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Isenção em compras de até US$ 50 para quem? Como está o Remessa Conforme
Mariana Rodrigues e Giuliana Saringer
Colaboração para o UOL e do UOL, em São Paulo
(Foto: iStock)
Consumidores relatam que estão pagando imposto em compras abaixo de US$ 50 feitas em sites como AliExpress e Shein. A regra que garante a isenção está em vigor desde agosto, mas vale para as empresas que aderirem ao programa Remessa Conforme. As empresas precisam pedir para entrar, serem certificadas pelo governo e readequarem seus sistemas para cobrar o imposto no ato da compra. Entenda porque a isenção ainda não tem sido vista.
Desde 1º de agosto está em vigor a regra de imposto zerado para compras abaixo de US$ 50 feitas em sites internacionais. O Ministério da Fazenda publicou, em 30 de junho deste ano, uma portaria que mudou as regras para remessas internacionais. A isenção será concedida para compras de até US$ 50 (cerca de R$ 250) nas empresas que se cadastrarem no Remessa Conforme. Compras acima deste valor deverão mostrar os impostos cobrados já no ato da compra. Antes do programa, os consumidores viviam uma roleta-russa: pagavam imposto apenas se caíssem na fiscalização da alfândega.
Isenção não é automática; regra só vale para empresas que aderiram ao programa. A adesão é voluntária e precisa ser autorizada pelo governo. Ela só passa a valer depois que a habilitação é publicada no Diário Oficial da União. Além disso, as empresas precisam atualizar as plataformas para cobrar impostos de compras acima de US$ 50. Enquanto isso não acontece, elas também não ganham a isenção prometida pelo governo, segundo a Receita Federal.
“A burocracia faz com que o caminho ainda seja longo até se conquistar esse benefício”
Antônio Carlos Morad, advogado especialista em direito tributário, do escritório Morad Advocacia Empresarial
Quem aderiu e quais empresas estão habilitadas
Até o momento, apenas Sinerlog e AliExpress receberam o certificado. AliExpress é um canal de vendas direto ao consumidor. Já a Sinerlog oferece serviços para empresas como a Amazon, de acordo com o seu site.
Quem compra na AliExpress ainda não tem isenção. A empresa afirmou, em nota ao UOL, que “a experiência de compra continua igual” em comparação ao período anterior ao programa. Isso ocorre porque a plataforma ainda não mudou para que o consumidor pague os tributos no ato da compra.
AliExpress ainda não informa sobre taxação no momento da compra. O UOL fez uma simulação de compra na AliExpress e constatou que nada mudou. A AliExpress afirma que vai iniciar o desenvolvimento de uma nova solução no sistema para que o consumidor pague os tributos no momento da compra.
Shein aderiu ao programa, mas ainda não recebeu o aval do governo. A Shein anunciou que já pediu a adesão. Em nota, a empresa afirma que “trabalha desde março na implementação das mudanças necessárias para estar em total conformidade [com as regras do programa]”.
Mercado Livre avalia se vai entrar. Empresa afirmou que é favorável ao programa Remessa Conforme, mas ainda avalia adesão. “Ao mesmo tempo em que vê grande potencial nesta iniciativa para uma adesão efetiva das empresas às regras nacionais de tributação de importações, possui ressalvas a respeito da decisão de reduzir a zero a alíquota de importação para compras internacionais até US$ 50, pois isso pode ser injusto e prejudicar tanto pequenos quanto médios vendedores brasileiros, além da própria indústria e varejo nacionais”, afirmou a companhia.
Procuradas, a Amazon e a Shopee não quiseram comentar. Ainda não é possível saber se as empresas irão entrar no programa.
“Enquanto não estiverem implementadas pela empresa todas as exigências do Programa [o que inclui discriminar os impostos cobrados], suas vendas não terão direito à redução de alíquota para os bens abaixo de US$ 50. A velocidade de implementação depende da empresa a fim de que possa usufruir os benefícios”
Receita Federal, em nota
Quanto vou pagar de imposto?
As compras internacionais feitas em empresas fora do Remessa Conforme estão sujeitas a cobrança de imposto em pedidos de qualquer valor. Além do imposto de importação, que é de 60%, o consumidor vai pagar ICMS. Antes, cada estado aplicava uma alíquota diferente e, agora, o imposto será de 17%. O ICMS incide sobre todas as compras internacionais, independente do valor.
Para compras acima de US$ 50, a regra é cobrar alíquota de 60% sobre a compra mais o ICMS. A pedido do UOL, João Eduardo Cipriano, sócio da área tributária do escritório Miguel Neto Advogados fez os cálculos sobre uma compra fictícia de US$ 46 com frete de US$ 5. Neste caso, a compra daria US$ 51 sem a cobrança dos impostos. Como acima de US$ 50 há imposto de importação, o consumidor paga US$ 30,60 a mais de imposto de importação (60% da compra), totalizando US$ 81,60. O ICMS só é cobrado depois do imposto de importação e, portanto, sobre os US$ 81,60. A compra final seria de US$ 98,31, sendo US$ 16,71 de ICMS.
Na prática, compra pode dobrar de preço com a taxação. Esse custo tem sido atestado por consumidores. Um internauta mostrou o saldo de uma compra internacional feita na Sinerlog após os impostos. O carrinho de compras mostra uma babá eletrônica no valor de R$ 854,88, imposto de importação e o valor total de R$ 1.824,33. “Você compra uma babá [eletrônica] para você e outra para o governo”, ironizou.
O governo estuda rever a tributação para compras internacionais de até US$ 50. O governo prevê a cobrança de uma alíquota mínima de 20% para compras internacionais de até US$ 50, hoje isentas, em sua proposta do Orçamento de 2024, segundo reportagem da “Folha de S. Paulo”. A decisão sobre o valor do imposto de importação federal, porém, ainda não foi tomada pela equipe econômica.
Como pagar se eu for taxado?
Os Correios vão te avisar. Na prática, a cobrança é feita quando a encomenda cai na fiscalização da Receita Federal. O consumidor recebe uma comunicação dos Correios pedindo para pagar o imposto de importação para liberar o produto. O prazo para pagamento é de 20 dias, contados a partir da comunicação dos Correios, explica o advogado Antônio Carlos Morad.
No site dos Correios é possível consultar a taxação. O consumidor precisa acessar a área logada do site dos Correios, na área “Minhas importações dos Correios”, onde poderá consultar a taxa.
Caso discorde do pagamento, dá para contestar o valor. Em caso de contestação, as principais etapas adicionadas ao formulário de pedido de revisão são:
- Preenchimento de dados do destinatário, remetente e da remessa;
- Apresentação da natureza da importação e do motivo do pedido de revisão;
- Preenchimento das informações dos bens, frete e seguro.
Em caso de devolução, taxa pode ser estornada. Quando o consumidor resolve devolver um produto recebido, pelo qual já pagou a taxa de importação, pode solicitar o reembolso da taxa acessando o site do Governo (gov.br), indo na sessão Serviços para Você e na aba “Consultar dívidas e pendências fiscais” (clique aqui). O advogado Antônio Carlos Morad afirma que o processo é complicado e burocrático: “O Estado tem por obrigação atrasar a devolução desses valores, para manter o caixa equilibrado. Isso é um princípio no mundo inteiro. Então burocratizam os pedidos de restituição de tributos”, explicou.
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/09/07/compras-internacionais.htm