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Democracia sob ataque nos EUA e no Brasil

27 de maio, 2025

Democracia sob ataque nos EUA e no Brasil

O Brasil deve rejeitar qualquer tentativa de naturalizar a impunidade em nome da reconciliação, sob pena de repetir tragédias já vividas

Por Rubens Naves e Guilherme Amorim Campos da Silva

Enquanto propostas de anistia para envolvidos em atos golpistas dominam o debate, ignora-se o pano de fundo autoritário que motiva tais medidas. Um dos traços da política contemporânea global é o crescimento de ameaças à democracia. No Brasil, apesar de testadas, as instituições têm resistido tanto a erosões graduais quanto a ataques diretos.

Dois mecanismos institucionais têm sido alvo de distorções: o perdão presidencial e a anistia. No Brasil, decisões do STF têm contido abusos, ao contrário dos Estados Unidos, onde o perdão transformou-se em ferramenta de privilégio e impunidade.

Durante o mandato de Donald Trump, o instituto do perdão foi usado para proteger aliados políticos e até participantes da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, atentado que visava a impedir a posse de Joe Biden. Biden, ao final do mandato, contribuiu para a degeneração do instituto ao perdoar o filho, condenado por crimes fiscais e outros relacionados à posse de arma.

No Brasil, em 2022, Bolsonaro concedeu indulto a Daniel Silveira, condenado por incitar atos antidemocráticos contra o STF. O Supremo julgou o indulto inconstitucional por desvio de finalidade, reafirmando o limite republicano ao uso dessa prerrogativa.

Atualmente, discute-se no Congresso a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. A medida, se aprovada, violaria a Constituição, que proíbe anistia para crimes de extrema gravidade, como os contra a ordem democrática e o Estado de Direito. Além de inconstitucional, afronta a memória democrática nacional, marcada pela impunidade histórica a golpistas e violadores dos direitos humanos.

Apesar de competência do Congresso Nacional, não comporta a incidência desejada por seus defensores, alcançando aqueles que atentaram contra os valores fundamentais da República e da democracia. Anistiar os golpistas do 8 de Janeiro seria capitular diante da democracia e macular os princípios da Constituição, um trágico retrocesso.

Os paralelismos entre Brasil e Estados Unidos não são coincidência. Ambos os países viveram intentonas golpistas impulsionadas por líderes que se recusaram a reconhecer derrotas eleitorais. O bolsonarismo, que vandalizou instituições, se inspira no trumpismo. Se a extrema direita brasileira aprende com Trump, os democratas americanos deveriam observar o Brasil como exemplo — ainda que imperfeito — de contenção ao autoritarismo.

A democracia brasileira permanece de pé graças à resistência institucional e ao compromisso de atores políticos e jurídicos que souberam aplicar a Constituição contra o arbítrio. O Brasil deve, portanto, rejeitar qualquer tentativa de naturalizar a impunidade em nome da reconciliação, sob pena de repetir tragédias históricas já vividas.

O compromisso ético-jurídico assumido pelo constituinte pátrio em nome do povo brasileiro sobrepõe-se a quaisquer casuísmos políticos partidários. Este é o momento de deixar claro que, além de inoportuna, a iniciativa é inconstitucional e de convocar os atores incumbidos de fazer a defesa do texto constitucional a assegurar a integridade e higidez dos valores democráticos.

*Rubens Naves é advogado e ex-professor de teoria geral do Estado da PUC/SP, Guilherme Amorim Campos da Silva é advogado e professor da Fadisp – Faculdade Autônoma de Direito 

(Foto: Agência Brasil)

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/05/democracia-sob-ataque-nos-eua-e-no-brasil.ghtml

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