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Especialistas sobre atuação do STF na regulação das redes: “Enfraquece legitimidade democrática”
Suprema Corte pode concluir nesta quinta-feira (26/6) julgamento sobre responsabilidade das big techs por conteúdos ofensivos publicados por usuários sem a necessidade de decisão judicial
Foto: Ton Molina/STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir, nesta quinta-feira (26/6), o julgamento sobre a responsabilização das redes sociais a respeito de conteúdos publicados por seus usuários. Há maioria formada para ampliar os deveres das big techs. Agora, os ministros terão que construir uma decisão conjunta, pois há diferenças entre os votos. Especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que o ideal seria uma solução no Legislativo. No entanto, diante da urgência do tema e da demora do Congresso Nacional, o Judiciário deve, sim, tratar do tema.
O debate no STF gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, que exige uma ordem judicial prévia para excluir conteúdo e responsabilizar provedores de internet, websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros. d
O advogado Marcelo Cárgano, especialista em direito digital e proteção de dados, aponta que a própria disparidade de entendimentos entre os magistrados reflete que também não há consenso na sociedade. Segundo ele, o desafio é garantir a liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, coibir abusos no meio virtual.
“O Marco Civil da Internet nasceu de um processo legislativo participativo, com contribuições técnicas, acadêmicas e da sociedade civil, de modo que redefinir um de seus pilares por meio de decisão judicial enfraquece essa legitimidade democrática”, destaca.
Cárgano também lembra do Projeto de Lei 2.630/2020, o PL das Fake News, que tramita há mais de cinco anos no Legislativo sem aprovação. “Ao se omitir, o Congresso acaba por transferir a responsabilidade de definir questões complexas e sensíveis que exigiriam um debate democrático mais amplo para o Judiciário”, observa.
Na sessão de quarta-feira (25), os votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Edson Fachin trouxeram entendimentos divergentes sobre a exigência da notificação judicial para a exclusão de postagens consideradas ofensivas. Fachin afirmou que é “péssima a experiência” que o Brasil teve com a moderação de conteúdos e defendeu que a regulamentação das redes sociais seja feita pelo Legislativo.
Por outro lado, a ministra Cármen Lúcia entendeu que o artigo 19 do Marco Civil da Internet deve ser interpretado conforme a Constituição e pode ser usado em situações como crimes contra a honra. O placar está 8×2 para ampliar a responsabilidade das plataformas.
A advogada Antonielle Freitas, membro da Comissão Especial de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/SP, defende que o tema fique sob responsabilidade do Legislativo.
“O Congresso Nacional é o foro adequado para debater e definir limites às plataformas digitais, especialmente quando estão em jogo direitos fundamentais como privacidade, liberdade de expressão e acesso à informação”, aponta. “A atuação do Judiciário, embora importante em casos específicos, deve ser excepcional. A judicialização excessiva de temas complexos e estruturantes pode gerar insegurança jurídica e decisões fragmentadas, sem o necessário debate público e técnico”, completa.
Por outro lado, a advogada aponta que a falta de regulamentação pode favorecer ambientes virtuais nocivos. “As plataformas digitais têm um impacto direto sobre o processo democrático. A ausência de regras claras favorece a desinformação, o discurso de ódio e a violação de direitos. Só um marco legal robusto, construído de forma transparente e democrática, será capaz de garantir um ambiente digital mais seguro e plural”, pondera Antonielle Freitas.
Para o advogado Luis Fernando Prado, sócio do Prado Vidigal Advogados, especialista em direito digital, esse é um tema polêmico e complexo, especialmente por causa dos limites de liberdade de expressão. Ele defende a participação da sociedade no tema.
“O caminho para a construção do Marco Civil da Internet foi um amplo debate no Legislativo, com participação de academia, sociedade civil, governo e setor privado. Portanto, o caminho para alterá-lo deveria ser o mesmo. Decisões judiciais não comportam todo esse debate plural e democrático que seria necessário para alterar o Marco Civil, que, por muito tempo, foi apelidado de ‘constituição da internet’ no Brasil”, diz.
Debate em andamento
Há 8 votos para responsabilizar as big techs mesmo com notificações extrajudiciais; e 2 votos para que só medida judicial seja capaz de remover o conteúdo. Na sessão desta quinta-feira, é ouvido o posicionamento do ministro Nunes Marques.
Os integrantes também tentam definir a tese, ou seja, o guia que vai orientar a aplicação da decisão do tribunal. Se não houver consenso, os magistrados devem continuar buscando o entendimento quanto aos termos, pois foram propostas diferentes soluções para o regime de responsabilização das empresas. Até o momento, o Supremo realizou 11 sessões para discutir a ação.
Em 11 de junho, STF formou maioria para responsabilizar as redes sociais por conteúdos publicados por seus usuários. Os ministros defenderam ampliar as obrigações das big techs a respeito da moderação de posts considerados ofensivos, mesmo na ausência de ordem judicial prévia.