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Se seguir decisões recentes, STF deve restabelecer decreto do IOF
Se seguir decisões recentes, STF deve restabelecer decreto do IOF
Há na Corte duas ações questionando a decisão do Congresso de derrubar o aumento do IOF: uma foi ajuizada pelo Psol e outra é da AGU, em nome do governo
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Por Tiago Angelo
Se seguir as próprias decisões recentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve restabelecer o decreto do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em reserva, no entanto, ministros da Corte afirmam que a judicialização do tema em momento de embate com o Congresso torna a situação mais delicada.
Segundo advogados, a jurisprudência predominante no STF é no sentido de que o Executivo pode alterar alíquotas, desde que respeite limites estabelecidos em lei, e que atos do governo não podem ser sustados pelo Congresso, salvo se “exorbitarem do poder regulamentar” conferido ao presidente.
Há na Corte duas ações questionando a decisão do Congresso de derrubar o aumento do IOF. Uma foi ajuizada pelo Psol na semana passada. A outra é da Advocacia-Geral da União (AGU), que, em nome do governo, pediu, nesta terça-feira (1º), que o Supremo declare a constitucionalidade do aumento. Os dois pedidos estão sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Segundo levantamento do Valor, decisões recentes do tribunal foram no sentido de manter atos dos Executivos federal e estadual, mesmo nos casos em que houve a alegação de que o aumento de alíquotas tinha motivos arrecadatórios. O argumento de que o decreto do governo é arrecadatório é usado pelo Congresso e por especialistas que criticam a medida do Executivo.
Em dezembro de 2024, o ministro Gilmar Mendes rejeitou o pedido de uma empresa contra a União. A autora questionou um decreto de 2008 que previa a majoração do IOF. O argumento foi que o aumento da tributação teve como finalidade “incrementar substantivamente a arrecadação”.
Para o ministro, “o Poder Executivo tem autorização expressa da Constituição para alterar a alíquota do IOF, cuja competência pode ser exercida pelo presidente da República e até mesmo ser atribuída a órgão integrante daquele poder”. Gilmar também disse que “nada obsta que perdas de arrecadação sejam supridas por majorações de outros encargos”.
Decreto de Bolsonaro sobre Auxílio Brasil
Em abril do mesmo ano, o ministro Edson Fachin entendeu que o Executivo pode alterar o IOF, mesmo nos casos em que o aumento da alíquota tenha, como consequência lógica, o incremento da arrecadação. No caso concreto, um contribuinte questionou um decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que elevou o IOF para financiar o Auxílio Brasil.
“É certo que eventual prevalência de finalidade extrafiscal adotada por um tributo não impede, até como consequência lógica, sua função arrecadatória, em menor ou maior grau”, afirmou o ministro na ocasião.
Meses antes, em janeiro de 2024, o ministro André Mendonça rejeitou um pedido semelhante questionando o decreto de Bolsonaro. Segundo a solicitação, o objetivo do aumento era custear o Auxílio Brasil, o que violaria “preceitos básicos do tributo”.
“Não há evidência de que a majoração do IOF objetivou modificar a natureza jurídica do imposto, de modo a desviar sua finalidade e transformá-lo em tributo com arrecadação vinculada”, disse na ocasião.
Em 2017, a Segunda Turma do STF rejeitou, por unanimidade, o pedido de uma empresa contra a União. A autora afirmava que um decreto que elevou o IOF tinha como objetivo substituir temporariamente a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Há ainda decisões colegiadas em que a Corte determinou que casas legislativas não podem derrubar atos que estão em conformidade com o poder regulamentar dos Executivos dos Estados e do Distrito Federal. Em 2020, por exemplo, o plenário do Supremo restabeleceu, por unanimidade, um decreto do DF que prevê sanções a práticas discriminatórias em razão da orientação sexual.
Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia entendeu que o Legislativo só pode sustar atos normativos do Executivo nos casos em que o poder regulamentar foi extrapolado.
“A suspensão dos efeitos desse ato normativo por decreto legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal configura intromissão desse órgão em competência privativa do Chefe do Poder Executivo distrital”, disse a ministra na ocasião. Há exemplos de decisões semelhantes sobre atos de outros Estados.
Advogados divergem
A constitucionalista Vera Chemim diz que o STF deve se debruçar principalmente em analisar se o decreto do governo Lula extrapola ou não o poder regulamentar do Executivo, e se a medida é ou não arrecadatória.
“Se for comprovado que a majoração de suas alíquotas tem finalidade arrecadatória e não regulatória, pode configurar desvio de função ou de finalidade do IOF, no sentido de afrontar o princípio da legalidade tributária. Se ficar entendido que a majoração extrapolou as condições e limites fixados em lei, é possível afirmar que houve abuso de poder regulamentar”.
Para o constitucionalista Eduardo Ubaldo, se o Supremo seguir seus próprios precedentes, deverá restabelecer o decreto que aumentou o IOF. Segundo explica, o decreto do governo elevou a alíquota em patamar inferior ao previsto na Lei 8.894/94.
“Não há grandes dúvidas de que o Executivo não extrapolou seu poder de regulamentar. Assim, não há que se falar em possibilidade de o Legislativo sustar o ato do presidente. A Lei 8.894 diz que o Executivo pode alterar alíquotas ‘tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal’. Ora, o objetivo do governo Lula foi justamente usar essa majoração para atingir o objetivo da política fiscal de alcançar a meta de resultado primário estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias”, disse.
Ainda segundo ele, a “jurisprudência tradicional” do STF é no sentido de que a possibilidade de o Congresso sustar atos do Executivo é “extraordinária”, devendo ser “interpretada restritivamente”.
A advogada tributarista Ana Cláudia Akie Utumi concorda que o governo pode alterar as alíquotas, desde que respeite balizas estabelecidas em lei. Segundo ela, no entanto, o presidente excedeu limites ao “criar duas novas incidências”.
“Por decreto, foram criadas duas novas incidências: IOF/Crédito sobre operações de risco sacado, que a meu ver nem sequer é operação de crédito, mas, sim, operação com crédito; e sobre VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre)”. No decreto, o governo estabeleceu alíquota de 5% de IOF para planos de VGBL.
“Para a criação de novas incidências, seria necessária uma lei ordinária, não podendo ser feito por decreto presidencial, de tal maneira que, a meu ver, a criação de duas novas incidências é inconstitucional”, prosseguiu.
O tributarista Júlio Cesar Soares disse que, apesar dos entendimentos recentes do STF, a Corte pode entender que o decreto do Executivo tem função primordialmente arrecadatória e, com isso, manter a decisão do Congresso.
“A leitura atenta da exposição de motivos dos decretos presidenciais que majoraram o IOF e criaram, inclusive, novas hipóteses de incidência do imposto, evidencia uma intenção declaradamente arrecadatória — o que vicia de nulidade o exercício da competência regulatória presente no IOF.”
“A jurisprudência da Corte é igualmente clara em afirmar que essa prerrogativa depende da demonstração de finalidade extrafiscal legítima, sob pena de se transmutar a atuação do Executivo em verdadeiro exercício de competência tributária típica, sujeita à legalidade estrita”, concluiu.