PORTFÓLIO

Carga tributária do Brasil cresceu 3,6%, e não 24%, durante governo Lula
Postagem usa dados errados sobre arrecadação de impostos do governo
Por Luciana Marschall
O que estão compartilhando: que o governo teria adotado 25 medidas para aumentar a arrecadação de impostos e que a carga tributária teria crescido mais de 24% de janeiro de 2023 a maio de 2025.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso, porque a carga tributária bruta do governo geral aumentou 3,59% de 2022 até o final de 2024 — último período em que há dados disponíveis. A lista de 25 medidas citada pela postagem contém propostas não aprovadas, sequer apresentadas ou que não alteram a arrecadação.
A reportagem procurou a autora do post, mas não obteve resposta.
Lista de 25 medidas inclui iniciativas ainda não implementadas ou que não alteram a arrecadação
A postagem afirma que o governo teria adotado 25 medidas que aumentaram a arrecadação de impostos desde janeiro de 2023 com base em um levantamento da revista Exame, publicado em 24 de maio. A reportagem mostra que alguns itens não chegaram a ser aprovados ou que não chegaram a impactar a arrecadação. Isso não é informado no post enganoso.
O Ministério da Fazenda comunicou ao Verifica que medidas foram tomadas para recompor a arrecadação, em razão de perdas promovidas em anos anteriores. A pasta afirmou que algumas iniciativas foram temporárias e perderam a eficácia, e que outras não chegaram a ser aprovadas. O Ministério disse que “o número (25) não reflete a realidade”.
O Verifica consultou os especialistas em Direito Tributário Carlos Eduardo Navarro e Gabriel Quintanilha, professores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que avaliaram a lista de 25 medidas e sinalizaram oito temas que não alteram, até o momento, a arrecadação federal. Veja abaixo:
-
Imposto de Renda
Está em tramitação no Congresso Nacional uma proposta do governo que isenta do Imposto de Renda contribuintes que recebem até R$ 5 mil, reduz imposto de quem recebe entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, mantém as regras atuais para quem recebe acima de R$ 7 mil e estipula uma cobrança extra para quem tem rendimentos acima de R$ 50 mil.
Mas o projeto ainda não foi aprovado, por isso ainda não impactou na arrecadação. Mesmo assim, o professor Navarro afirma que, embora haja expectativa de aumento de imposto para quem ganha mais de R$ 50 mil, se trata mais de reorganização da carga tributária do que uma medida para crescimento de arrecadação.
“A ideia é financiar a isenção de quem recebe abaixo de R$ 5 mil com a tributação daqueles que ganham acima de R$ 50 mil. No geral, a ideia é de manutenção de arrecadação e não de aumento”, afirmou.
-
Taxação de super ricos
A lista da Exame separa esse item das mudanças propostas sobre o Imposto de Renda, que preveem a cobrança extra de quem recebe acima de R$ 50 mil. Mas, como dito anteriormente, não há expectativa de que a arrecadação mude com esse projeto do governo.
Não existe, até o momento, uma proposta específica da Fazenda para taxar milionários. “O que a gente tem, entre aspas, para super ricos é essa medida dos R$ 50 mil. Existe uma discussão global sobre taxação de bilionários sobre a qual não tem nada concreto no Brasil até o momento”, afirmou Navarro.
-
Elevação da CSLL e JCP
O governo chegou a enviar um projeto ao Congresso para elevar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e os Juros Sobre Capital Próprio (JCP), porém a pauta não avançou. A opinião do professor Carlos Navarro é de que o projeto não será aprovado porque há forte resistência.
O CSLL é um tributo federal brasileiro que incide sobre o lucro líquido das empresas. JCP são os juros pagos por pessoas jurídicas a titulares, sócios ou acionistas. É uma remuneração do capital investido nas empresas.
-
Reforma Tributária do Consumo
Aprovada no início do ano, essa legislação unifica cinco impostos sobre consumo, que incidem sobre produtos e serviços: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), todos impostos federais; Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um imposto estadual; e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), um imposto municipal.
Os cinco foram substituídos pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Este, por sua vez, foi dividido em dois: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, federal) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, estadual e municipal).
Segundo Navarro, essa reforma não deve alterar a arrecadação. “A gente só vai trocar os tributos atuais por novos tributos, com compromisso de manutenção de carga em função do Produto Interno Bruto (PIB)”, disse.
O especialista explica que alguns itens podem ficar mais caros, como cigarros e bebidas alcoólicas, mas em compensação outros ficarão mais baratos, como material escolar. “O fato é que a soma da arrecadação tem que ser igual à atual arrecadação dos impostos oriundos de produtos e serviços, ou seja, não deve ter mudança em relação a isso”, afirmou.
Essa reforma não será implantada imediatamente. A transição da CBS federal, por exemplo, será iniciada no próximo ano, em forma de teste. Apenas a partir de 2027, a contribuição será totalmente implementada. Em relação ao IBS, a transição é gradual e será finalizada só em 2033.
-
Imposto Seletivo
Apresentado separadamente na lista da Exame, esse imposto faz parte da reforma tributária do consumo, então não aumenta a carga que os contribuintes pagam. Esse tributo ficou conhecido como “Imposto do Pecado”. O objetivo é aumentar as taxas de produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas.
“Quando a gente fala que a soma da arrecadação tem que ser igual era antes, isso inclui o Imposto Seletivo. O Seletivo mais o IVA tem que ser igual ao que hoje é IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins”, disse Navarro.
-
IPVA de aeronaves e embarcações e ITCMD
O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para aeronaves e embarcações e o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), conhecido como “Imposto da Herança”, foram discutidos junto da reforma tributária do consumo, mas não estão inseridos no IVA.
De acordo com Navarro, os dois são tributos estaduais, e não federais. No caso do IPVA, a aprovação não implica, automaticamente, em aumento de arrecadação. Isso porque a decisão pela cobrança é das Assembleias Legislativas de cada Estado.
“São Paulo, por exemplo, poderia ter feito para 2025, mas não fez e nada diz que vai fazer para 2026, ou seja, não tem nenhum aumento de carga tributária”, disse.
O ITCMD já existia, mas foi aprovada uma alíquota progressiva. Em relação a ele, há impacto na arrecadação.
-
Reversão de alíquotas de PIS e Cofins sobre receitas financeiras
O ex-vice-presidente Hamilton Mourão publicou decreto que reduzia as alíquotas desses tributos sobre receitas financeiras de grandes empresas no último dia do governo Bolsonaro, em dezembro de 2022. Assim que assumiu a Presidência, em 1ª de janeiro de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva revogou a medida. Apesar dessas cobranças terem voltado, não chegou a haver mudança na arrecadação.
O professor Quintanilha explica que não houve tempo para aumento de carga tributária. Quer dizer: quem pagou esses impostos em dezembro de 2022 não teve tempo de se beneficiar da redução de alíquota em janeiro de 2023. “Não produziu efeito porque esses impostos são apurados mensalmente, não deu tempo de se apurar”, disse.
-
Imposto sobre exportação de petróleo
Não está em vigor. Em 2023, o governo Lula taxou por quatro meses as exportações de petróleo não refinado para complementar a receita prevista com a reoneração parcial sobre combustíveis.
Em 2022, Jair Bolsonaro zerou impostos federais sobre os combustíveis. No ano seguinte, o governo Lula voltou a cobrá-los, alegando necessidade de recomposição do orçamento federal. Para auxiliar nessa recomposição, foi cobrado o imposto provisório sobre exportações do óleo cru.
Carga tributária não cresceu mais de 24%
Os dados oficiais sobre a carga tributária de 2024 só serão divulgados no segundo semestre de 2025 pela Receita Federal. Em março, a Secretaria do Tesouro Nacional divulgou o Boletim de Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Geral de 2024.
De acordo com o órgão, a carga tributária bruta do governo geral – que une governo federal, estaduais e municipais – foi de 32,32% do Produto Interno Bruto (PIB). Houve um aumento em relação à carga de 2023, que foi de 30,3%, No ano anterior, 2022, a carga foi de 31,2%.
Assim, a variação entre 2022, último ano do governo Bolsonaro, e 2024, segundo ano do governo Lula, foi de 3,59%, bem abaixo dos 24% citados no post enganoso.
Carga Tributária Bruta por esfera de governo – Brasil – Anual – 2010 a 2024. Dados em: % do PIB Foto: Fonte: STN
A reportagem perguntou ao Ministério da Fazenda e à Receita Federal se há dados disponíveis para os meses de 2025, mas não recebeu resposta.
O boletim explica que a elevação da carga em 2024 foi influenciada principalmente pela reoneração de tributos federais e estaduais sobre combustíveis. Além disso, destaca-se a composição do crescimento econômico no ano, concentrado em serviços, consumo das famílias e importações.
Na esfera estadual, o aumento da carga tributária ocorreu basicamente pela reoneração do ICMS sobre os combustíveis, além do crescimento da venda de bens. Por fim, nos governos municipais, o aumento da carga tributária está relacionado ao aumento da arrecadação do ISS.
“No geral, houve um aumento de carga tributária de forma global, mas não pela criação de tributos somente, mas também pelo cancelamento de benefícios e pelo aumento da arrecadação”, afirmou Quintanilha.
Arrecadação cresceu R$ 234 bi até dezembro de 2024
A postagem analisada aqui afirma que, de janeiro de 2023 a maio de 2025, a arrecadação federal aumentou R$ 234 bilhões acima da inflamação. O número está correto, mas o período de tempo está errado.
O Ministério da Fazenda afirmou que, de fato, a arrecadação cresceu R$ 234,9 bilhões, deduzida a inflação medida pelo Índice Nac
ional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esse crescimento se deu até dezembro de 2024, e não até maio de 2025.
Em janeiro deste ano, o Ministério da Fazenda divulgou que a arrecadação total das receitas federais alcançou R$ 2,652 trilhões em 2024. Houve alta real (já descontada a inflação) de 9,62% sobre o resultado de 2023 (R$ 2,318 trilhões).
https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/carga-tributaria-brasil-nao-cresceu-24-janeiro-2023/