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Colapso verde: temporal em São Paulo derrubou mais da metade das árvores que caíram na cidade em todo o mês de janeiro
Defesa Civil recebeu 343 chamados após as chuvas da última quarta-feira
Foto: Flickr
Por Guilherme Queiroz, Fernanda Alves Davi* e Ana Flávia Pilar
Com ventos de mais de 60 km/h, a tempestade que matou um taxista em São Paulo na quarta-feira concentrou de forma extrema um problema que prejudica a cidade a cada chuva forte do verão: a Defesa Civil recebeu 343 chamados para derrubadas de árvores. O número equivale a mais da metade das quedas de janeiro, quando houve 649 chamados, segundo a prefeitura de São Paulo.
Foi um tronco derrubado pelo vento que matou o taxista Elton Ferreira, de 43 anos, ao atingir o veículo em que ele estava na Avenida Senador Queirós, na Sé. Ferreira morreu a dois quilômetros de uma perda histórica para a cidade: um chichá no Largo do Arouche, no Centro, foi despedaçado e destruiu a parte de cima de um carro durante a tempestade. Plantada há pelo menos 200 anos, o chichá era uma das duas árvores mais antigas de São Paulo, segundo o botânico e paisagista Ricardo Cardim.
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Queda de árvores desde 2018 — Foto: Editoria de Arte
O chichá tinha 30 metros de altura e era um remanescente do tempo em que o Arouche era formado por grandes chácaras. No começo do ano, ganhou uma placa da prefeitura que destacava sua importância. Com a destruição, as árvores mais antigas da capital paulista passam a ser a Figueira das Lágrimas, na Estrada das Lágrimas, no bairro do Sacomã, e um Jequitibá-branco, no Parque Trianon, na Avenida Paulista, conta Cardim.
Depois de ser destruída pela chuva, moradores do bairro foram ao largo se despedir do chichá.
— Meu avô me trazia aqui para ver. O pai dele também o trazia, tenho uma foto dele pequeno em frente à árvore. Ele a chamava de “monstro da praça” — lamentou o produtor cultural Allan Salles, que mora na região há cerca de 20 anos.
O centro e a Zona Oeste tiveram o maior número de árvores derrubadas, com 93% das ocorrências. Em entrevista para a rádio CBN, o coronel Álvaro Camilo, subprefeito da Sé, afirmou que a árvore que caiu sobre taxista estava sadia.
— O que a derrubou foi o vento mesmo. Ela tinha sido vistoriada — disse Camilo.
O botânico e paisagista Cardim, que já atuou em projetos de reflorestamento na cidade, critica o manejo da vegetação pública, feito atualmente por empresas terceirizadas.
— Cuidar das árvores não é só podar. A poda, aliás, muitas vezes é a sentença de morte das árvores, na forma como é feita em São Paulo. As equipes não têm tecnologia. A gente precisa de equipamentos que permitam enxergar por dentro das árvores — recomenda Cardim.
Para o paisagista, a prefeitura deveria criar um núcleo especializado na manutenção e no plantio. A estrutura ajudaria a reverter problemas crônicos, como espécies inadequadas, a cimentação das raízes, a construção de muretas que impedem a absorção de água e os cupins.
Procurada, a prefeitura afirmou que realiza ações de manejo o ano todo e que a cidade tem 129 equipes para serviços de prevenção e poda. Foram podadas 163.808 árvores em 2024, aumento de 39% em relação a 2019.
A Secretaria do Verde afirma ainda que existem 652 mil árvores na cidade e que estuda um termo para um inventário arbóreo da capital paulista. O poder público também destaca que os números da Defesa Civil podem ter duplicidade, já que “uma mesma árvore pode gerar vários chamados”.
Em janeiro, dos 649 chamados sobre queda de árvores, 294 (ou 45%) foram na Zona Leste. O distrito campeão foi São Lucas, na divisa com o ABC, com 33 casos. Desde dezembro, as chuvas de verão somam 1.188 árvores derrubadas, número já próximo do total registrado na temporada anterior, quando houve 2.009 ocorrências. Em média, cada mês chuvoso tem 910 casos.
As chuvas de verão deixaram 23 mortes em decorrência das chuvas em todo o estado de São Paulo, segundo a Defesa Civil. Destas, seis foram na capital paulista. Na quinta-feira, a cidade chegou a ter 176.399 imóveis sem luz e importantes vias como a Marginal Pinheiros ficaram no escuro, levando a mais de mil quilômetros de congestionamento.
Prejuízo com carro
Quando uma árvore cai sobre um veículo, a primeira coisa a se fazer é registrar o ocorrido com fotos e vídeos, segundo especialistas. Em seguida, é preciso registrar um boletim de ocorrência e acionar o seguro para iniciar o processo de indenização. Em alguns casos, será exigido um laudo da Defesa Civil ou do Corpo de Bombeiros para comprovar que a queda ocorreu devido a um fenômeno natural.
Segundo o advogado Leonardo Peres Leite, especializado em contratos e relações de consumo, a responsabilidade pode ser da prefeitura, já que a manutenção das árvores em vias públicas é um dever do município.
— Vai depender do estado da árvore, se estava sob fiscalização regular e sem sinais de risco. Se a manutenção não estava em dia ou se a árvore já apresentava problemas, pode ter havido negligência da prefeitura.
Em caso de árvores privadas, o proprietário do imóvel pode ser responsabilizado. Nem todo seguro cobre danos causados por temporais. Varia conforme o tipo de apólice, e normalmente só consta na cobertura total.
(*estagiária sob orientação de Pedro Carvalho)