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‘A Justiça do Trabalho tem aplicado o entendimento do STF, mas a pejotização tem limites’

22 de abril, 2025

‘A Justiça do Trabalho tem aplicado o entendimento do STF, mas a pejotização tem limites’

Segundo a advogada Zilma Ribeiro, a Justiça do Trabalho aplica o entendimento do STF com relação à pejotização, mas que declara vínculo de emprego quando encontra fraudes.

Foto: Flickr

Por Jorge Priori

Conversamos com a advogada Zilma Aparecida da Silva Ribeiro sobre a questão da pejotização de relações trabalhistas que envolve o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Justiça do Trabalho. Zilma é sócia do escritório Lopes Muniz Advogados e mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).

O que levou o ministro Gilmar Mendes a suspender todas as ações que discutem a legalidade da pejotização?

O que levou o STF, especificamente o ministro Gilmar Mendes, a suspender todas essas ações foi o grande volume de reclamações constitucionais, que estão tramitando no Supremo, de decisões proferidas pela Justiça do Trabalho em que se discute a licitude e a legalidade de contratos firmados com pessoas jurídicas e com profissionais autônomos. A decisão do ministro Gilmar Mendes visa unificar um entendimento, pois ele sustenta que há uma sobrecarga de ações no STF que decorrem de uma resistência da Justiça do Trabalho em aplicar o entendimento do Supremo sobre a matéria. Para ser mais exata, o ministro visa uma pacificação dos entendimentos para que os tribunais passem a observá-lo no julgamento das ações que discutem esses contratos.

Como você avalia o entendimento da Justiça do Trabalho sobre a pejotização?

A Justiça do Trabalho analisa esses contratos considerando a realidade do dia a dia, como eles se dão e como são aplicados na prática. Ela até reconhece a pejotização, desde que não esteja caracterizada uma fraude na relação contratual. Ou seja, não é que a Justiça do Trabalho seja resistente à pejotização, mas ela entende que não pode haver fraude na relação, pois se houver fraude, há uma precarização dos direitos trabalhistas.

No meu entender, a Justiça do Trabalho aplica o entendimento do STF nos casos onde ela vê a realidade, o dia a dia do contrato, e não identifica fraude. Quando a Justiça do Trabalho identifica fraude, ela realmente declara o vínculo de emprego, o que gera conflito com aquilo que já foi decidido pelo Supremo.

O que seriam essas fraudes?

A fraude é a retirada de uma proteção mínima dos trabalhadores, como, por exemplo, o direito à verbas como décimo terceiro, Fundo de Garantia, férias e recolhimentos do INSS. Quando existe uma fraude, o trabalhador perde essas verbas, o que faz com que a Justiça do Trabalho reconheça o vínculo de emprego e não valide a pejotização.

Cabe ressaltar que existem pejotizações e pejotizações. Existem pejotizações de trabalhadores que recebem na faixa de R$ 2 mil, R$ 3 mil, e que, efetivamente, prestam serviços em uma condição precária. Por outro lado, existem pejotizações de profissionais, como, por exemplo, da área de saúde ou de comunicação, onde o patamar de remuneração autoriza sim uma modalidade de contrato diferente. Assim, nós não podemos ver a pejotização de uma forma mais ampla, que abranja toda e qualquer categoria de trabalhadores, pois existem trabalhadores ou autônomos que realmente são tidos como PJ e que ficam sujeitos a contratos muito prejudiciais às suas condições.

Como você avalia o entendimento do STF sobre a pejotização?

O STF abriu a possibilidade de se reconhecer a validade de outras formas de contratação, já que não podemos ficar restritos a um empregado regido pela CLT. O Supremo prestigia a liberdade organizacional e a liberdade, inclusive, das empresas partirem para outras formas de contratos, pois não se pode ficar só com a visão limitada de que um trabalhador tem que, obrigatoriamente, ser regido pela CLT.

Qual a natureza da ação que deu origem à decisão do ministro Gilmar Mendes?

Neste caso, o recurso, que provocou a decisão do ministro Gilmar Mendes, era do trabalhador. A Prudential, empresa cujo contrato de franquia estava sendo discutido, ganhou a ação no Tribunal Superior do Trabalho, o que fez com que o trabalhador recorresse ao STF para que o vínculo de emprego fosse reconhecido. Antes disso, o trabalhador havia recorrido ao TRT, que reconheceu o vínculo, que não havia sido reconhecido na primeira instância.

Este caso é muito interessante, pois o Tribunal Superior do Trabalho havia reconhecido que não existia vínculo de emprego, ou seja, a Justiça do Trabalho não é tão resistente como está sendo colocado em alguns artigos, como se houvesse um enfrentamento do STF. Não, não é isso, pois a Justiça do Trabalho acolhe a posição do Supremo, mas quando ela identifica uma fraude, ela não aplica o seu entendimento.

Ou seja, tanto empresas quanto empregados recorrem ao STF em assuntos relacionados à pejotização?

Exatamente. Em regra, a ação sobe pela empresa, mas isso não significa que apenas as empresas vão ao STF com essas reclamações constitucionais. Os empregados também vão, e, muitas vezes, dependendo do ministro, têm êxito.

A pejotização de empregos saiu de controle?

Quando a pejotização é bem feita, ela é válida. Eu não posso dizer que ela saiu de controle, mas não há dúvidas de que, desde 2018, quando o STF reconheceu a licitude da terceirização, tanto na atividade-meio quanto na atividade-fim, isso estimulou as empresas a formalizarem contratos das mais variadas formas, pois estava debaixo do guarda-chuva da decisão do STF.

A pejotização é benéfica e também tem vantagens para o prestador de serviço, mas não há como deixar de reconhecer que existem distorções que são interpretadas pela Justiça do Trabalho como fraudes.

Como essa questão deve ser resolvida?

Nós estamos na expectativa do julgamento do mérito da repercussão geral que foi reconhecida pelo ministro Gilmar Mendes, sendo que isso vai ser resolvido pelo plenário do STF. Pelo trâmite normal, o julgamento deve ocorrer no próximo ano, mas há um forte movimento, de várias instituições, no sentido de que este mérito seja julgado o quanto antes devido aos impactos que a suspensão provoca nos processos que estão tramitando na Justiça do Trabalho e à questão de arrecadação fiscal envolvida. Com esse julgamento, haverá um entendimento pacificado que deverá ser observado pelas instâncias inferiores.

Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto a sua entrevista?

Efetivamente, não há um embate, como estão divulgando, da Justiça do Trabalho com o Supremo Tribunal. Com todo respeito à posição do ministro Gilmar Mendes, várias decisões da Justiça do Trabalho mostram que ela tem aplicado o entendimento do STF, mas a pejotização tem limites. Como disse, ela é válida, mas não pode ser aplicada de uma forma distorcida a ponto de fraudar direitos de trabalhadores que não têm condições de serem vistos como PJ ou autônomos.

Um ponto interessante é que, desde a Reforma Trabalhista, nós temos a figura do trabalhador hiperssuficiente, que é aquele que possui curso universitário e recebe um salário igual ou superior ao dobro do teto da Previdência Social. Um hiperssuficiente poderia ser um critério objetivo para nortear a legalidade e licitude dos contratos de PJ e autônomos, de forma a deixar uma proteção maior da CLT para os trabalhadores que não se enquadram nessa condição.

Por fim, a decisão do ministro Gilmar Mendes mexe com um ponto muito delicado à Justiça do Trabalho: a sua competência. Neste ponto, há sim um enfrentamento pesado com a Justiça do Trabalho, pois o STF diz que ela não tem competência para apreciar esses contratos, que deveriam ir para a justiça comum. A Justiça do Trabalho, realmente, não tolera esse tipo de enfrentamento, pois entende que é competente para analisar se há fraude ou não nesse tipo de relação.

https://monitormercantil.com.br/a-justica-do-trabalho-tem-aplicado-o-entendimento-do-stf-mas-a-pejotizacao-tem-limites/

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