carregando...

PORTFÓLIO

2025: um ano decisivo para a regulação de IA

5 de março, 2025

2025: um ano decisivo para a regulação de IA

As propostas ventiladas precisam ser cuidadosamente avaliadas e testadas em um processo de discussão regulatória que envolva a comunidade técnica de IA

Por Luis Fernando Prado e Rodrigo Leal

Tal como em 2024, o ano de 2025 promete intensos debates sobre a regulação da inteligência artificial (IA) no Brasil e no mundo. Uma questão central desponta: como conciliar proteção dos direitos autorais com desenvolvimento de IA? O Projeto de Lei (PL) nº 2.338/2023 do Senado, que propõe o Marco Legal de IA e tramita na Câmara dos Deputados, será peça-chave nessa discussão.

Na versão atual, o PL estabelece a obrigatoriedade de remuneração aos detentores de direitos autorais e prevê a criação de um “sumário em sítio eletrônico” para listar conteúdos protegidos utilizados no treinamento dos sistemas de IA. Além disso, a atual redação prevê que os titulares de direitos autorais possam impedir o uso de suas obras no desenvolvimento desses sistemas, com exceção dos casos em que a IA seja desenvolvida sem fins comerciais por instituições científicas, educacionais, de pesquisa, museus, arquivos públicos e bibliotecas. Quanto à gestão dos direitos autorais, o PL aponta uma preferência pela abordagem coletiva, mas não descarta a possibilidade de gestão individual, o que levanta dúvidas sobre como isso funcionaria na prática.

Em resumo, a atual versão do PL, na parte dos direitos autorais, adota uma postura que suscita questionamentos sobre sua compatibilidade com o futuro do desenvolvimento de IA no Brasil. Afinal, não há IA ética e responsável sem um sólido processo de treinamento, que depende do acesso a dados e informações para que os resultados produzidos sejam socialmente aceitáveis.

Vale lembrar que a forma de se regular IA, atualmente, é um assunto de geopolítica. Uma regulação excessivamente restritiva pode não apenas afastar investimentos e pesquisas, mas também levar empresas de tecnologia a migrarem para jurisdições mais flexíveis, impactando a competitividade do Brasil. Nesse ponto, devemos considerar que, recentemente, a União Europeia, mesmo tendo aprovado inicialmente um marco regulatório bastante rígido, começa a repensar essa estratégia, os EUA reduziram sensivelmente a carga regulatória sobre o tema e os países asiáticos, em geral, adotam em suas leis abordagens mais pragmáticas e favoráveis à inovação.

Em contrapartida, uma regulação equilibrada, que assegure direitos e, ao mesmo tempo, fomente a inovação, pode alçar o Brasil a um dos mercados mais relevantes para IA no hemisfério sul, considerando seu potencial energético. Nessa balança, é importante ressaltar que a expansão rápida dos sistemas de IA tem ampliado o debate sobre mineração dos conteúdos disponíveis on-line, os quais, mesmo acessíveis, podem estar protegidos por direitos autorais. Isso significa que a simples publicação de um texto ou imagem na internet não torna seu uso livre, pois a lei protege obras autorais desde sua criação, independentemente de registro ou restrição de acesso.

Outro aspecto crucial dessa equação regulatória é a compreensão do treinamento de IA e o que, de fato, configura o “uso” de obras protegidas por direitos autorais. Para ilustrar, imagine ensinar alguém a reconhecer diferentes tipos de frutas. Ao apresentar imagens de maçãs, laranjas e bananas, a pessoa aprende a identificar suas características sem memorizar cada detalhe específico. O treinamento de uma IA segue lógica semelhante: ao ser exposta a diversos dados, ela não os armazena literalmente, mas abstrai padrões e estruturas para formar uma representação interna. Assim, em regra, a IA não retém textos, imagens ou qualquer outro conteúdo de forma identificável, apenas aprende os padrões e estruturas presentes nesses dados.

Dessa forma, quando a IA cria algo, ela não reproduz trechos literais do material de treinamento, mas combina e sintetiza os padrões e relações aprendidos para produzir uma saída original. É, portanto, um processo complexo, que difere de técnicas tradicionais de sampling ou remixagem, nas quais pequenos trechos do conteúdo original são reutilizados para a criação de um novo.

Esse contexto traz à tona questões sobre o que significa de fato “usar” uma obra protegida, especialmente considerando que, para um treinamento eficaz, a IA precisa ter contato com textos e imagens – ativos que, na maioria das vezes, são protegidos por direitos autorais. Inclusive, em alguns casos, o acesso a obras protegidas durante o treinamento é fundamental para que a IA aprenda a identificar as características que distinguem esse tipo de conteúdo daqueles que não estão sob proteção autoral.

Além disso, um aspecto que precisa ser debatido com mais profundidade é a distinção entre diferentes tipos de IA e seus impactos para direitos autorais. Por exemplo, modelos generativos, que criam conteúdo, e modelos preditivos, que analisam padrões para tomada de decisão, se comportam de maneiras distintas. O risco de uma regulação genérica e excessivamente abrangente é tratar igualmente situações que possuem implicações jurídicas bem diferentes, podendo resultar em restrições desproporcionais.

É por esses fatores que o tema dos direitos autorais no contexto da IA se torna um dos mais complexos que a interface entre direito e tecnologia já enfrentou, não admitindo soluções simplistas. As propostas ventiladas precisam ser cuidadosamente avaliadas e testadas em um processo de discussão regulatória que envolva a comunidade técnica de IA. Dos consensos que o PL busca construir, ainda não há acordo quanto à parte relativa aos direitos autorais, de modo que 2025 terá de oferecer caminhos que 2024 não apresentou.

Luis Fernando Prado e Rodrigo Leal são, respectivamente, sócio do Prado Vidigal Advogados e conselheiro consultivo na Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria); e advogado do Prado Vidigal Advogados, pós-graduado em Propriedade Intelectual pela PUC-RJ.

https://valor.globo.com/legislacao/coluna/2025-um-ano-decisivo-para-a-regulacao-de-ia.ghtml

Compartilhe