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Fácil só de entrar: por que deixar cadastro do CPF na farmácia dá trabalho?

5 de setembro, 2023

Tilt consultou especialistas para entender, e o padrão costuma ser o mesmo: para ceder informações o processo é simples mesmo, basta informar algum dado pessoal, como CPF. Ou aceitar um cadastro online.

Agora, se você mudar de ideia e quiser remover seus dados, o trabalho é enorme. Em geral, há uma página com uma série de detalhes a serem observados e você talvez precise até enviar um e-mail pedindo a remoção.

Como ocorre o aceite

Segundo Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital da Truzzi Advogados, o aceite do consumidor (opt-in, na linguagem técnica) ocorre de forma verbal, geralmente atrelado a uma oferta de desconto ou participação de um programa de fidelidade.

O problema é que, muitas vezes, só se fala que a finalidade é o desconto, quando, na verdade, ele pode ser usado para fazer o perfilamento de consumidores.

A farmácia deve deixar claro o que acontece com os dados das pessoas, onde eles vão parar e o que deve ser feito com eles. Se não faz isso, está violando o princípio da transparência da LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados]
Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital

ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) está de olho na prática das farmácias de pedir CPF. Em um comunicado em maio deste ano, o órgão disse que “há indícios de coleta excessiva” de dados pessoais e que vê problemas no condicionamento de cessão de informações para oferecer desconto em medicamentos.

Quero sair. E agora?

Para ter dados coletados, basta passar algumas informações. Para sair, a conversa é outra. Você precisa entrar em uma página específica da empresa ou até mandar e-mail pedindo a solicitação.

Em tese, a saída deveria ser igual o processo de adesão. A questão, no entanto, é que a perda de dados é mau negócio para a companhia, segundo o advogado Guilherme Braguim, sócio da área de privacidade do escritório P&B.

É trabalhoso, pois os dados são uma moeda valiosa. Quem concentra informações consegue entender o público, padrão de consumo, vender melhor e promover seus parceiros. Então, opt-out [termo técnico para deixar um contrato] é desvantajoso para a empresa
Guilherme Braguim, sócio da área de privacidade do escritório P&B

De acordo com Henrique Fabretti, advogado especializado em direito digital e sócio do escritório Opice Blum Advogados Associados, o fato de o processo ser um pouco mais trabalho é justificado.

Essa complexidade é uma questão de gestão que dificulte o acesso de terceiros às informações por um erro ou por alguém mal-intencionado. Até para que não haja uma remoção indevida de um cadastro
Henrique Fabretti

Apesar de o assunto ser farmácia, a dificuldade de se apagar uma conta em uma rede social ou cadastro é conhecida como “dark pattern”. Trata-se de uma tática de design com “truques e armadilhas” para dissuadir ou convencer uma pessoa a realizar uma ação.

Pessoas não sabem como dados são usados

Com o perfilamento de dados, mais do que padrão de compra, é possível inferir várias informações. Conforme a reportagem do UOL, o fato de uma mulher comprar uma vitamina indicada para quem quer engravidar e creme anti-estria, por exemplo, já aponta que se trata de uma pessoa querendo engravidar ou prestes a ter um bebê.

Farmácias podem vender essa informação para outras plataformas de publicidade e facilitar, por exemplo, que empresas de carro direcionem propaganda para essa pessoa que, eventualmente, precisará de um veículo maior para a família.

“Infelizmente, as pessoas não têm noção do que é feito com os dados delas”, diz Truzzi. Ela cita que existe a possibilidade, por exemplo, de uma farmácia vender perfis de clientes para um plano de saúde.

“Imagine uma pessoa que sempre compra remédios porque é cardíaco. Aí, ela muda de plano de saúde e acaba não informando essa condição. A empresa consulta a base da farmácia e descobre o problema, podendo aumentar o valor da mensalidade”, explica.

Para Braguim, o fato é que falta uma cultura de proteção de dados e privacidade. As pessoas mal sabem que têm direitos e ainda tomam pouco cuidado com relação aos seus dados pessoais. “As coisas melhoraram com a lei, mas ainda faltam muitos passos para que a gente tenha um cenário de conscientização”, afirmou.

O fato é que as pessoas conhecem pouco do assunto, e na maioria das vezes não veem problema em ceder dados para terceiros em troca de um benefício.

Um estudo recente da consultoria KPMG intitulado “Qual o futuro da proteção de dados no Brasil?” reforça essa tese. Segundo a pesquisa, 85% dos brasileiros estão dispostos a ceder dados em troca de descontos.

Por que querem saber o nosso CPF?

O CPF é o ponto de partida que conduz para dentro do universo gigantesco dos dados. Ele está atrelado a uma série de outras informações pessoais: nome completo, endereço, email, telefone. Todos andam de mãos dadas.

Quando pensamos na compra de um produto em uma loja, fornecer o CPF pode ser vantajoso para descontos, promoções e participação em programas de pontos. Mas na outra ponta, a empresa consegue alimentar o próprio banco de dados armazenando todo o histórico de nossas compras —hora, dia, mês, ano, produtos adquiridos, com qual periodicidade.

Em seguida, tudo é cruzado com dados pessoais que podem facilmente nos identificar. Tudo fica ali, salvo no sistema da empresa.

Além disso, 90% dos quase 5 mil serviços disponibilizados pelo Governo Federal são digitais, e grande parte é acessado a partir do número do CPF, como:

  • Solicitação de abono salarial
  • Consulta e solicitação de valores a receber de dinheiro esquecido em instituição financeira
  • Consulta sobre a restituição do Imposto de Renda
  • Carteira de Trabalho Digital.

Daí a importância da proteção de dados e da informação correta sobre o porquê dessa solicitação e onde eles serão usados.

*Com reportagem de Simone Machado

https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2023/09/05/por-que-entrar-cadastro-farmacia.htm

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