novos prazos costuma ser acompanhada de ordens de suspensão de pagamento dos royalties, e, o que é ainda pior, com determinação de devolução dos valores recebidos pelas empresas pelo período que, pela nova contagem, a patente já estaria vencida.

Uma verdadeira subtração da propriedade intelectual da empresa que, no setor agrícola, campo de inúmeras e importantes patentes de multinacionais, pode gerar insegurança e até mesmo a paralisação de qualquer novo investimento para essa finalidade.

Um cenário não autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, corretamente. Ao que se vê, a decisão promovida no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5529 jamais pretendeu gerar desconfiança e insegurança nas empresas que investem em tecnologia e desenvolvimento no país. Na realidade, o objetivo era exatamente o contrário.

Entretanto, a aplicação de seus efeitos práticos não tem cumprido esse objetivo, nos mostrando que o desafio agora será esse: garantir a correta aplicação pelos tribunais estaduais das regras envolvendo a declaração de constitucionalidade aqui tratada.

Luciano Ramos Volk, Natasha Giffoni Ferreira e Vinícius Mendes e Silva são sócios do Volk & Giffoni Ferreira Sociedade de Advogados. 

https://valor.globo.com/legislacao/coluna/impactos-da-adi-5529-para-as-patentes-do-setor-agricola.ghtml

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