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‘Trapaça’ em treinamento on-line no trabalho pode dar demissão por justa causa no Brasil
Na semana passada, funcionários da consultoria EY foram desligados após assistirem simultaneamente a diferentes treinamentos para ganhar créditos
Por Ana Flávia Pilar
— São Paulo
A consultoria britânica EY, conhecida em todo o mundo, demitiu dezenas de funcionários nos Estados Unidos recentemente depois de descobrir que eles haviam participado de mais de uma aula de um treinamento on-line ao mesmo tempo durante a “Semana de Aprendizagem EY Ignite”, realizada em maio, segundo revelou o jornal Financial Times.
Alguns dos demitidos admitiram que aproveitaram sessões simultâneas para escolher os mais interessantes e acumular os créditos do treinamento mais rapidamente e alegaram não saber que estavam violando a política da empresa. No Brasil, o desfecho em casos semelhantes pode ser o mesmo, alertam advogado consultados pelo GLOBO.
A EY considerou a atitude dos funcionários demitidos uma forma de “trapaça”. E quem acha que fingir ter visto um treinamento em vídeo é uma ideia inofensiva deve ficar avisado de que a mesma interpretação está prevista nas normas brasileiras como motivo suficiente para o desligamento do funcionário, e por justa causa.
As empresas têm autonomia para promover cursos por diversos motivos, seja para melhorar o desempenho dos funcionários, ensinar a cultura corporativa ou apresentar regras internas.
Caso ela determine que a participação é obrigatória em cursos e treinamentos relacionados ao trabalho durante o expediente, pode demitir aqueles que tentarem fraudar a norma, conforme explica Gabriele Munford, gerente jurídica da Pamplona e Honjoya e Membro da Comissão de Valoração da OAB/RJ.
— A negativa por parte do trabalhador em cumprir ordens dentro da empresa é caracterizada como insubordinação e indisciplina — explica a especialista.
Empresa pode entender que houve fraude
Outro exemplo que pode resultar em demissão por justa causa, segundo Ricardo Christophe da Rocha Freire, sócio da área de Direito do Trabalho do Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados, é o caso de funcionários “colando” respostas dos colegas durante cursos e treinamentos que incluem questionários ao final.
— Os empregados precisam assistir (aos treinamentos). Não fosse assim, não seriam mandados embora por “trapaça”. Seria um caso de fraude. Se a empresa comprovar isso, o funcionário pode ser demitido por justa causa, ato de improbidade e mau comportamento — ele afirma.
Gabriele concorda com a tese. A especialista acredita que casos do tipo podem se caracterizar até como desídia (algo como desleixo) em relação ao trabalho.
Freire também explica que a maioria das empresas já tem regras de treinamento bem definidas e os funcionários são obrigados a participar desses eventos. No Brasil, é comum que existam cursos internos relacionados a compliance, políticas de conformidade, por exemplo.
Entenda o caso
A consultoria contábil e de negócios britânica EY demitiu dezenas de funcionários nos Estados Unidos depois de descobrir que eles tinham participado de mais de uma aula de treinamento on-line ao mesmo tempo durante a “Semana de Aprendizagem EY Ignite”.
De acordo com reportagem do Financial Times, as demissões ocorreram na semana passada, após uma investigação interna, gerando um debate interno sobre ética nos negócios e os limites da multitarefa.
Cultura ‘multitarefa’
Vários dos demitidos alegaram que não sabiam estar violando a política da empresa e que o objetivo era aproveitar as sessões dos cursos mais interessantes e acumular os créditos mais rapidamente.
As sessões, que variavam de temas como “Quão forte é a sua marca digital no mercado?” a “Conversando com IA, um comando por vez”, contavam para os 40 créditos de educação profissional continuada que a EY exigia que os funcionários concluíssem em um ano.
Outros enfatizaram que assistiam mais de uma aula simultaneamente porque a EY “cultiva uma cultura de multitarefa”. Alguns funcionários trabalham com três monitores ou são obrigados a registrar 45 horas semanais e fazer horas extras , disse o jornal.
A empresa, no entanto, considerou que assistir a duas sessões ao mesmo tempo representava uma violação ética.
“Nossos valores fundamentais de integridade e ética estão à frente de tudo o que fazemos. Medidas disciplinares apropriadas foram recentemente tomadas em um pequeno número de casos onde indivíduos foram encontrados em violação do nosso código de conduta global e da política de aprendizado dos EUA”, disse a EY ao Financial Times.