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Retotalização de votos não tem relação com fraudes ou com eleição para Presidência

7 de junho, 2025

Medida prevista na legislação brasileira ocorre quando há mudança na situação de um partido, coligação ou candidato nas eleições proporcionais

Por Clarissa Pacheco

Foto: Reprodução/Instagram

O que estão compartilhando: que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu retotalizar os votos das eleições de 2022, resultando na troca de sete deputados. O post dá a entender que a medida fere a democracia e, nos comentários, pessoas pedem o código fonte das urnas para recontagem dos votos e troca do presidente da República.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A retotalização não é um indicativo de fraude, nem fere a democracia. Na realidade, o procedimento está previsto na legislação brasileira e ocorre com certa frequência. Quando um deputado ou vereador tem uma candidatura indeferida ou o mandato cassado, por exemplo, os votos que ele tinha recebido são anulados e, como as eleições parlamentares são proporcionais, é preciso fazer uma retotalização para redistribuição das vagas. No caso citado pela postagem, a retotalização teve de ser feita porque houve um novo entendimento do STF a respeito das sobras eleitorais – as vagas que restam a serem preenchidas após a aplicação do quociente eleitoral. Entenda melhor abaixo.

O autor do post foi procurado pelo Verifica, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Saiba mais: O post compartilha uma publicação verdadeira do jornal Folha de S. Paulo sobre a retotalização dos votos para deputados nas eleições de 2022. O STF notificou o TSE no dia 23 de maio a partir de um despacho do ministro Flávio Dino, e a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte Eleitoral, notificou os Tribunais Regionais no último dia 3 de junho.

Embora o TSE tenha anunciado a retotalização agora, a medida está ancorada em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de fevereiro do ano passado. Os partidos Rede Sustentabilidade, PSB e PP entraram com uma ação questionando regras de distribuição das sobras eleitorais incluídas no Código Eleitoral de 2021.

Na decisão, o Supremo entendeu que todos os partidos e candidatos, independentemente de terem alcançado um quociente mínimo eleitoral, poderiam participar da última etapa de distribuição das sobras eleitorais – ou seja, as vagas remanescentes após a primeira distribuição por quociente eleitoral.

No Brasil, as eleições para vereadores e deputados são proporcionais, ou seja, não necessariamente os candidatos mais votados são os eleitos. A distribuição das vagas é feita em três fases, que têm relação com o cálculo do quociente eleitoral.

O quociente eleitoral é um índice calculado a partir da divisão do total de votos válidos para um cargo pelo número de vagas disponíveis. Por exemplo: se uma cidade registou 150 mil votos válidos para vereador e tem 17 vagas para o cargo, o quociente é 8824. Para ser eleito, um vereador precisa ter ao menos 10% desse quociente, ou seja 882 votos.

Em fevereiro do ano passado, a decisão era de que a nova regra sobre sobras eleitorais passaria a valer para as eleições futuras. No entanto, houve apreciação de recursos nas ações da Rede Sustentabilidade e do PSB e, num julgamento no dia 13 de março deste ano, o Supremo decidiu que a nova regra pode ser aplicada desde as eleições de 2022. Por isso, a necessidade de fazer uma retotalização dos votos para deputados daquela eleição.

Retotalização é diferente de recontagem de votos

A totalização dos votos é a soma dos resultados de todos os boletins de urna. A retotalização ocorre quando há alguma mudança na situação de um partido, coligação ou candidato. Segundo o TSE, a totalização e eventual retotalização dos votos é de responsabilidade dos Tribunais Regionais Eleitorais.

Essa retotalização é diferente de uma recontagem, que também é prevista na legislação brasileira, mas ocorre por determinação do TSE quando há provas contundentes de fraude eleitoral, o que não foi o caso.

“A retotalização não tem nada a ver com urna eletrônica, com código fonte, com qualquer irregularidade ou fraude nas urnas, mas tem a ver com cálculo das sobras”, explicou a advogada Izabelle Paes, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes & Cezar Advogados, especialista em Direito Eleitoral e membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP).

Antes da decisão do STF, a distribuição de vagas das eleições proporcionais funcionava assim:

  • Na primeira fase, as vagas eram distribuídas para os partidos que obtiveram 100% do quociente eleitoral e entre os candidatos que tiveram pelo menos 10% desse quociente.
  • Na segunda fase, começavam a ser distribuídas as sobras. Para participar dessa etapa, contudo, o partido precisava alcançar pelo menos 80% do quociente e os candidatos tinham que ter pelo menos 20% do quociente eleitoral.
  • Na terceira e última fase, caso ainda sobrassem vagas, elas eram distribuídas àqueles com maiores médias.

Após o julgamento do STF, foi definido que não há mais uma exigência de que partidos ou candidatos alcancem um quociente eleitoral mínimo de 80% e 20% para que eles possam participar da divisão das sobras eleitorais. O Supremo entendeu que, da forma como acontecia antes, a regra inviabilizava a ocupação de lugares no parlamento por partidos pequenos.

O STF também derrubou a regra inserida no Código Eleitoral em 2021 que determinava que as últimas sobras ficariam com os mais votados: para os ministros, isso “retiraria o caráter proporcional para as eleições parlamentares”.

Retotalização não ocorre em eleições para presidente, explica advogada

No post investigado, diversos comentários sugerem que seja feita uma retotalização – e, erroneamente, é usado também o termo “recontagem” – dos votos para presidente da República. Usuários do Instagram dão a entender que, abrindo o código fonte das urnas, será possível trocar de presidente. Isso é falso, inclusive porque o código fonte das urnas não é sigiloso.

Nos comentários, pessoas pedem a abertura do código fonte das urnas e a troca do presidente
Nos comentários, pessoas pedem a abertura do código fonte das urnas e a troca do presidente Foto: Reprodução/Instagram

A advogada Izabelle Paes, especialista em Direito Eleitoral, explica que não faz sentido usar a decisão do STF para pedir a retotalização dos votos para presidente porque este é um procedimento que se aplica a eleições proporcionais, e não majoritárias, em que são eleitos presidente, governadores e prefeitos.

“Isso não tem nenhuma relação com eleição majoritária. A gente não faz quociente eleitoral, não faz cálculo de cadeiras, cláusula de desempenho para presidente, governador e prefeito. Eu escolho um candidato e voto nele. Quem tem mais votos, ganha”, explicou.

Outros comentários afirmam que o STF é quem determina quem vai ser eleito, além de convocarem para manifestações
Outros comentários afirmam que o STF é quem determina quem vai ser eleito, além de convocarem para manifestações Foto: Reprodução/Instagram

Já no sistema proporcional, há um cálculo de representatividade. “Existe muita retotalização na Justiça Eleitoral porque às vezes tem um candidato que estava irregular, então ele sai e tem que retotalizar para ver quem fica com a vaga. Não é um fenômeno que nunca acontece”, disse.

Ela cita como exemplo o caso de um vereador que, eventualmente, seja cassado ou perca o mandato porque sua candidatura estava irregular: vai haver uma retotalização para saber que outro candidato assume a vaga que era dele, mas isso não influencia em nada a situação do prefeito.

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/retotalizacao-de-votos-fere-democracia-troca-presidente-enganoso/

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