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‘Não há espaço para mistério’, diz ex-ministro Marco Aurélio, ‘pai’ da TV Justiça ao rebater Lula
Ministro aposentado da Corte máxima, ‘pai’ da TV Justiça, atribui a presidente ‘arroubo de retórica’ e ‘ato falho’ em defesa de que população ‘não saiba como vota um ministro do Supremo’; ‘não há espaços para mistérios’
Por Pepita Ortega
(Crédito: Nelson Jr/ STF)
O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello classificou como ‘ato falho’ a defesa, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que os votos dos integrantes da Corte máxima sejam sigilosos. “Ele não pode pensar o que divulgou, que os votos dos ministros sejam sigilosos. Não há espaço para mistério”, afirmou ao Estadão.
‘Pai’ da TV Justiça, que lançou os julgamentos do STF sob os holofotes em todo o País, Marco Aurélio ressaltou que a ‘mola mestra da administração pública é a publicidade’. “É o que permite aos veículos informarem aos contribuintes, e aos contribuintes cobrarem uma postura exemplar e digna dos agentes públicos”, indicou.
Na avaliação do ex-ministro do Supremo, Lula tem de lembrar ‘que é uma voz ouvida pelos cidadãos e tem de se policiar’. “É um arroubo de retórica. O presidente não pensa assim, não quer voltar à caverna”, ressaltou.
Sobre a TV Justiça, Marco Aurélio ressaltou como ‘bateu e correu para cabecear’. O projeto de criação do canal partiu do gabinete do então ministro. Depois, ele mesmo sancionou o texto, quando presidente em exercício, em maio de 2002.
A declaração de Lula sobre um eventual sigilo no voto dos ministros do STF se deu durante o ‘Conversa com o Presidente’, produzido pela Empresa Brasil de Comunicação. “Eu, aliás, se eu pudesse dar um conselho, é o seguinte: a sociedade não tem que saber como é que vota um ministro da Suprema Corte. Sabe, eu acho que o cara tem que votar e ninguém precisa saber. Votou a maioria 5 a 4, 6 a 4, 3 a 2. Não precisa ninguém saber”, afirmou.
A ponderação se deu após uma onda de críticas ao ministro Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula recém-empossado no Supremo.
A fala do presidente vai na contramão de uma série de ações da Corte máxima, em busca de transparência e celeridade. A Corte, por exemplo, criou o Plenário Virtual, que permite o acompanhamento de julgamentos realizados fora da programação da TV Justiça, e desenvolveu o painel Corte aberta, que permite o acesso a detalhes do acervo dos magistrados que compõem a Corte máxima.
‘Segredo é inconstitucional’
Vitor Rhein Schirato, professor de Direito de Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, avalia que o presidente Lula se ‘expressou mal’ e teve uma ‘declaração infeliz’. “Eu imagino que não tenha passado pela cabeça do presidente que a razão de decidir venha a ser um segredo, porque isso é absurdamente inconstitucional. A Constituição é expressa no sentido de que a fundamentação decisão judicial tem que ser motivada e pública. Eu não consigo imaginar que o presidente tenha dado a entender que o STF vai dizer constitucional ou inconstitucional, ‘porque, jamais saberás”, ponderou.
“Jamais a gente pode imaginar o motivo da decisão do STF não ser público. Se for mantido o sistema de voto, ele também não pode ser apócrifo. O que eu acho é que é muito ruim esse sistema de você votar olhando para a câmera de televisão da TV Justiça. O grande problema é esse”, seguiu.
O professor vê a fala de Lula como ‘um apelo bastante pertinente de mudança da forma de decisão’ do STF. Em sua avaliação, o sistema de onze votos do STF é péssimo e horroroso’, encontrando similaridade somente com o dos EUA. “A Corte tem que ter uma posição, e não um ministro. Tranca os onze numa sala, eles decidem, se matam, se xingam, se amam, fazem o que quiserem dentro da sala e saem com uma decisão que reflita o Supremo, não importa quem votou como”, indicou.
Nessa linha, a avaliação do professor, é necessário ‘repensar o modo de decisão do STF. “A gente sairia de loucuras como a que a gente está vendo no marco temporal. Um acha que é constitucional, outro inconstitucional, e o terceiro outro constitucional, mas tem que indenizar. Ai fica uma loucura, na hora de você totalizar, o que valeu. É insano”
Na avaliação de Schirato, Lula não teria insinuado que não se possa divulgar os fundamentos da decisão e ‘muito menos dizer que foi colocar votos aprócrifos’. “O que também não é permitido. Em um sistema de decisão por voto o voto não pode ser apócrifo”, afirmou.
“Foi uma fala infeliz, mas não da para extrapolar e dizer que o Lula quer segredo no Supremo. Duvido que isso tenha passado pela cabeça dele. O que a gente precisa aproveitar e repensar é o modo de decisão do STF porque é muito ruim. Esse sistema de onze ilhas é muito ruim. Tem decisão que você não sabe nem em que direção votou o ministro”, completou.
Na avaliação de Vitor Silva de Araújo, especialista em Direito Eleitoral, ‘julgamentos secretos causariam mais desconforto social no Brasil do que a ampla publicidade a que se dá às decisões judiciais atualmente’.
“Na nossa história, poder exigir publicidade e transparência dos agentes públicos é uma conquista extremamente importante e que não pode ser negociada. Justamente por isso, o dever de fundamentação das decisões e de publicidade dos julgamentos foram inseridos diretamente na Constituição e são premissas centrais das decisões judiciais”, indicou.
O advogado Gustavo de Toledo Degelo considera que a ideia de um voto secreto por parte de ministro do STF ‘ encontra impedimento na Constituição Federal’. Segundo ele, a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. “Com relação ao princípio constitucional da publicidade, é possível extrair a necessidade de que os atos decisórios proferidos pelo Poder Judiciário sejam públicos”, indicou.