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Cuidados com contratos de franquias
Cuidados com contratos de franquias
Segundo Paulo Caparelli, um dos principais pontos de atenção de um contrato de franquia é a circular de oferta de franquia
Por Jorge Priori
Conversamos sobre os cuidados que devem ser tomados com contratos de franquia com Paulo Bardella Caparelli, especialista em direito societário e sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.
Quais são as principais características de um contrato de franquia?
Na realidade, um contrato de franquia é um contrato empresarial como todos os outros, com indicação das partes, objeto, obrigações e garantias, além de fazer referência, principalmente, a circular de oferta de franquia. Essa parte não tem muito segredo, pois um contrato de franquia, normalmente, é muito padronizado. O que me chama a atenção, e eu venho falando sobre isso há muito tempo, é que o franqueado, na grande maioria das vezes, não se dá conta de que quando ele entra em uma franquia, ele se torna um empresário, assim como o dono da franqueadora e o dono do shopping, e ser um empresário significa identificar riscos, minimizá-los e assumi-los.
Muitas vezes, eu percebo que as pessoas entram em uma franquia com a ideia de que vão receber um pacote pronto, que tem um resultado mais ou menos garantido, e que só vão precisar tocar a operação. Não é nada disso. Isso porque um franqueado é pressionado pelas maiores forças do mercado empresarial: a franqueadora, o shopping e o banco. Como, muitas vezes, a franqueadora apresenta um contrato por adesão, que não tem a mínima possibilidade de ser negociado, o franqueado sequer lê o contrato e dá o aceite no próprio site da franqueadora. Os shoppings têm uma força de negociação enorme com os lojistas, o que faz com que muitas dessas negociações sejam difíceis, ingratas e injustas. Com relação aos bancos, os franqueados precisam tomar empréstimos para gerar seus negócios.
É por isso que, baseado na nossa experiência atendendo franqueadoras e franqueados, eu posso dizer que o grande problema é a falta de entendimento do franqueado de que ele está, de fato, assumindo a posição de empresário, de dono de um negócio com todos os riscos envolvidos.
Onde estão os principais perigos desse tipo de contrato?
Na circular de oferta de franquia. O contrato sempre faz referência a esse documento, onde devem estar todos os detalhes que precisam estar contidos. Se esses detalhes não estiverem nesse documento, aí sim, o franqueado pode discutir se o que ele assinou não está adequado ou não está sendo cumprido. Como o grande perigo mora muito mais nesse documento, ele tem que ser detalhado, lido e esclarecido.
Por exemplo, se esse documento disser que existe a possibilidade de o franqueador receber uma remuneração adicional dos franqueados, é preciso entender a fundo o que significa essa remuneração, o seu valor, se ela está embutida na taxa de franquia e a sua periodicidade. A verba de marketing também é clássica. É preciso verificar como ela será arrecadada e o seu direcionamento. Se o franqueador disser que ela vai ser usada de acordo com a sua política interna regularmente atualizada, isso já é um excelente indício de que a verba será destinada ao seu bel-prazer. É por causa de questões como essas que é preciso ler a circular no detalhe.
Por mais que um bom advogado possa evitar muitas dores de cabeça, existem pessoas que acham que esse tipo de serviço é um custo, não contratam, assinam o contrato de franquia e depois se metem em confusão. De uma forma geral, qual a sua avaliação sobre a forma como os franqueados enxergam os advogados?
Aqui existe uma separação entre aqueles que entenderam que viraram empresários, e os que ainda não entenderam isso. Essa visão de que o advogado é desnecessário é uma visão típica de quem ainda não assumiu essa postura. Hoje, você não vê nenhum empresário bem-sucedido, qualquer que seja o seu tamanho, sem a assessoria de um advogado de confiança. E eu não estou me referindo aos advogados de grandes e renomados escritórios de São Paulo, mas sim aos advogados dedicados que tem aos montes pelo Brasil afora e que dedicam tempo para entender a demanda do seu cliente.
Como diferenciar uma franqueadora correta de uma incorreta?
Essa diferenciação passa por vários âmbitos, sendo que apenas um deles é jurídico. É importante que o franqueado entenda se as imposições feitas pelo franqueador são possíveis de serem cumpridas e se as suas promessas já vêm sendo cumpridas junto aos outros franqueados. Também é importante que ele faça uma pesquisa de mercado para identificar a forma como o franqueador se comporta em relação a outras franquias, converse com outros franqueados e se assessore com especialistas em finanças para franqueados para entender se aquela conta que está sendo sugerida pelo franqueador, de fato, vai se concretizar. Toda essa lição de casa é para que o franqueado consiga separar o joio do trigo.
Com relação ao jurídico, a possibilidade de negociar o contrato é um excelente indício da forma como o franqueador trata o seu franqueado. Se um cliente entra no escritório e me diz que vai assinar um contrato de franquia que não tem a possibilidade de ser negociado, eu vou lhe indicar para que repense, pois isso é apenas o primeiro passo de como ele será tratado ao longo de todo o relacionamento com o franqueador. Se ele não tem sequer espaço para discutir as cláusulas do contrato, isso significa que ele, de fato, não será tratado de forma igualitária, e sim impositiva, o que vai se refletir ao longo de toda a relação jurídica de franquia.
Como disse, é preciso que o franqueado compreenda que ele se tornou um empresário, e como empresário, ele tem que entender se essa relação jurídica é unilateral ou bilateral em termos de negociação e discussão.
Se a franquia vai ficar em um shopping, quais cuidados o franqueado deve ter com o contrato do shopping?
Se o franqueado vai ter uma loja em um shopping, ele precisa entender que estará sujeito à lei de franquias e à lei de locação em shopping. Se ele não quiser ter um advogado, o que não é recomendado, ele vai ter que ler a lei de franquias, que por mais que possua pouquíssimos artigos, tem entrelinhas e jurisprudências que são entendidas pelos advogados. Com relação à lei de locação em shopping, essa é uma lei específica que tem inúmeras situações. Dessa forma, antes de simplesmente decidir estar dentro de um shopping por todos os seus atrativos, que são óbvios, o franqueado precisa entender que ele estará inserido em um ambiente que possui um sistema jurídico próprio.
Qual a sua avaliação sobre o tratamento da Justiça em relação às questões envolvendo franquias e franqueados?
Há alguns anos, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou varas especializadas em litígios empresariais, o que foi uma tremenda evolução. As pessoas têm até preferido essas varas empresariais a arbitragem, pois elas são tão especializadas quanto um árbitro, mas muito mais baratas que uma arbitragem.
Com relação aos outros estados, eles não têm varas especializadas como São Paulo. Nesses casos, as partes acabam tendo que recorrer a um juízo que não tem a especialidade de contratos de franquia.
Por mais que essa seja a realidade do judiciário brasileiro, isso não é uma exclusividade do sistema de franquias. Como todo o judiciário está atolado com demandas de assuntos e complexidades totalmente variadas, no final do dia é uma boa assessoria que vai fazer a diferença e direcionar o juiz para a melhor técnica.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Existem dois pontos macros que eu gostaria de trazer. O primeiro é que existe a Associação Brasileira de Franquias (ABF), que praticamente se tornou um selo de qualidade das franqueadoras. Como, via de regra, as franqueadoras de respeito estão na ABF, a associação tem inúmeras informações que podem ser buscadas por um franqueado que quer se cercar de cuidados antes de assinar um contrato.
O segundo ponto é que nós, como difusores de informações técnicas, temos a obrigação de separar fatos pontuais de sistemas vigentes. Um fato pontual relacionado a uma franqueadora, que está muito em voga, não abala o sistema. O sistema de franquias é um avanço espetacular que permite o crescimento ordenado de uma companhia e que pessoas, com praticamente pouco ou nenhum capital, sejam donas do próprio negócio. Esse sistema é um sucesso do ponto de vista operacional, financeiro, fiscal e de risco trabalhista. Se uma franquia em especial comete um erro, ou está seguindo pelo caminho errado, isso não deve impactar o sistema como um todo, que é muito bom e tem inúmeros benefícios.
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