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PGFN aponta uso de mandados de segurança para litigância predatória tributária

25 de junho, 2025
Foto: Fernando Bizerra/Agência Senado

Por Danilo Vital

A proliferação de mandados de segurança (MS) com pedido de reconhecimento do direito líquido e certo de não recolher tributos, fazer a restituição ou permitir a compensação de valores aponta para a existência de uma litigância predatória tributária no Brasil.

Ela ocorre principalmente por meio de associações que atuam em nome de grupos econômicos genéricos, criadas para distribuir ações em diversos juízos em busca de liminares e decisões favoráveis que possam ser usadas para atrair novos associados.

Essas decisões são oferecidas a empresas sob a promessa de benefícios financeiros. Para usufruir deles, basta se associar e contribuir financeiramente.

O tema está no radar da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que notou uma migração das questões tributárias das ações ordinárias ou declaratórias para os mandados de segurança.

Em 2020, a PGFN recebeu 188 mil intimações em MS e 147 mil em ações ordinárias, com diferença de 27,8% de uma para outra. Já em 2024, esse índice passou para 86%: foram 233 mil intimações em MS, contra 125 mil em ações ordinárias.

A procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida, disse em evento da PGFN que o problema está em análise com participação da Ordem dos Advogados do Brasil. “Vamos mergulhar no que pode ser feito para conter essa multiplicação de associações que estão invadindo os tribunais com teses tributárias mirabolantes cujo impacto é multimilionário.”

Intimações da PGFN em causas tributárias
Ano Mandado de segurança Ação ordinária
2020 188 mil 147 mil
2024 233 mil 125 mil

Por que o mandado de segurança?

Há dois motivos que tornam o mandado de segurança atrativo para litígios predatórios. O primeiro é o fato de ter rito mais célere. Ele não admite instrução probatória — as provas devem estar pré-constituídas quando de seu ajuizamento.

O segundo é por ser mais barato. A Lei 12.016/2009, que disciplina o mandado de segurança, não prevê a condenação ao pagamento de honorários de sucumbência em caso de derrota.

Por outro lado, seu uso traz alguns riscos concretos no contexto tributário. As concessões de segurança, por vezes feitas de maneira jurisprudencialmente isolada, estão sujeitas não só a recursos, mas a ação rescisória e impugnações no cumprimento de sentença.

E, quando usado para fazer o chamado foro shopping — o ajuizamento de ações em diferentes juízos, para ver qual tende a conferir decisões favoráveis —, pode causar condenação por litigância de má-fé, com condenação ao pagamento de multa.

Isso costuma ocorrer quando mesmo pedido é feito pelo contribuinte no local de sua residência — nesse caso, tendo como autoridade coatora o delegado da Receita Federal de sua região — e em Brasília, se o tributo envolvido for federal.

Litigância predatória tributária

rede de informações sobre litigância abusiva organizada pelo Conselho Nacional de Justiça reúne decisões com condenações por litigância de má-fé por esses motivos (clique aqui e aqui para ler). Em alguns casos, há registro de desistência de um MS e impetração de outro com 15 minutos de diferença (clique aqui para ler).

Há também registro de um advogado que impetrou considerável número de ações, incluindo mandados de segurança, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para obter a repetição de indébito tributário de empresas dedicadas à revenda de automóveis usados.

Ao obter decisões favoráveis, ele iniciava o cumprimento de sentença, informava que não haveria valores tributários a serem apurados e restringia o pedido ao pagamento dos honorários de sucumbência.

A decisão da 6ª Vara Federal de Florianópolis (clique aqui) concluiu que ele usou o processo judicial como uma indústria para a fabricação de honorários sucumbenciais contra a Fazenda Pública e o condenou por litigância de má-fé.

Até o momento, são os únicos episódios de litigância predatória em temas tributários identificados. O tema ainda não foi alvo de nenhuma nota técnica dos Centros de Inteligência dos tribunais por todo o país ou do CNJ.

Decisão virou commodity

A ação predatória de advogados e associações em causas tributárias, apesar disso, é reconhecida entre tributaristas como um fenômeno recente, mas de importante impacto no mercado e no Judiciário.

Para Maria Andréia dos Santos, esse cenário retira a eficácia do processo individual, conduzido com rigor técnico pelo advogado em favor do cliente. As discussões passam a ser coletivas e genéricas, sem considerar as especificidades de cada caso.

Mais do que isso, transforma-se a decisão judicial em commodity, passível de comercialização. Para ela, essa mercantilização da atividade da advocacia pode representar infração ética. Assim, é positivo que a PGFN e órgãos do Judiciário se atentem para a questão.

“Esse tema pode ser enquadrado como predatório porque tem a exclusiva finalidade de gerar um produto que vai ser comercializado no mercado, com riscos bastantes altos para quem adquire esse produto”, avalia.

Júlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, define essa prática como “turismo processual” que instrumentaliza o Judiciário como meio de obtenção de vantagem econômica, em franca deturpação da função social da jurisdição.

“Essa prática viola o princípio da causalidade, favorece adesões oportunistas e fragiliza a própria noção de coisa julgada, além de sobrecarregar o Judiciário com litígios essencialmente replicáveis”, analisa.

Associações genéricas

A transformação de liminares e decisões em mandado de segurança em commodities é possível porque o Supremo Tribunal Federal aliviou as regras para que as associações atuem em representação processual, ao decidir o Tema 1.119 da repercussão geral.

A conclusão foi de que elas não precisam apresentar autorização expressa dos associados, a relação nominal destes ou a comprovação de filiação prévia para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado.

Segundo Maria Andréia dos Santos, a posição foi formada levando em conta a atuação de associações regularmente formadas, para efetivamente representar os interesses de grupos econômicos. O que passou a ocorrer foram desvios.

A advogada vê esse ponto como importante para o combate da litigância predatória tributária. E cita acórdãos dos Tribunais Regionais Federais barrando o uso do MS coletivo por associações genéricas, com estatutos que estipulam objetivos amplos.

“A gente precisa separar o joio do trigo. Existem associações legítimas que, de forma legítima, demandam em nome de seus associados. Já essa proliferação de ações em nome de associações genéricas tem como único objetivo criar uma commodity passível de comercialização.”

Critérios e punição

O Superior Tribunal de Justiça também tem decisões referentes a associações genéricas. Júlio César Soares destaca a importância de que cortes superiores reforcem a vedação ao aproveitamento de liminares por associações sem representatividade definida.

Ele defende a definição de critérios objetivos de legitimidade ativa, como número mínimo de associados, finalidade estatutária compatível e vínculo anterior ao ajuizamento da respectiva ação. E que juízes reconheçam a prática como litigância de má-fé predatória, com aplicação de sanções.

“No plano legislativo e administrativo, seria pertinente avaliar a implementação de mecanismos de auditoria para aferir a qualidade e a finalidade das associações autoras, bem como a proibição da comercialização de decisões judiciais por escritórios de captação em rede”, acrescenta.

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

https://www.conjur.com.br/2025-jun-25/pgfn-aponta-uso-de-mandados-de-seguranca-para-litigancia-predatoria-tributaria/

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