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Decisão de Toffoli contra acordo de leniência deverá ter efeito dominó

2 de fevereiro, 2024

Despacho de ministro permite renegociação de multa da antiga Odebrecht e abre caminho para ações semelhantes de outras empresas envolvidas na Lava-Jato

Por Marcela Villar, Lucas Ferraz e Isadora Peron — De São Paulo e Brasília

(Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF)

A suspensão do pagamento do acordo de leniência da Odebrecht – rebatizada de Novonor – firmado com o Ministério Público Federal (MPF) em 2016 no âmbito da Operação Lava-Jato vai gerar, segundo apurou o Valor, um efeito dominó nas ações das demais empresas que assinaram protocolos do gênero após serem envolvidas em escândalos de corrupção.

A decisão monocrática de Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada nessa quarta (31), reforça o argumento das empreiteiras para a revisão das multas firmadas não só com o MPF, mas também com outros órgãos do governo, como a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

A recente decisão de Toffoli é consequência de uma outra, de setembro passado, quando ele, também monocraticamente, anulou as provas do mesmo acordo de leniência do Grupo Novonor, que por sua vez embasavam uma série de ações penais da Lava-Jato, como por exemplo a que levou à condenação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que passou 580 dias preso.

Em seu despacho, o ministro do STF disse que, diante das suspeitas em relação à parcialidade dos atores da operação, seria importante atender ao pedido da empresa, concedendo a ela o acesso a todas as mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil e com o mandato ameaçado na Justiça Eleitoral, e os integrantes da força tarefa da Lava-Jato, material que ficou conhecido como Vaza-Jato e que vem embasando várias decisões judiciais favoráveis a autoridades e empresas condenadas no passado.

Ao suspender os pagamentos do acordo de leniência, o magistrado escreve que deve-se oferecer condições à defesa da empreiteira “para que avalie, diante dos elementos disponíveis coletados na Operação Spoofing [que investiga a atuação de procuradores e juízes da Lava-Jato], se de fato foram praticadas ilegalidades”.

Até então, a construtora teve acesso a cerca de 30% do processo. Para Toffoli, as informações indicam “conluio entre o juízo processante e o órgão de acusação”, o que não permitiu ampla defesa das partes.

O ministro também autorizou uma renegociação sobre os termos do acordo com a PGR, a CGU e a AGU. Essa tratativa, contudo, na prática já começou a ser feita há cerca de quatro anos. O governo, segundo fontes próximas às negociações, não tem cedido à rediscussão dos valores, mas há uma indicação para ampliar prazos e forma de pagamento, como pagar algumas parcelas com prejuízo fiscal.

“Essas idas e vindas sobre a validade do acordo trazem insegurança”
— João Azeredo

O acordo global da Odebrecht e executivos firmado com as autoridades brasileiras foi de R$ 3,8 bilhões – R$ 2,7 bilhões devidos à CGU, fruto de um segundo acordo assinado em 2018, que englobou a negociação de 2016 com o MPF. É desse primeiro acordo que Toffoli suspendeu as parcelas. Somado à multa devida às autoridades internacionais, a soma é de R$ 8,5 bilhões, montante que deveria ser pago em parcelas anuais corrigidas pela taxa Selic no decorrer de 23 anos.

O grupo Novonor não informou o montante pago até o momento. Dos R$ 2,7 bilhões devidos à CGU, foram quitados até a presente data R$ 172,7 milhões, o que representa 6,4% do total. A informação está aberta no site do órgão.

O MPF não respondeu sobre o quanto foi pago até então pela empresa e não deixa pública essa informação. Ao Valor, a instituição disse que “ainda não teve acesso oficial à decisão” e que “as providências serão analisadas quando isso ocorrer”. A CGU também informou analisar o impacto do que foi decidido. Procurado, o Cade não respondeu.

A Novonor não quis se posicionar. A empresa está em recuperação judicial desde 2019, na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, com dívidas de R$ 83 bilhões.

Toffoli já havia tomado uma decisão parecida no ano passado em relação à J&F, grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista, suspendendo uma multa de R$ 10,3 bilhões sob a justificativa de que, ao firmar o acordo com o MPF, este impôs ao grupo empresarial “obrigações patrimoniais, o que justifica, por ora, a paralisação dos pagamentos”. A esposa do ministro, a advogada Roberta Rangel, defende a empresa dos irmãos Batista numa contenda com a Paper Excellence.

No novo pedido acolhido pelo STF, a Odebrecht afirmou que havia semelhança entre os casos dela e da J&F, por isso ela deveria ter o mesmo benefício. A empresa reclama da “abrupta redução da demanda dos setores de construção civil, infraestrutura, transporte e mobilidade, bem como as restrições ou quase fechamento total de acesso a fontes de financiamento junto a instituições financeiras públicas e privadas” após a Lava-Jato, e menciona também as “novas dívidas adquiridas em virtude do cronograma de pagamentos do acordo”.

Quando o mesmo Toffoli anulou as provas do acordo de leniência da Odebrecht com a Lava-Jato, no ano passado, o então procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo, que agora vai ocupar uma secretaria do Ministério da Justiça com o recém-empossado Ricardo Lewandowski, apresentou um agravo regimental ao STF para tentar reverter a decisão. Mas o recurso não foi analisado pela Suprema Corte até o momento.

Há outros Estados que, na esteira da Lava-Jato, também firmaram acordos de leniência diretamente com as empresas, outro ponto que, num futuro próximo, deverá também ser decidido pelo Judiciário. É o caso de Minas Gerais: três empreiteiras – a mesma Odebrecht, a OAS, atual Coesa, e Andrade Gutierrez – assumiram irregularidades na construção da Cidade Administrativa, sede do Executivo estadual, fizeram um acordo de leniência com o Estado (valor total de R$ 374 milhões) e se comprometeram a colaborar com as investigações.

Houve também acordos firmados no exterior, caso dos Estados Unidos e Suíça, assinados com a mesma Odebrecht, mas esses não estão ao alcance da decisão do Judiciário brasileiro.

Essas decisões do ministro Toffoli devem ser usadas por outras empresas como argumento para obter os mesmos benefícios, afirmam advogados. “Assim como a Novonor pegou carona na decisão da J&F, certamente outras empresas sujeitas ao mesmo ambiente e lidando com as mesmas autoridades mencionadas poderão se servir da decisão para tentar suspender pagamentos ou renegociar acordos que alegarem ter feito sob pressão ou com vício de consentimento”, avalia a advogada Esther Flesch, sócia do escritório Miguel Neto Advogados, que atuou em acordos de leniência no Brasil e Estados Unidos.

Para isso, é preciso provar uma similaridade aos processos da Odebrecht e J&F, diz o advogado João Fábio Azevedo e Azeredo, sócio do Moraes Pitombo Advogados. “Já é a segunda decisão com a mesma premissa. As empresas que demonstrarem situação similar podem conseguir uma liminar, depende de como vão demonstrar essa similaridade”, diz. Ele ressalta, no entanto, que a decisão de Toffoli tem que passar pela validação dos outros ministros do Supremo.

Os especialistas divergem se as decisões comprometem o uso do acordo de leniência. Para Esther Flesch, não: “O que houve foi um amadurecimento da prática, pois os acordos na época da Lava-Jato foram feitos sem que houvesse maturidade e experiência suficientes para que fossem à ‘prova de bala’”.

Já Azeredo acha que as decisões geram insegurança jurídica. “A ideia do instrumento é dar segurança para a empresa tocar seus negócios. E essas idas e vindas sobre a validade do acordo que é um instituto novo, querendo ou não, traz insegurança, porque uma coisa que poderia ser encerrada tem chance de o Judiciário anular”, avalia.

De acordo com o advogado Valdir Simão, sócio do Warde Advogados e ex-ministro da CGU, é preciso fazer uma ampla revisão nas cláusulas dos acordos. “É preciso verificar se eles têm cláusulas abusivas, rubricas de ressarcimento indevidas, seja por uma mudança legal ou interpretativa”. Dentre as mudanças legislativas a serem consideradas, está a de não cumulatividade de multas pela lei de improbidade administrativa e da lei anticorrupção, segundo ele.

A revisão de todos os acordos de leniência está em discussão no STF (na ADPF 1051) sob a relatoria do ministro André Mendonça, que foi chefe da AGU no governo Bolsonaro. O processo discute o “estado de coisas inconstitucionais” em que as negociações foram feitas na Lava-Jato.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/02/02/decisao-de-toffoli-contra-acordo-de-leniencia-devera-ter-efeito-domino.ghtml

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