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PL do Carf traz mudanças em garantias de processos que são desfavoráveis à União

29 de agosto, 2023

Texto impede liquidação antecipada e determina ressarcimento de gastos aos contribuintes

Por Beatriz Olivon, Raphael Di Cunto e Julia Lindner — De Brasília

O projeto de lei que devolve o voto de qualidade ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – desempate por um representante da Fazenda – promove duas alterações importantes sobre as garantias apresentadas pelos contribuintes, na Justiça, para cobrir o pagamento de tributos em caso de derrota. Ambas são contrárias aos interesses da União.

O PL nº 2.384/2023 veda a liquidação antecipada da garantia, antes do fim do litígio, prática que a União adota hoje, obrigando o governo a aguardar o trânsito em julgado do processo (quando não cabe mais recurso). A antecipação é questionada pelos contribuintes no Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, sem sucesso.

Outro ponto determina que a União terá que ressarcir, com atualização monetária, gastos com contratação e manutenção de garantias. Hoje, ela não paga esses valores, nem para quem busca a Justiça para fazer essa cobrança. Predominam decisões contrárias aos contribuintes.

Essas mudanças foram incluídas pelo relator do projeto na Câmara, o deputado Beto Pereira (PSDB-MS). Para o tucano, é injusto que a União “se aproprie” do dinheiro antes do trânsito em julgado, porque a decisão pode mudar, e também que não compense o contribuinte dos gastos decorrentes da cobrança irregular do tributo.

“Depois de dez anos, você ganha a ação na totalidade, fica provado que não tinha culpa nenhuma. Mas teve despesa com advogado e com a manutenção da fiança, gasta quase 50% do valor da causa com isso. Como que não é certo a União te ressarcir disso?”, questiona Pereira.

Ele diz que o ressarcimento foi discutido com o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que concordou que a prática atual é injusta. “A União pode ter prejuízo com isso? Pode, mas então ela que cobre certo ou que não exija garantia.”

Em geral, nas disputas judiciais tributárias, a garantia é dispensada apenas se liminar suspender a cobrança durante a discussão. A Lei de Execuções Fiscais (nº 6.830, de 1980) prevê a garantia em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia.

A alteração legal trazida pelo projeto de lei e a judicialização não afetam a garantia em dinheiro, segundo Guilherme Manier, sócio da área tributária do Viseu Advogados, porque nesse caso não há custo atrelado, diferentemente da carta fiança e do seguro garantia. Esses títulos, acrescenta, trazem segurança ao credor, mas isso custa. “O seguro normalmente é mais barato para o devedor e a fiança bancária é mais cara”, afirma.

“É injusto que a União se aproprie do dinheiro antes do trânsito em julgado”
— Beto Pereira

Manier estima que o seguro garantia para empresa com alto nível de liquidez cobra taxas entre 1% e 1,5% do valor total da execução fiscal atualizada. A carta fiança fica entre 2,5% a 3%. “Os valores pagos são perdidos. As empresas judicializam para ter a despesa restituída.”

Apesar de mudar a legislação e trazer pontos que podem ser desfavoráveis à União, o projeto foi aprovado com apoio do governo na Câmara dos Deputados e deve ser aprovado na quarta-feira pelo Senado, sem alterações, para que siga direto à sanção presidencial. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode vetar trechos.

Contribuintes judicializam o assunto porque a liquidação antecipada das garantias dá à Fazenda acesso mais rápido aos valores de cobranças fiscais. Com a medida, afirmam advogados, o montante em discussão tem que ser depositado em uma conta judicial e, de acordo com a Lei nº 9703, de 1998, pode ser usado pela União. Se o resultado for posteriormente favorável ao contribuinte, a devolução terá de ser feita em 48 horas.

No STJ, os ministros entendem que seguro garantia pode ser liquidado antes do fim do processo (trânsito em julgado), quando ainda estão pendentes os embargos à execução fiscal – recurso do contribuinte para se defender da cobrança. Há decisões nesse sentido nas 1ª e 2ª turmas do STJ.

Mesmo com decisões favoráveis no STJ – a maioria de um só ministro (monocráticas) -, a Fazenda Nacional ainda não consegue emplacar a tese em todos os tribunais regionais federais (TRFs). Algumas Cortes consideram que o seguro garantia tem o mesmo status de fiança bancária e, por isso, a liquidação só poderia ser requisitada após o trânsito em julgado dos embargos à execução.

Já com relação ao ressarcimento dos custos com as garantias apresentadas em execuções fiscais, a maioria dos tribunais hoje é contrária, segundo levantamento realizado pelo escritório Viseu Advogados com base em decisões de segunda instância sobre a obrigação de a Fazenda ressarcir empresas na execução fiscal pelos valores que gastou na contratação de carta de fiança.

“Temos visto algumas decisões esparsas favoráveis, mas ainda não há decisão uníssona nos tribunais superiores. No STJ, decisões monocráticas têm sido desfavoráveis”, afirma Guilherme Manier. Segundo ele, o STJ não sinaliza para vitória do contribuinte, mas como não foi decidida em repetitivo ainda pode haver alguma alteração.

Os processos indicam que o TRF-4 e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconhecem o ressarcimento, mas o TRF-3 e o STJ possuem entendimento desfavorável ao contribuinte – sendo que no tribunal superior predominam decisões monocráticas -, e as demais Cortes tendem a seguir essa posição, apesar de ainda haver poucos julgados.

De acordo com Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, se for levado em consideração que o custo de uma fiança bancária gira no percentual de 2% a 5% do valor garantido, em um processo judicial com prazo estimado de dez anos, independentemente de ganhar ou perder a discussão, o contribuinte terá um custo no período de aproximadamente 20% do valor do débito. Já se o custo da fiança for da ordem de 5% ao ano, esse custo pode chegar a 50% do valor do débito.

“Se o contribuinte não for ressarcido pela Fazenda Nacional, pode-se chegar ao cenário pouco razoável de ele obter uma decisão judicial favorável e ter que pagar parcela relevante da dívida a título de custos de garantia para se defender da cobrança”, diz.

O levantamento da garantia antes do trânsito em julgado, afirma Rodrigo Gabriel Alarcon, advogado na Advocacia Fernanda Hernandez, ainda pode ser julgado como processo repetitivo no STJ e a previsão que consta no PL pode se tornar um argumento para quem já tem essa discussão. Por se tratar de norma processual, acrescenta, pode haver ainda a interpretação de que se aplica também para o passado.

“Há uma equiparação de seguro ao dinheiro. Então não faz sentido tentar liquidar de forma antecipada uma garantia que já é líquida”, diz Alarcon. O advogado destaca que, a partir do momento que a garantia é liquidada de forma antecipada, o contribuinte tem um ônus, tem que fazer o depósito ou ressarcir o custo para a seguradora. “Desvirtua o seguro garantia.”

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/08/29/pl-do-carf-traz-mudancas-em-garantias-de-processos-que-sao-desfavoraveis-a-uniao.ghtml

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