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PORTFÓLIO

Para advogados, STF mira as big techs, mas acerta as small techs

30 de junho, 2025

Por Paula Coutinho

Decisão do STF mira big techs, mas deve ser seguida por todo site com comentários, alertam especialistas

O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou ontem, 26, a tese que responsabiliza as big techs por conteúdos criminosos postados por terceiros. Na prática, foi “riscado” o Artigo 19 do Marco Civil, que condicionava a responsabilização das plataformas digitais ao descumprimento de ordem judicial. Segundo especialistas ouvidor por Tele.Síntese, o julgamento terá repercussão ampla no mercado, pois o STF mirou big techs, mas decisão tem grande potencial de prejudicar sites pequenos.

Com a nova diretriz, basta uma notificação extrajudicial para obrigar redes como X, Instagram e YouTube a removerem conteúdos considerados ilegais — sob pena de serem responsabilizadas.

Para Alexander Coelho, especialista em Direito Digital, IA e Cibersegurança, é decisão é histórica; mas, como toda ruptura, carrega tanto promessas quanto riscos.

“A promessa é nobre: combater a desinformação, o discurso de ódio e proteger direitos fundamentais. Mas o risco estrutural é gigante – em nome de proteger a democracia, não estaríamos entregando seu futuro aos algoritmos e às assessorias jurídicas das big techs?”, questiona o advogado.

A partir de agora, empresas privadas passam a exercer uma função tipicamente jurisdicional, decidindo o que deve ser suprimido do debate público, com base em critérios muitas vezes obscuros e voláteis. “O resultado? Um ambiente propenso à moderação opaca, à remoção automática e ao silenciamento preventivo. O temor de sanções pode se tornar uma ferramenta mais poderosa que a censura direta”, pontua Coelho.

Enquanto o Parlamento ainda debate uma lei específica para a regulação da IA, da moderação e da responsabilidade digital, o Judiciário se antecipa e legisla, na visão do advogado.

“O problema não é a intenção, mas o atalho institucional escolhido. Porque as plataformas precisam ser responsabilizadas. Mas não sem garantias, sem contraditório, sem critérios objetivos e sem limites claros. A democracia digital não pode sobreviver à insegurança jurídica travestida de zelo moral”, defende. 

STF mira big techs: Insegurança jurídica e linguagem confusa

Há consenso entre especialistas ouvidos por este noticiário de que a tese firmada pelo STF apresenta pontos de confusão. Embora o documento tenha estabelecido diretrizes relevantes, a opinião geral é que o documento carece de uniformidade conceitual e precisão técnica.

“A redação da tese é extensa e incorpora fundamentos diversos, o que dificulta sua aplicação prática. Essas imprecisões podem gerar insegurança jurídica e dificultar a implementação por parte das plataformas, especialmente as de menor porte”, explicita a advogada Antonielle Freitas.

 

Membro da Comissão Especial de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/SP, Antonielle é certificada como DPO junto ao EXIN e em Segurança Cibernética pela Cisco Networking Academy, pós-graduada em Direito Digital pela Escola Brasileia de Direito e em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Conforme Freitas, destacam-se como pontos confusos: (i) a definição de ‘ilícito grave’, (ii) os critérios para caracterização de ‘falha sistêmica’, e (iii) a distinção entre canais públicos e privados, que exige análise funcional caso a caso.

“A decisão poderia ser aprimorada em alguns aspectos, como: (i) maior objetividade na redação da tese, com linguagem técnica mais clara; (ii) definição mais precisa dos critérios de responsabilização, especialmente quanto ao que configura ‘conteúdo gravemente ilícito’; (iii) diferenciação de obrigações conforme o porte e o risco sistêmico das plataformas, como previsto em legislações internacionais; (iv) previsão de diretrizes técnicas mínimas para cumprimento dos deveres impostos; e (v) estabelecimento de um período de transição regulatória, o que não foi contemplado na modulação dos efeitos”, argumenta a advogada.

 STF sobrecarrega pequenas plataformas

Outro principal risco apontado, segundo os especialistas, é o de que decisão não diferencia obrigações conforme o porte da plataforma, o que pode gerar sobrecarga regulatória para pequenos provedores de aplicações.

“A exigência de medidas técnicas avançadas, como canais de denúncia e relatórios periódicos, pode ser inviável para sites comunitários, fóruns independentes e pequenos negócios digitais. Isso pode levar à remoção preventiva de conteúdos legítimos (efeito silenciador), à redução da diversidade de vozes na internet e a impactos econômicos negativos, como concentração de mercado e barreiras à inovação”, pontua Freitas.

E continua: “Além disso, há um risco concreto de que grandes empresas utilizem notificações extrajudiciais como ferramenta estratégica para induzir a remoção de conteúdos que contrariem seus interesses, mesmo sem ilicitude manifesta. Diante da assimetria de poder, plataformas menores tendem a acatar tais pedidos, o que favorece a censura privada e reforça a concentração de poder informacional, esvaziando a diversidade democrática da internet.”

Segundo os advogados consultados pelo portal TeleSíntese, a ausência de critérios objetivos, a falta de diferenciação proporcional entre plataformas e a judicialização de temas legislativos geram preocupações legítimas.

Os profissionais pontuam que o ideal seria que o Congresso Nacional retomasse o protagonismo e aprovasse uma legislação específica, com base em amplo debate público, estabelecendo regras claras, proporcionais e tecnicamente viáveis para a regulação das plataformas digitais no Brasil.

Os especialistas pontuam ainda que há trechos da decisão que se aproximam de dispositivos da PL 2630/2020 (PL das Fake News), como a responsabilização por impulsionamento pago, a exigência de canais de denúncia e a obrigação de relatórios de transparência.

“Embora o STF tenha atuado dentro de sua competência constitucional, há críticas de que a decisão representa uma forma de judicialização da política pública, antecipando medidas que deveriam ser debatidas e aprovadas pelo Legislativo. Isso pode ser interpretado como um tensionamento entre os poderes e uma possível interferência no processo democrático”, argumenta Freitas.

“Foi um processo que não envolveu a sociedade civil. Ficou parecendo que decidiram em um almoço, criando obrigações que não estão em lei. Na teoria, a intenção foi nobre, para tentar reprimir crimes de ódio. Mas, na prática, vamos vivenciar outra internet no Brasil daqui pra frente”, avalia o advogado Luis Fernando Prado, especialista em privacidade e proteção de dados, conselheiro da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria), mestre em Direito Digital pela Universidade de Barcelona e pós-graduado em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela FGV/SP. 

Mercado de marketplace prejudicado

Prado ainda analisou a situação das empresas de marketplaces a partir desta decisão do Supremo.

“Ao silenciar sobre a aplicação do artigo 19 aos marketplaces e afirmar que seu regime é o do Código de Defesa do Consumidor, que, como regra, impõe responsabilidade objetiva, a decisão do STF amplia significativamente a insegurança jurídica para esse setor. A omissão mina a previsibilidade normativa que o Marco Civil conferia e ignora a complexidade dos modelos de intermediação digital”, entende Prado, apontando para um futuro prejuízo ao mercado de marketplace no país.

A decisão final do Supremo nessa sexta, 26, conforme especialistas, vai de encontro à indefinição e consequente não aprovação do PL 2630 na Câmara dos Deputados. Conhecido popularmente por PL das Fake News, em resumo, o projeto buscava criar um marco regulatório para a internet brasileira, com foco em transparência, combate à desinformação e responsabilização de provedores digitais. Mas ele não foi aprovado e sua tramitação – marcada por debates e controvérsias – foi interrompida.

Para a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, especialista em Direitos Digitais e Direito do Consumidor, “a derrubada do PL 2630 por Arthur Lira foi muito ruim, porque quem deveria ter legislado sobre isso era o Legislativo. O Marco Civil da Internet é uma lei de princípios, é uma lei que estabelece princípios. Não tem o menor sentido dizer que era uma lei antiga.”

Lefèvre, porém, analisa a ação do Supremo como uma medida de emergência ante à situação política do país. “Diante dessa situação de o STF tem assegurado as instituições democráticas do país, eu penso que os ministros resolveram tomar uma atitude em relação à questão da internet, após a derrubada da PL das Fake News.”

TeleSíntese procurou os representantes das big techs no Brasil. Segue abaixo o posicionamento das empresas: 

Meta 

“Estamos preocupados com as implicações da decisão do STF sobre a liberdade de expressão e as milhões de empresas que usam nossos aplicativos para crescer seus negócios e gerar empregos no Brasil. Enfraquecer o Artigo 19 do Marco Civil da Internet traz incertezas jurídicas e terá consequências para a liberdade de expressão, inovação e desenvolvimento econômico digital, aumentando significativamente o risco de fazer negócios no Brasil.” 

Google
“O julgamento do Artigo 19 foi encerrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com um novo entendimento sobre responsabilidade civil para um grupo grande e diverso de plataformas de internet. Ao longo dos últimos meses, o Google vem manifestando suas preocupações sobre mudanças que podem impactar a liberdade de expressão e a economia digital. Estamos analisando a tese aprovada, em especial a ampliação dos casos de remoção mediante notificação (previstos no Artigo 21), e os impactos em nossos produtos. Continuamos abertos ao diálogo.”

https://telesintese.com.br/para-advogados-stf-mira-as-big-techs-mas-acerta-as-small-techs/

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