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Entenda o que muda na prática com a lei de equiparação salarial entre homens e mulheres
Empresas vão ter que pagar multa que chega a dez vezes o salário devido à funcionária com remuneração menor. Especialistas dizem que fiscalização precisará ser rígida
Por Letycia Cardoso e Glauce Cavalcanti — Rio de Janeiro
(Foto: Unsplash)
Empresas que não pagarem salários iguais para homens e mulheres com a mesma função podem receber multa de dez vezes o salário devido e ter a pena duplicada em caso de reincidência. É o que determina a lei sancionada nessa segunda-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
- Embora a isonomia entre os sexos esteja prevista tanto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quanto na Constituição, ainda não é uma realidade.
- Atualmente, as empresas que oferecem remuneração menor para mulheres pagam multa referente a um salário-mínimo regional, ou o dobro disso em caso de reincidência. De acordo com a proposta, a multa passa a ser correspondente a dez vezes o salário devido. A quantia dobra se o problema se repetir.
- Para combater a discriminação nas empresas, a nova medida estabelece mecanismos para transparência salarial e aumento da fiscalização, cria canais para denúncias, além de conceder estímulos à capacitação de mulheres.
Luiz Marcelo Góis, advogado trabalhista e professor da FGV, avalia que chega agora uma nova camada de reforço para legislações já existentes, já que vai ficar mais caro não se comprometer com a igualdade salarial e com o combate à discriminação nos quadros de funcionários. O ponto ruim, para ele, é que a lei alcança apenas empresas privadas, deixando as públicas e de capital misto de fora.
— Reforça o compromisso institucional de combater a desigualdade de gênero, e vai além, incluindo também efeito contra a discriminação racial, por etnia — comenta.
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Qualquer pessoa que se sinta discriminada, por gênero, cor de pele, nacionalidade, pode entrar com ação judicial — Foto: Unsplash
Multa será maior
Se uma trabalhadora, por exemplo, receber R$ 5 mil, enquanto seu colega do sexo masculino recebe R$ 10 mil para executar as mesmas tarefas, a empresa terá que pagar multa de R$ 100 mil, ao invés do salário-mínimo regional, em torno de R$ 1.320 a depender do estado. Se mais mulheres denunciarem, a multa sobe para R$ 200 mil.
Em caso de discriminação, seja por sexo, raça, etnia, origem ou idade, a pessoa ainda pode entrar com uma ação judicial pedindo indenização por danos morais. De acordo com a advogada trabalhista da Bracks Advogados e professora da PUC RIO, Juliana Bracks, isso pode ser feito até dois anos depois de deixar a empresa. A reclamação será referente a, no máximo, os últimos cinco anos.
Solução pode demorar 67 anos
Para a economista e pesquisadora de gênero na Universidade Federal Fluminense, Hildete Pereira, é preciso encontrar formas de evitar que as empresas burlem a lei, por exemplo contratando mulheres em cargos diferentes de homens, ainda que executem as mesmas funções.
— O Brasil é muito bom para escrever as leis, mas a sociedade brasileira não as coloca na vida das pessoas. É uma questão histórica. A igualdade já é determinada há 80 anos e ainda não conseguimos concretizá-la — lamenta.
De acordo com o Relatório Global de Diferença de Gênero, publicado no ano passado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 117ª posição num ranking de 146 países quando se trata de igualdade salarial para trabalho semelhante. A pesquisa ainda indica que a América Latina deve demorar 67 anos para resolver o problema.
Prestação de contas
Semestralmente, as empresas com 100 empregados ou mais terão que publicar um relatório com informações que permitam a comparação entre os salários pagos, os critérios de remuneração e a proporção de homens e mulheres em cargos de direção, gerência e chefia.
Também será obrigatório a divulgação de estatísticas sobre possíveis desigualdades por cor de pele, nacionalidade ou idade. Se o quadro indicar alguma discriminação, as empresas terão que criar planos de ação, com metas e prazos definidos, além de estarem sujeitas a uma multa administrativa de até 3% da folha salarial, com limite de cem salários-mínimos.
— O formato desse relatório, onde e como deve ser publicado não está claro. Isso precisa ser regrado. Outra coisa é que virá uma agenda para intensificar a fiscalização das empresas e faltam braços para isso — critica o advogado Luiz Marcelo Góis, afirmando que o governo já tem acesso a essas informações via eSocial.
A especialista da área trabalhista, Bianca Martins Juliani, do escritório Abe Advogados, também aponta a importância do regramento do modo e da frequência se dariam as fiscalizações:
— Será necessária a definição de mecanismos de fiscalização robustos, uma vez que somente a partir disso podemos garantir o cumprimento da lei, tornando a igualdade salarial uma realidade tangível e permanente.
Onde denunciar?
- Sindicatos;
- Ministério Público do Trabalho: Nesse caso, é possível fazer a denúncia de forma anônima — quando não é preciso revelar o nome — ou de forma sigilosa — quando as autoridades sabem quem revelou o problema, mas protegem sua identidade;
- Auditoria Fiscal do Trabalho, no Ministério do Trabalho e Emprego.
Necessidade de políticas públicas
Outra novidade é o lançamento de uma plataforma digital de acesso público, atualizada periodicamente pelo governo, com o objetivo de orientar a elaboração de políticas públicas. Nela, constarão indicadores sobre renda, sexo, violência contra a mulher, vagas em creches públicas, acesso à formação técnica e superior.
Para a economista Hildete Pereira, o acesso a creches e escolas públicas em horário integral, com carga-horária diária de dez horas, é essencial para favorecer a entrada de mulheres no mercado de trabalho e a ascensão delas nas empresas.
A advogada Juliana Bracks opina que é preciso haver uma mudança cultural completa, já que o trabalho do cuidado — com filhos e pessoas idosas — recai majoritariamente sobre as mulheres e isso tem reflexos no mercado de trabalho.
— Em vários escritórios, há muitas advogadas juniores e poucas sócias. Não é falta de competência. São mil intempéries culturais — exemplifica. — Casar e parar de trabalhar; ter filho, e a empresa subtender que você não dá mais conta; voltar de licença-maternidade e não receber os mesmos projetos que tinha antes… É bom que tenhamos uma lei, mas sozinha não vai resolver.