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Juiz põe em xeque modelo de negócio da Uber
Enquanto um grupo de trabalho montado pelo governo discute com empresas e associações propostas para regulamentar a relação entre motoristas, entregadores e os aplicativos de transporte, uma decisão da Justiça aumentou a urgência de um entendimento definitivo sobre o tema. A Uber foi condenada a pagar indenização de R$ 1 bilhão e a empregar formalmente os motoristas ligados ao aplicativo no país, segundo decisão do juiz do Trabalho Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo. Criticada pela empresa, a sentença provoca receio entre os próprios motoristas.
A Uber afirmou, em nota, que vai recorrer da decisão e alegou que a ação é uma iniciativa isolada, já que envolve apenas a Uber, não considerando outras empresas do segmento, como o iFood, 99, Loggi e Lalamove. “A decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho”, destaca a nota.
A maioria dos motoristas ouvidos pelo Correio disse ser contra a possibilidade de se tornarem funcionários CLT. Porém, muitos não quiseram dar declarações alegando temer retaliações da empresa. O motorista Hudson Gabriel Pereira, 34 anos, mostrou preocupação sobre a eventual redução da flexibilidade no trabalho: “Acho que tem tudo pra dar errado. Vamos nos tornar escravos da Uber. Vai ter uma escala de trabalho? Essa é uma ideia falida. Não funciona”, afirmou.
Segundo Pereira, se realmente a Uber formalizasse todos os prestadores de serviço, o salário ideal seria R$ 5.000. “Desta forma, ninguém iria chorar. Se eles custeassem o veículo, carga horária de oito horas e os direitos de férias, INSS, seria ótimo, dessa forma eu apoiaria”, observou. “Em média, em 15 dias trabalhados, consigo ganhar R$ 5.000, mas tenho os meus gastos e, com isso. fico com uns R$ 3.000 por mês”, relatou.
Já o técnico de informática e motorista de aplicativo Jair Dias, 35, vê o vínculo CLT como uma possibilidade positiva: “Temos muitos gastos tirados do nosso rendimento e não temos benefícios. Seria ótimo ter uma base de salário, além de comissão por produtividade”, afirmou. O motorista disse que consegue receber, em média, R$ 10.000 no Uber black. Segundo ele, se o salário ficasse nesse valor, a contratação CLT “seria ótima”.
Entretanto, questionado sobre a possibilidade de a Uber perder o processo e sair do Brasil, Dias afirmou que seria prejudicado. “A Uber complementa o meu salário, meu serviço é flexível, eu trabalho home office. Eu acharia justo pagar um salário fixo e uma comissão nas corridas. Caso contrário, pode deixar da forma em que está”, pontuou.
De acordo com a especialista em direito trabalhista Vanessa Carvalho, sócia do escritório Miguel Neto Advogados, a decisão do juiz paulista parece um contrassenso à necessidade de modernização das leis trabalhistas do país. “Não se trata apenas de apontar o fato da inexistência de subordinação jurídica, mas, especialmente, da observação quanto à atividade autônoma desempenhada pelos motoristas”, frisou.
“Em discussões desta natureza, o Judiciário já se manifestou, reiteradas vezes, não reconhecendo o vínculo empregatício entre o prestador de serviço parceiro e a plataforma, como foi o caso da recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, reformando a decisão do TRT da 3ª Região, que havia reconhecido o vínculo entre o motorista e a Cabify”, disse.
Para o STF, a relação entre o motorista de aplicativo e a plataforma Cabify se assemelha à prestação de serviço de transportadores autônomos, regulada pela Lei 11.442/2007, sem correspondência com a figura celetista do vínculo empregatício.
Para Marcelo Crespo, coordenador e professor do curso de Direito da ESPM e especialista em Direito Digital e Penal, essas divergências podem ter impactos significativos na definição do status de empregado ou autônomo dos trabalhadores que atuam nessas plataformas, bem como nas obrigações trabalhistas das empresas.
“É fundamental que o Poder Judiciário e os legisladores busquem estabelecer parâmetros claros e consistentes para as relações de trabalho nas plataformas digitais, considerando as peculiaridades desse novo modelo de negócios. Isso contribuirá para maior previsibilidade nas decisões judiciais relacionadas ao trabalho nesse setor em constante evolução”, observou Crespo.
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