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Busca Busca publica vídeos com ‘flagras’ de suspeitos de furtos: ‘Vai ficar famoso’; especialistas comentam
A marca divulgou três vídeos, somando quase 2 milhões de visualizações, e ainda ofereceu voucher para quem denunciasse. Advogados alertam para riscos
Foto: Reprodução / Redes Sociais
Por Bianca Guilherme
A varejista paulistana Busca Busca, que viralizou no início do ano passado, voltou a chamar a atenção nas redes sociais após publicar vídeos em que expõe pessoas que supostamente cometeram furtos em suas lojas. As gravações, feitas pelo circuito interno de segurança, mostram clientes circulando pelas unidades e, segundo as narrações e legendas, furtando vários objetos. Até agora, três vídeos foram publicados, somando quase 2 milhões de visualizações.
Advogados consultados por PEGN dizem que estratégia fere a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Código Penal, o Código Civil e o Marco Civil da Internet. O Busca Busca não respondeu aos pedidos de entrevista.
A primeira publicação foi feita em 3 de maio. Nela, o empresário Alex Ye — fundador da marca e conhecido nas redes como “Chefe do Benefício” — mostra imagens de dois homens que supostamente teriam furtado sete relógios.
“Agora ele vai ficar muito famoso igual um BBB”, diz Ye. “Nunca postei, mas hoje não aguentei”, acrescenta.
Em seguida, ainda no mesmo dia, o empreendedor publicou um segundo vídeo, falando para a câmera, em que pedia o apoio dos seguidores para identificar os envolvidos. “Está tendo muitos ladrões aqui no Busca Busca. Só hoje pegamos quatro. Postamos só um, mas daqui para frente irei deixar famoso quem roubar aqui dentro [sic]”, afirma. Ye ainda promete um voucher de R$ 500 para clientes que fizerem as denúncias.
Na legenda, a marca complementa o pedido: “Ajude a gente a pegar o ladrão. Temos câmeras em todo canto, só puxar imagem e já é prova. Não precisa ser testemunha”.
Postado na última segunda-feira (26/5), o terceiro vídeo mostra um casal pegando uma caixa em uma das entradas da loja. “Enquanto observava o ambiente, o homem, na maior cara de pau, pega uma caixa e achou que ninguém ia notar”, diz a narração. De acordo com o vídeo, os dois foram abordados pela equipe de segurança ao tentarem deixar o local. Na legenda, a marca questiona: “Será que vale a pena roubar no Busca Busca?”
Procurado por PEGN, o Busca Busca não respondeu até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto.
Especialistas alertam para riscos legais
O Busca Busca não é a primeira empresa varejista que resolve postar “flagras” com o objetivo de inibir furtos em suas lojas. No ano passado, a rede Havan, de Luciano Hang, fez algo similar e fora do Brasil, a loja de cosméticos Lis Cosmetics, dos Estados Unidos, passou a compartilhar vídeos de suspeitos.
Especialistas consultados por PEGN explicam que a estratégia levanta algumas questões legais complexas, pois publicar imagens de pessoas acusadas de furto sem decisão judicial pode infringir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Código Penal, o Código Civil e o Marco Civil da Internet.
De acordo com o advogado Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital, a LGPD (Lei nº 13.709/2018) exige base legal clara para o tratamento de dados pessoais, como a imagem. “A exposição pública por suposto furto não se enquadra em nenhuma base legal legítima, exceto talvez interesse legítimo, mas com forte risco de desproporcionalidade e violação de direitos fundamentais”, diz Coelho.
Além disso, o especialista destaca que o princípio da necessidade e finalidade também está sendo violado nessas situações. “Divulgar imagens para coação pública ou obtenção de denúncias foge totalmente do escopo permitido pela LGPD”, afirma.
No campo penal, a divulgação pode configurar abuso de direito, além de difamação (art. 139) ou até calúnia (art. 138), caso os acusados sejam inocentes, segundo o advogado. Já pelo Código Civil (art. 20), a exposição viola o direito à imagem e à honra, o que pode gerar indenizações por danos morais e materiais.
“Além disso, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que garante a proteção da privacidade e dos dados pessoais, também é violado. O vídeo expõe imagens de terceiros sem autorização, sobretudo sem base jurídica clara”, destaca Coelho.
A advogada Amanda Cunha, especialista em Direito Civil e do Consumidor no escritório Paschoini Advogados, explica que a empresa pode ser alvo de sanções administrativas da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), incluindo advertências, multas de até 2% do faturamento, limitadas a R$ 50 milhões por infração, além do bloqueio ou eliminação dos dados divulgados.
As pessoas expostas também podem entrar com ações cíveis ou criminais, pedindo indenizações e exigindo a remoção imediata dos conteúdos.
O que posso fazer legalmente em casos de furto?
Mesmo que combate a furtos no varejo seja importante, especialistas ressaltam que ele deve seguir os limites legais. A denúncia formal precisa ser feita à polícia ou ao Ministério Público.
O recomendado é que a empresa invista em sistemas de segurança, registre boletins de ocorrência, entregue as imagens à polícia e treine sua equipe para agir conforme a lei.
De acordo com Cunha, do Paschoini Advogados, as empresas devem estabelecer uma política clara de privacidade e treinamento para seus funcionários, “garantindo que todos compreendam os limites legais no uso de dados pessoais e imagens de terceiros”.
“Em vez de incentivar a denúncia pública em redes sociais, a empresa deve criar mecanismos legais adequados para que denúncias sejam feitas às autoridades competentes de forma oficial e resguardando os direitos dos envolvidos”, diz.
Coelho, Godke Advogados, concorda e complementa. “Transformar clientes em delatores mediante recompensa e expor rostos nas redes sociais pode gerar ‘likes’, mas também pode custar caro juridicamente, financeiramente e reputacionalmente. O combate ao furto é legítimo, desde que feito dentro das regras do jogo democrático: com respeito à privacidade, presunção de inocência e devido processo legal”, afirma.