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Marco Legal dos Seguros traz maior reforma do setor em 60 anos 

30 de junho, 2025

Marco Legal dos Seguros traz maior reforma do setor em 60 anos 

Legislação entra em vigor em dezembro de 2025 e exige reestruturações operacionais, contratuais e jurídicas das seguradoras

Por Denise Bueno

30/06/2025 05h10 Atualizado há 4 horas

Um dos principais desafios do setor de seguros em 2025 é, sem sombra de dúvidas, a adaptação à nova Lei nº 15.040/2024, conhecida como Marco Legal dos Seguros, que representa a maior reforma do setor segurador nas últimas seis décadas. “A nova lei revoga os dispositivos do Código Civil que tratavam do contrato de seguro, foi discutida com todos os  atores do setor e tem o objetivo de modernizar e aprimorar as regras dos contratos de seguros, conferindo mais segurança jurídica às transações e aproximando o Brasil de países com regulação moderna, como Alemanha, Japão e Reino Unido”, afirma Alessandro Octaviani, titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep).

O texto tramitou por mais de duas décadas em versões anteriores, mas foi reformulado a partir de 2019 com apoio técnico da Susep e de entidades do setor. Foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro passado e entra em vigor em 11 de dezembro de 2025. Um de seus principais pontos é a interpretação das cláusulas contratuais em favor do segurado, em caso de ambiguidades.

Entre os dispositivos centrais está a obrigatoriedade de fundamentação das negativas de cobertura. O prazo máximo para análise dos prejuízos e pagamento dos danos ao segurado passa a ser de 30 dias, podendo ser suspenso apenas duas vezes – e somente uma vez nos casos de apólices de seguro de vida, de veículos ou com valores até 500 salários-mínimos . Em casos de maior complexidade, a Susep poderá autorizar um prazo de até 120 dias.

Uma das críticas de seguradoras e resseguradoras é que a lei não diferencia o que é um risco de consumidor e o que é um risco de grandes empresas. Isso deixou uma lacuna no entendimento e não está claro como a distinção será aplicada. Diante da falta de clareza, até junho havia entre os executivos o temor de que a nova lei traga restrições à capacidade de capital das companhias ou aumentos de preços.

No segmento de grandes riscos, o desafio é maior, pois exige reformulação de cláusulas, subscrição mais rigorosa e documentação minuciosa. “Se a seguradora não cumprir os prazos, terá que pagar a indenização, mesmo havendo fundamento técnico para a negativa. Além disso, uma negativa mal fundamentada também poderá gerar obrigação de indenizar”, explica Glauce Carvalhal, diretora jurídica da CNseg.

— Foto: Arte/Valor

No mercado de resseguros, a lei terá impacto indireto, especialmente sobre a transferência de carteiras e a aceitação de riscos. A Susep pretende incluir, em regulamentação, medidas para garantir rastreabilidade e evitar a aceitação tácita. A proposta é criar endereços digitais controlados para o envio de propostas. “A adaptação não é simples, mesmo nos seguros massificados. Há impacto nas estruturas técnicas, contratuais, operacionais e tecnológicas. A cooperação entre os atores do mercado será fundamental para a implementação bem-sucedida”, afirma Carvalhal.

A nova lei também reforça a obrigatoriedade de as seguradoras apresentarem questionários claros no momento da contratação. Caso deixem de perguntar, não poderão alegar omissão futura por parte do segurado. “Isso pressiona a qualidade da subscrição e da formação contratual, tanto para seguros complexos quanto para seguros simplificados”, diz Luciana Dias Prado, sócia do escritório Lefosse Advogados. Para ela, o setor passará por pelo menos dois anos de adaptação intensa.

Para o consumidor, a nova lei traz ganhos importantes no seguro de vida: liberdade na indicação de beneficiário, vedação de novas carências em renovações, obrigatoriedade de cobertura mesmo em casos de morte decorrente de atividades arriscadas e transparência nos prazos de prescrição.

Apesar dos inegáveis avanços, a CNseg alerta para pontos que ainda requerem atenção especial por parte das autoridades reguladoras, seguradoras e operadores do direito. Um deles é o risco de conflito com o Código Civil. Embora a nova lei tenha criado um sistema específico para os contratos de seguro, o Código Civil permanece vigente e, se reformado com normas divergentes – como está em discussão no Congresso –, pode gerar insegurança jurídica e até comprometer o próprio marco legal.

Outro ponto de atenção é o capítulo do resseguro, que, apesar de ter reconhecida a sua importância estrutural dentro da lógica securitária, ainda demanda regulamentações complementares. Temas como divisão do risco entre seguradoras e resseguradoras, cessão obrigatória e atuação de resseguradoras estrangeiras seguem pendentes e serão cruciais para a plena efetividade do novo marco.

Também há preocupação com a interpretação judicial da nova legislação. A previsão de que cláusulas sejam lidas sempre em favor do segurado pode, em determinados casos, provocar desequilíbrio se for aplicada de maneira absoluta. “É fundamental que haja bom senso na aplicação das normas para evitar distorções que prejudiquem a lógica contratual ou incentivem ações oportunistas”, considera Carvalhal.

As seguradoras de menor porte, com estruturas menos digitalizadas ou menos capitalizadas, podem enfrentar mais dificuldades na adequação. A CNseg vem orientando o setor a aproveitar o período da “vacatio legis” para realizar diagnósticos internos e buscar capacitação técnica, inclusive junto aos órgãos reguladores.

A efetividade da nova lei dependerá não apenas da sua implementação pelas seguradoras, mas também de uma regulamentação clara por parte do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Susep, além de um esforço conjunto para construção de jurisprudência sólida e coerente. “Estamos muito tranquilos quanto à garantia do direito de fala de todos os participantes do mercado. Esse é um processo dialógico de verdade”, diz Octaviani, da Susep.

Segundo Ernesto Tzirulnik, advogado que coordenou a redação do anteprojeto da lei, a principal contribuição da nova legislação é fortalecer a análise técnica e a clareza dos contratos. “As regras são claras e objetivas. O maior impacto está na subscrição: o mercado será estimulado a investir mais em análise técnica e formação de contratos com cláusulas claras. O resultado será um ambiente menos litigioso e mais profissional.”

Tzirulnik também aponta que a lei terá impacto sobre eventos ocorridos antes da sua vigência, mas comunicados após sua entrada em vigor. Por exemplo, um sinistro ocorrido um dia antes, mas comunicado depois da data de vigência, seguirá as regras da nova legislação. No entendimento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, ela só se aplica a contratos firmados após essa data, respeitando o princípio da segurança jurídica.

O impacto é realmente relevante para as seguradoras. Em anonimato, uma grande companhia citou que já investiu mais de R$ 3 milhões em consultoria para ter um diagnóstico de tudo que precisa mudar para se adaptar à nova lei.

“O impacto é muito relevante, especialmente nas companhias que atuam com grandes riscos. A adaptação é jurídica, organizacional e tecnológica. Quem não estiver preparado, corre risco regulatório e financeiro”, afirma o advogado Cássio Amaral, sócio do Machado Meyer. Ele ressalta que grande parte das disposições é autoaplicável, ou seja, não depende de regulamentação para entrar em vigor.

Rodrigo Gouvea, sócio da Oliver Wyman, alerta para a complexidade da implementação. “Cumprir as exigências do novo marco não é trivial. É preciso revisar processos de ponta a ponta, especialmente em seguradoras multilinha com sistemas legados. A transição exige cautela, mas também pode ser uma oportunidade para melhorar serviços e produtos.”

Paul Conolly, diretor-executivo de especialidades da Marsh Brasil, avalia que o marco estimula boas práticas. “O novo prazo de regulação de sinistro e as novas exigências contratuais determinam revisão das apólices. Criamos um grupo de trabalho interno com áreas técnicas, comerciais e jurídicas para garantir a melhor solução aos clientes”, afirma.

https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/revista-seguros-e-previdencia/noticia/2025/06/30/marco-legal-dos-seguros-traz-maior-reforma-do-setor-em-60-anos.ghtml

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