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Mobilização de auditores causa suspensão de julgamentos no Carf

16 de maio, 2023

Suspensão ocorreu devido à ‘adesão dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional ao movimento grevista’

MARIANA BRANCO
GABRIEL SHINOHARA

(Crédito: André Corrêa/Agência Senado)

Uma nova mobilização dos auditores fiscais levou à suspensão das sessões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) marcadas entre 16 e 18 de maio. Neste período haveria julgamentos virtuais da 3ª Turma da Câmara Superior e das turmas ordinárias da 1ª Seção. Porém, as sessões desta semana foram suspensas pela Portaria Carf/MF 410, assinada pelo presidente do Carf, Carlos Higino Ribeiro de Alencar.

A justificativa, de acordo com a portaria, é “a adesão dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional ao movimento grevista dos fiscais da Receita Federal”. Os auditores fiscais reivindicam a regulamentação do bônus de eficiência. A categoria já havia paralisado as atividades em 2022, o que causou a suspensão das sessões do Carf por seis meses.

Conforme o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), a decisão pela nova mobilização foi tomada em assembleia nesta segunda-feira (15/5). Segundo nota da entidade, o motivo é o descumprimento da Lei 13.464/2017, que trata do bônus de eficiência da categoria, ainda não regulamentado.

“Os auditores-fiscais chamaram a atenção, desde o final de 2021, também para a drástica redução do orçamento da Receita Federal e falta de concursos públicos para repor a perda de 40% do efetivo ocorrida nos últimos anos”, afirma o comunicado. Ainda segundo o Sindifisco, os auditores não vão usar os computadores da Receita entre esta terça-feira e quarta-feira (17/5), como forma de protesto pela falta de investimentos em tecnologia.

O presidente do Sindifisco da Regional de Santos, Elias Carneiro, afirmou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, descumpriu “palavra empenhada” aos auditores. Segundo Carneiro, houve um “retrocesso” no trâmite da regulamentação da Lei 13.464, que trata da regulamentação de produtividade.

Na segunda-feira (15/4), circulava nos grupos de WhatsApp de conselheiros fazendários do Carf a informação de que uma suposta portaria para regulamentação do bônus teria sido devolvida pela Presidência da República ao Ministério da Fazenda. A reportagem entrou em contato com a pasta para confirmar a informação e pedindo uma posição sobre as reivindicações dos auditores. Não houve retorno até o fechamento desta matéria.

Em março, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, chegou a encaminhar áudio a auditores fiscais afirmando que a regulamentação do bônus estava pronta para ser assinada pelo presidente Lula. A nova paralisação do Carf ocorre em meio à movimentação do governo de retomada do voto de qualidade, com uma medida provisória (MP) e um projeto de lei no Congresso sobre o tema. Antes da suspensão das sessões o conselho contava com uma pauta esvaziada, decorrente da possibilidade de retirada de processos até a análise do tema pelo Legislativo.

Consequências

Devido à decisão dos auditores, as sessões de julgamento do Carf agendadas para esta terça, que seriam virtuais, sequer foram iniciadas. Exceção foi a 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção, que julgou três processos por determinação judicial.

Um conselheiro representante dos contribuintes afirmou ao JOTA que uma consequência imediata da suspensão das sessões do Carf é que votos já prontos de conselheiros cujos mandatos estão próximos do fim podem não ser aproveitados.

“Há um acúmulo de votos prontos, preparados por conselheiros experientes, que estão para sair do Carf. O mandato de uns 16 conselheiros, que entraram em 2015, está para terminar. Então, teremos vários  votos que serão jogados no lixo”, afirmou. O julgador explicou que os votos de ex-conselheiros só são aproveitados em casos nos quais o julgamento do processo já tenha sido iniciado e interrompido por pedido de vista.

O julgador, cuja turma deveria se reunir na semana que vem, relata que conselheiros fazendários do colegiado já informaram que não pretendem participar da sessão. Assim, a expectativa é que os julgamentos da próxima semana também sejam suspensos. Para a semana que vem, estão agendadas sessões da 2ª Turma da Câmara Superior e das turmas ordinárias da 3ª Seção, entre os dias 23 e 25/5.

O presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf), Wesley Rocha, afirmou que a movimentação dos auditores é “legítima”. Rocha disse ainda esperar que a situação seja resolvida rapidamente.

“É legítima a movimentação dos auditores da Receita Federal do Brasil e esperamos que o atual governo, junto ao Congresso, possa rapidamente resolver a situação. Nesse ponto, tem sido positiva a atuação tanto do Ministério [da Fazenda] quanto do Carf, que têm se mostrado preocupados com as questões apresentadas pelas representações, a exemplo dos pleitos da Aconcarf, que é justamente também a remuneração dos conselheiros contribuintes”, afirmou.

Repercussão

A notícia da suspensão das sessões do Carf repercutiu entre advogados que atuam no tribunal administrativo. Os profissionais destacaram que é a segunda vez em menos de dois anos que o Carf interrompe as atividades devido à mobilização dos auditores. O tribunal também suspendeu julgamentos de maior valor durante a pandemia da Covid-19, quando houve apenas sessões virtuais. Isso contribuiu para o crescimento do estoque de processos não julgados, no momento em R$ 1,09 trilhão.

“Infelizmente, o Carf não vem conseguindo seguir uma sequência de normalidade na realização de suas sessões, essencial ao fortalecimento do órgão, dos seus julgadores e da sua jurisprudência. A paralisação decorre do descumprimento de compromissos assumidos pelo governo federal, relacionados à regulamentação do bônus dos auditores, e prejudica a todos. Muitos conselheiros experientes estão em fim de mandato e, caso a greve se prolongue, sairão do Carf com um estoque de casos votados que não serão aproveitados”, afirma Carlos Augusto Daniel, sócio do Daniel e Diniz Advocacia Tributária.

Felipe Santos Costa, sócio do escritório MV Costa Advogados, vê aspectos positivos e negativos na suspensão das sessões. Por um lado, o advogado analisa que haverá mais tempo para discussão sobre o Projeto de Lei (PL) 2.384/23, enviado pelo governo ao Congresso no início deste mês, que replica o conteúdo da Medida Provisória (MP) 1.160/23, com a retomada do voto de qualidade (peso duplo do voto do presidente da turma) como método de desempate no Carf. Por outro, Costa observa que a suspensão afeta tanto a Fazenda Nacional quanto os contribuintes que desejam ter seus casos julgados.

“Ninguém deseja que o Carf fique parado por muito tempo, mas é a forma que os auditores conseguiram encontrar para pressionar o Ministério da Fazenda a atender as demandas que eles têm”, disse.

A advogada Anete Mair Maciel Medeiros, do Gaia Silva Gaede, afirma que a suspensão das sessões leva ao acúmulo dos processos tributários e aumenta as incertezas no tribunal, que já passava por um momento conturbado devido à mudança no critério de desempate.

Segundo a tributarista, além de possíveis votos de conselheiros desperdiçados, o próprio trabalho dos advogados pode ser perdido. “O trabalho que nós, advogados, fazemos de despacharmos com os conselheiros, entregar memoriais, terá que ser refeito [quando as sessões forem retomadas]”, comenta.

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