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Entenda as 7 armas do governo para zerar o déficit; analistas comentam

6 de outubro, 2023

Há um Lula sorridente que ilustra a capa desta edição. Aquela foto, infelizmente, não traduz 100% a realidade. Por mais que seu governo esteja acertando em muitos aspectos, os primeiros dez meses trouxeram um dado preocupante: as despesas cresceram mais que as receitas. Como se sabe, o Estado não pode gerar rombos a serem custeados pela sociedade. E a dívida pública brasileira chegou em agosto a R$ 6,2 trilhões, com déficit para 2023 estimado em R$ 144,7 bilhões. É possível reverter esse quadro no curto prazo? Talvez. Antes de listar as soluções, porém, vamos relembrar o cenário mais geral.

A Reforma Tributária não terá nenhum efeito imediato e o Arcabouço Fiscal segue com baixa confiança do mercado. A inflação está em queda, mas ainda acima do teto da meta. O PIB avança, embora distante de recuperar o patamar de dez anos atrás. “Nosso plano é garantir responsabilidade fiscal para financiar políticas públicas e fazer o Brasil deslanchar”, disse Lula. A intenção é ótima. O problema é como fazer isso.

Pode ser:
• pela via do aumento da arrecadação (e com mais justiça fiscal), como pretende o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
• ou pela redução de despesas, como sustenta Paulo Guedes, o ministro da Economia de Bolsonaro.

Talvez ambos tenham um pouco de razão. “Temos um objetivo claro: que a estrutura tributária brasileira entre em conformidade com práticas melhores”, disse Haddad à DINHEIRO.

Para Guedes, não basta. “O equilíbrio de contas deve ser alcançado por corte de gastos. Mas há também o caminho social-democrata de elevar a arrecadação. É válido, apesar de, para mim, ser menos efetivo.”

Parecem opostos. Não são. Haddad, Guedes e outros economistas de peso (e com diferentes abordagens) dissecaram as sete chaves para zerar o déficit. Se usadas corretamente, a foto que ilustra a capa desta edição é a imagem do futuro. Por enquanto, o retrato mais fiel do governo Lula é a que abre esta reportagem.

A reportagem coletou o parecer dos economistas Eduardo Cipriano, Maílson da Nóbrega, Paulo Guedes, Pedro Lameirão, Rafael Guedes, Sérgio Robusto, VanDyck Silveira e Vitoria Saddi.

Soma de recursos das propostas atingiria R$ 167,4 billhões, mais que suficiente para zerar o déficit de R$ 144,7 bilhões estimado para este ano

1. Mudança no Carf 
Expectativa de arrecadação: R$ 97,8 bilhões

Todos os sete nós apresentados a seguir nesta reportagem estão visceralmente vinculados ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2024. E lá está explícita a meta de déficit fiscal zero.

O ano que vem também será o primeiro de implementação do Regime Fiscal Sustentável, mais conhecido por Arcabouço ou Marco Fiscal. Por isso, talvez o gol mais comemorado pelo governo quando o assunto é zerar o déficit, foi a revisão da forma como o Conselho Administrativo de Recursos Federais (Carf) lida com processos.

Até 2020, quando havia empate nas decisões dos juízes, o parecer era favorável ao Estado. Durante o governo Bolsonaro, as regras foram mudadas e isso gerou, até julho deste ano, perda de arrecadação de R$ 102 bilhões, segundo dados do Carf e do Tesouro Nacional.

Por isso, restabelecer que o empate é ‘pró’ governo é entendido como um retorno à normalidade. A questão já foi sancionada por Lula, que a encara como uma vitória de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, que fez a intermediação no Congresso.

Tudo parecia ótimo e harmônico, não fossem dois vetos presidenciais. Durante a negociação com empresários e bancadas temáticas, o Senado proibiu a liquidação de garantias oferecidas pelos contribuintes antes do trânsito em julgado, regra que foi barrada por Lula. O poder do veto também se deu para retirar o dever da Fazenda Pública de ressarcir despesas do litígio, inclusive com garantias, em caso de derrota.

Para Pedro Lameirão, tributarista e sócio do BBL Advogados, as medidas tornaram o projeto mais agressivo do que era antes da mudança promovida no governo Bolsonaro.

Mas será que a mudança no Carf tem mesmo todo esse potencial?

Placar: Dos oito economistas entrevistados pela reportagem — além do ministro Haddad—, quatro disseram que não, três disseram que sim, e um diz ser difícil mensurar. O PhD em economia e CEO da Humaitá Digital, VanDyck Silveira, é um dos que acham que não. Segundo ele, apesar de números que impressionam, eles não devem ser encarados como salvação já que, pela legislação, essa dívida pode ter seu pagamento parcelado ou postergado por anos.

2. Cobrança de IRPJ e CSLL sobre ICMS
Expectativa de arrecadação: R$ 35,3 bilhões

Outro imbróglio que nasceu no Judiciário e agora corre para ser regulamentado no Legislativo envolve o crédito presumido da subvenção de ICMS na base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A MP enviada pelo Executivo regulamenta uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que atestou o fim dos benefícios fiscais na hora da emissão do IRPJ, tranformando-a em crédito a ser recuperado depois.

A MP está em vigor, mas só produzirá efeitos em janeiro de 2024, caso o Congresso vote. O texto estipula regras sobre habilitação da pessoa jurídica para ser beneficiária do crédito fiscal de subvenção para investimento, apuração e utilização do crédito fiscal.

Na prática, não haverá mais a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do IRPJ e da Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL).

As empresas serão tributadas, mas poderão apurar crédito fiscal sobre os valores recebidos para implantar ou expandir empreendimento econômico.

Para João Eduardo Cipriano, do escritório Miguel Neto Advogados, a edição da MP representa uma volta ao passado ao reavivar a discussão sobre tributação das subvenções, segregadas entre investimentos e custeio, mas com uma nova roupagem: crédito fiscal de subvenção para investimento.

Placar: Entre os economistas ouvidos pela reportagem, cinco disseram que a medida tem potencial arrecadatório forte, dois entendem que não há tanto potencial e um diz que o resultado é imprevisível. Sérgio Robusto, professor de direito tributário da Universidade de Brasília (UnB) e conselheiro da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, entende a decisão como polêmica, mas eficiente para aumentar a arrecadação de forma rápida.

3. Taxação de fundos exclusivos
Expectativa de arrecadação: R$ 13,3 bilhões

É difícil não cair no clichê quando falamos de como o Brasil tributa mal as camadas superiores da pirâmide social. De fato, há algumas benesses que são replicadas de modo quase automático, sem muito juízo de valor.

Uma delas é a que envolve taxação de fundos exclusivos, aqueles dos chamados super-ricos. De acordo com a medida do governo, haverá uma cobrança de 15% a 20% sobre esse perfil de ativos, que são fechados ao público em geral e possuem apenas um cotista.

Segundo a MP, que ainda precisa ser aprovada no Congresso, haverá incidência de cobrança duas vezes ao ano, diferentemente do que ocorre hoje, quando a tributação é aplicada apenas no resgate.

Para um fundo exclusivo existem algumas regras. Primeiro, um mínimo de R$ 10 milhões – com custo de manutenção de até R$ 150 mil por ano. O governo federal estima que atualmente existam 2,5 mil brasileiros com recursos aplicados nesses fundos, que acumulam R$ 756,8 bilhões e respondem por 12,3% dos fundos no País.

Também há a perspectiva de avançar com medidas de tributação das grandes fortunas, um tema que, na opinião do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, cria um ambiente desfavorável para o capital estrangeiro permanecer no Brasil diante de condições menos atraentes.

Segundo o ministro Fernando Haddad, a mudança se vale da justiça tributária, já que a cobrança equivalente em fundos de tamanhos distintos equilibra as contas. Com relação aos super-ricos, Haddad diz que há práticas similares em praticamente todos os países desenvolvidos, além de orientação da OCDE nesse sentido.

Placar: Dos economistas ouvidos pela reportagem, dois entendem as medidas como pouco eficientes para arrecadação, cinco veem como positiva, e um diz que o resultado é imprevisível. Para Vitoria Saddi, economista e colunista da DINHEIRO, “existe um oceano de diferença entre propor e arrecadar”.

4. Fim da dedutibilidade do JCP
Expectativa de arrecadação: R$ 10,4 bilhões

Uma das propostas do governo que ainda era pouco debatida veio à luz em setembro, quando os principais bancos do País, ao divulgar o resultado, disseram que a perspectiva defim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio (JCP) teria um efeito bastante significativo nas operações bancárias e de capital de giro dos empresários, já que muda a forma de lidar com o próprio ganho e os lucros das empresas.

O sistema em vigor prevê que as empresas possam abater da base de cálculo do IRPJ e da CSLL a distribuição dos recursos feitos a acionistas por meio de JCP.

Com isso, nas palavras de Haddad, havia uma deturpação da estrutura tributária, já que essa manobra era usada para pagamentos que equivaliam a salários dos sócios, mas era artificialmente entendida para o Fisco como juro do capital do empresário.

O projeto em avaliação na Câmara dos Deputados acaba com essa possibilidade de dedução, e tem gerado fortes tensões na articulação do governo.

Tanto que o plano inicial, de votar a alteração junto das offshores, foi declinado pelo relator Pedro Paulo (PSD-RJ) que tirou do texto final para votação na Câmara essa questão. A decisão foi endossada pelo presidente da Casa, Arthur Lira, que disse que é necessário mais tempo para lidar com o tema.

Placar: Um assunto tão polêmico também gerou divergência entre os economistas ouvidos pela DINHEIRO. Três veem grande capacidade de arrecadação, três acham o impacto negativo e um não sabe precisar. Para Rafael Guedes, diretor da Fitch, a incerteza que marca decisões como essas prejudicam muito a capacidade do Brasil de conseguir elevar seu grau de investimento, tornando o processo de atração de capital estrangeiro mais moroso.

5. Taxação de offshores
Expectativa de arrecadação: R$ 7 bilhões

Tem ainda o vespeiro que envolve a tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior (offshores), com alíquotas progressivas de 0% a 22,5%. Atualmente, o capital investido no exterior é tributado apenas quando resgatado e remetido ao Brasil.

Segundo o texto enviado pelo Executivo e apreciado pela Câmara, começaria a valer no Brasil o conceito de tributação de trusts, algo não tratado na legislação brasileira.

Segundo o texto, quem tiver rendimentos no exterior de até R$ 6 mil por ano não será tributado. Já quem tiver ganhos de R$ 6 mil a R$ 50 mil por ano terá alíquota de 15%. Por fim, rendimentos superiores ao patamar de R$ 50 mil por ano ficarão sujeitos à alíquota de 22,5%.

Para Sérgio Robusto, professor da UnB que discutiu o tema na Comissão de Assuntos Econômicos, o texto enviado por Haddad converge com as práticas adotadas por Alemanha, Canadá e Reino Unido, por exemplo, sendo importante para que o Brasil entre na OCDE.

Inicialmente, a taxação dos fundos offshores havia sido incluída na medida provisória que reajusta o salário-mínimo e amplia a faixa de isenção da tabela do IRPF. A retirada foi uma exigência de Arthur Lira, que queria dar celeridade à questão do Imposto de Renda, que iria caducar.

Placar: Sem certeza sobre como o assunto será encaminhado, já que o relator Pedro Paulo (PSD-RJ) ainda não divulgou quais, e com qual tamanho, serão suas alterações da proposta de Haddad, a maior parte dos economistas ouvidos pela DINHEIRO carrega poucas expectativas na atração de arrecadação com a medidas. Dos oito, cinco não esperam aumento relevante, dois veem grande potencial e um diz ser impossível prever.

6. Encomendas internacionais
Expectativa de arrecadação: R$ 2,9 bilhões

Se os dois tópicos anteriores beliscam o dono do grande capital, essa medida tem tirado o sono de todo brasileiro que arrisca fazer uma compra ou outra em terras estrangeiras.

Desde 1° agosto, elas passaram a ser taxadas entre 27% e 60%, quando envolvem produtos importados. Por meio de uma Medida Provisória, o governo começou a cobrança em caráter experimental, o que gerou uma tempestade nas redes sociais por afetar também as compras com valores ínfimos.

Depois disso, o governo recuou e manteve isenção para compras de até US$ 50. Antes, a isenção ia até US$ 500. Segundo o Ministério da Fazenda, “prosseguem as negociações quanto a futuros ajustes na alíquota federal”.

O mercado estima que o percentual deva ficar em 17%, com alguma faixa de isenção, e ser anunciado bem no final do ano (depois das vendas natalinas). Segundo o ex-ministro Maílson da Nóbrega, é preciso entender com clareza o que é protecionismo para o produto nacional e o que é só foco em arrecadar.

Placar: Entres os economistas que a DINHEIRO ouviu, quatro entendem que haverá aumento da arrecadação, três acham que os hábitos de compram mudarão e o impacto não será o previsto na arrecadação e um diz que, até aqui, não é possível mensurar o impacto. Entre os que apostam na mudança do hábito, e não no aumento da arrecadação, está VanDyck, da Humaitá Digital. Segundo ele, além de perder a arrecadação, o governo também vai desenvolver um problema de imagem com o próprio eleitorado.

7. Apostas Esportivas
Expectativa de arrecadação: R$ 728 milhões

E aqui entramos no sétimo e último vespeiro. A regulamentação das apostas esportivas, que está em vigor por meio de Medida Provisória, nasceu com o plano inicial apenas de legalizar novos segmentos que atuam à margem da legislação.

Mas logo se tornou uma disputa política das grandes. Além de pouco estudo sobre como se comportaria a comunidade que faz apostas on-line e se haveria ou não evasão das plataformas, a capacidade arrecadação não passa nem perto de ser relevante dentro do rombo fiscal. Para o ex-ministro da Economia Paulo Guedes é uma discussão muito grande e uma briga enorme para reclamar migalhas.

Pelo lado do governo, mais do que arrecadar, o plano é combater a elisão fiscal e promover a competição isonômica da indústria e do varejo nacional. Elisão fiscal trata-se de planejamento que visa reduzir a carga tributária a ser paga por uma empresa valendo-se de meios legais ou de manobras contábeis, mas sem cometer ilícito.

Placar: Entre os economistas, o descrédito foi o maior de todos os tópicos. Sete disseram que a arrecadação não será positiva, enquanto um garantiu que ainda há dúvidas sobre potencial aumento da cifra. Para Pedro Lameirão, há grandes chances de a plataforma de apostas migrar para um país sem impostos, e o apostador também.

https://istoedinheiro.com.br/entenda-as-7-armas-do-governo-para-zerar-o-deficit-analistas-comentam/

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