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Mais pobres poderiam ter maior dificuldade para absorver impactos indiretos de alta do IOF, dizem tributaristas
Por Michael Esquer
O aumento do IOF, estopim para a crise entre governo e Congresso, não afetaria apenas os mais ricos, e tal afirmação é “simplificadora”. Essa é a avaliação é de tributaristas ouvidos pelo Valor, que dizem que, embora o impacto da medida não fosse igual em termos de arrecadação, com os mais ricos pagando mais, os mais pobres poderiam ter maior dificuldade para absorver impactos indiretos da medida, como o encarecimento de acesso ao crédito.
“Afirmar que o aumento do IOF impactaria apenas os mais ricos é, antes de tudo, uma simplificação política. Se considerarmos unicamente o IOF sobre câmbio e o perfil de quem remete recursos ao exterior, é claro que o impacto recai mais intensamente sobre quem tem maior renda. Mas o IOF vai muito além disso”, diz José Andrés Lopes da Costa, mestre em direito tributário internacional e sócio do DCLC Advogados.
O decreto, afirma, previa a criação de nova hipótese de incidência sobre o desconto de recebíveis, o que afetaria diretamente o custo de capital de empresas brasileiras, inclusive do varejo, da indústria e do setor de serviços. “Em um país com juros reais ainda elevados, encarecer o acesso ao crédito significa pressionar preços, frear atividade econômica e, no fim do dia, prejudicar o consumidor comum.”
A parcela da população que vive com renda muito baixa e sequer tem acesso a cartão de crédito ou remessas internacionais, diz, não seria diretamente impactada. Mas, afirma, isso não significa que estaria protegida, porque consome bens e serviços que seriam impactados indiretamente pelo aumento do imposto. “O IOF entra como custo no financiamento da empresa, no parcelamento de estoque, na antecipação de vendas, no crédito ao fornecedor. E tudo isso entra no preço final. Dizer que apenas os ricos pagariam esse aumento é ignorar o funcionamento da economia real.”
Na avaliação dele, o aumento do IOF não escapa da lógica de que a tributação sobre mais pobres se dá de forma invisível, “no preço do arroz, na mensalidade do curso online, no frete do produto comprado em marketplace.”
Júlio César Soares, tributarista e sócio da Advocacia Dias de Souza, concorda que a premissa de impacto exclusivo sobre mais ricos é simplificadora, senão equivocada. O IOF, diz, na prática, incide sobre operações de crédito, câmbio, seguros e títulos mobiliários, muitas das quais são amplamente utilizadas por pessoas jurídicas de pequeno porte e por indivíduos de baixa renda, sobretudo em períodos de maior necessidade financeira. “O caráter regressivo decorre do fato de que, proporcionalmente à renda, os mais pobres despendem mais em operações de crédito pessoal do que os mais ricos.”
O principal impacto para os mais ricos, diz, viria pelo IOF-Câmbio, especialmente no envio de remessas ao exterior, viagens internacionais e investimentos offshore. Mas o público, afirma, possui maior capacidade de absorção do encargo tributário, inclusive com estratégias de planejamento lícito. Por outro lado, diz, para os mais pobres o impacto se daria, principalmente, por meio do IOF-Crédito.
O decreto, diz ele, elevava a alíquota inclusive às microempresas optantes pelo Simples Nacional, o que, em contexto de restrição orçamentária e dependência de crédito rotativo ou financiamentos de curto prazo, representa encarecimento do custo de vida para quem vive à margem da estrutura econômica. “Motoboys, MEIs, pequenos comerciantes e trabalhadores informais seriam diretamente afetados ao buscar empréstimos para capital de giro ou consumo básico.”
Na avaliação de Soares, o impacto seria desigual em valor absoluto e assimétrica em termos de justiça distributiva. “Embora os mais ricos possam sofrer em termos quantitativos maiores, o impacto é muito mais severo para os mais pobres, pois compromete diretamente sua capacidade de acesso ao crédito, instrumento vital para manutenção de consumo, investimentos pessoais e sobrevivência econômica.”
Lopes da Costa, do DCLC Advogados, diz que investidores de alta renda, em geral, têm capacidade de reagir, diferindo a operação, mudando de jurisdição, negociando taxas em bloco com instituição financeira, ou mesmo ajustando o fluxo cambial via estrutura societária. Já o pequeno empresário ou consumidor de base, que será atingido via custo de crédito ou aumento de preços, diz, não tem margem de manobra. “Se a pergunta é ‘quem pagaria mais’, a resposta pode ser os ricos. Mas se a pergunta correta for ‘quem teria mais dificuldade para absorver esse custo’, a resposta é, indiscutivelmente, os mais pobres.”
Ele diz que, embora o impacto não seja proporcional em termos de arrecadação, com os mais ricos pagando mais, em termos de impacto relativo sobre a renda disponível e sobre a estrutura de consumo, os mais pobres seriam afetados com mais severidade. “O tributo entraria por vias indiretas, encarecendo produtos, serviços e crédito, atingindo pessoas que sequer têm clareza de que estão pagando mais impostos.”
Se o governo deseja aumentar a tributação dos mais ricos, deve taxar patrimônio, renda e herança, , analisa Luiz Roberto Peroba, sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.
“Não é só quem emite dinheiro para o exterior ou tem cartão de crédito internacional que será afetado por um possível aumento de IOF”, diz. “Os mais pobres que geralmente compram a parcelado, por não terem todo o dinheiro do produto de uma vez, também arcarão com o aumento da tributação”, diz.
Peroba lembra que os mais pobres serão tributados de maneira “menos visível”, pois, segundo ele, o aumento do custo será compensado no produto final. “Particularmente, essa tributação é uma taxação sobre consumo e o governo não admite.”
O advogado lembra que no anúncio do aumento do IOF não houve a narrativa de “taxação dos mais ricos” pelo governo. Segundo ele, o discurso surgiu após a derrota da medida no Congresso Nacional. “Desconheço literatura internacional que defenda equidade tributária pelo aumento do IOF”, afirma.