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Cidadania italiana dificulta, mas não impede eventual extradição de Zambelli

4 de junho, 2025

Cidadania italiana dificulta, mas não impede eventual extradição de Zambelli

Advogados e professores citam casos recentes de extradição, mas lembram influência de tratados bilaterais

Foto: Myke Sena/Câmara dos Deputados

Por Tiago Angelo, Cristiane Agostine e Isadora Peron, Valor

Especialistas consultados pelo Valor afirmaram que a cidadania italiana dificulta uma eventual extradição da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), mas não inviabiliza totalmente que a parlamentar seja enviada de volta ao Brasil se for presa na Europa.

Condenada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a dez anos de prisão, Zambelli anunciou na manhã desta terça que deixou o Brasil para viver na Europa e que vai se licenciar do mandato como deputada. Em entrevista à CNN Brasil, também afirmou que não pode ser mandada de volta ao Brasil, pois teria cidadania italiana. Nesta tarde, a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou a prisão preventiva da deputada e a inclusão do nome dela na lista de procurados da Interpol.

Segundo Vladimir Aras, professor de processo penal na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ex-secretário de cooperação internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR), há casos de extradição de cidadãos italianos ao Brasil.

Ele cita, por exemplo, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado no mensalão. Ele deixou o Brasil em 2013, mas teve a extradição autorizada pela Justiça italiana, apesar da dupla cidadania. “Conseguimos a extradição em 2015, embora Pizzolato tivesse dupla nacionalidade. Nada impede que um cidadão italiano seja extraditado para o Brasil, mas é preciso ter uma boa estratégia”, afirmou.

O professor disse que o Brasil é um obstáculo para a extradição, porque o país não extradita brasileiros natos. Por reciprocidade, os países que têm tratados bilaterais optam por adotar medidas extradicionais semelhantes. “Há reciprocidade em sentido negativo. Porque o Brasil não extradita natos, então os demais países costumam também não extraditar de volta.”

Ele também lembrou o caso do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, que teve pedidos de extradição ao Brasil rejeitados pela Justiça da Itália por ter dupla cidadania. Ele foi preso em Mônaco e mandado ao Brasil em 2008.

Tratados

O Brasil tem tratados de extradição com países como Portugal e Itália. No último caso, “cada uma das partes obriga-se a entregar a outra, mediante solicitação, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade”.

A extradição, diz o tratado bilateral entre o Brasil e a Itália, será concedida quando os dois países considerarem uma determinada conduta como criminosa; houver pena prevista de mais de um ano; e quando a solicitação referir-se a mais de um crime.

O pedido será negado quando demonstrado que um fugitivo será submetido a julgamento por tribunal de exceção; se envolver crime político ou de opinião; e houver indício de perseguição e discriminação por motivos como raça, religião, sexo ou nacionalidade. Carla Zambelli foi condenada a dez anos de prisão por violar sistema do Conselho Nacional de  Justiça (CNJ) e inserir mandado de prisão falso.

A Procuradoria-Geral da República pediu na tarde de terça a prisão preventiva de Zambelli e a inclusão da deputada na lista de difusão vermelha da Interpol, que emite alertas sobre fugitivos. Mais cedo, ministros do Supremo disseram ao Valor que poderiam decretar a prisão da parlamentar.

Se isso ocorrer, disse Vladimir Aras, Zambelli poderia ser presa enquanto se desloca para a Itália, se de fato for ao país europeu. Ela também poderia ser presa preventivamente na Itália, se a Justiça do país entender pela detenção preventiva enquanto decide em definitivo sobre uma eventual extradição.

Para Tatiana Cardoso Squeff, professora de direito internacional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a cidadania italiana de Zambelli deve ser um entrave para eventual pedido de extradição. Segundo ela, cidadãos italianos não costumam, como regra, ser extraditados ao Brasil. “A grande questão é que a extradição não ocorre aos  nacionais do Estado. No caso do ex-jogador Robinho, por exemplo, por ser brasileiro ele não foi extraditado para a Itália. Em vez disso, houve a transferência de pena no Brasil, para que ele cumprisse aqui uma pena definida na Itália”, disse.

Segundo ela, no entanto, há exceções. Inclusive, casos em que o Brasil extraditou pessoas nascidas no país. Em 2017, por exemplo, a Primeira Turma do STF deferiu o pedido de extradição de uma acusada de ter assassinado o marido nos Estados Unidos. A corte entendeu que a mulher renunciou à nacionalidade brasileira ao adotar a cidadania norte-americana em 1999.

Beatriz Alaia Colin, especialista em direito penal do escritório Wilton Gomes Advogados, também considera que a cidadania italiana poderia ser um empecilho. “O fato de a deputada ter alegado cidadania europeia é um ponto crucial, uma vez que como cidadã ela tem o direito de circular e residir livremente nos países-membros. Isso inviabiliza a deportação por motivos migratórios.”

De acordo com ela, é preciso primeiro saber em que país a parlamentar está. “É necessário ver se o país tem ou não acordo de cooperação jurídica internacional com o Brasil. De toda forma, acredita-se que a deputada não será presa em solo europeu e que eventual mandado de prisão somente seria cumprido caso a parlamentar regressasse ao Brasil”, conclui.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2025/06/03/cidadania-italiana-dificulta-mas-no-impede-eventual-extradio-de-zambelli.ghtml

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