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As incertezas da reforma tributária a seis meses do início da transição

2 de julho, 2025

Governo corre para cumprir prazos, mas problemas no Comitê Gestor do IBS podem travar andamento. Baixe gratuitamente relatório especial

Foto: Ricardo Stuckert / PR

Por Letícia Mori

A seis meses do início da transição da reforma tributária, em janeiro de 2026, os pontos que precisam de definição, regulamentação e esclarecimento por parte do Congresso e do governo ainda trazem insegurança. Não faltam alertas de que as empresas deveriam estar com a preparação avançada – e de que quem esperar demais para planejar a reestruturação fiscal vai enfrentar mais custos e riscos.

“Quem não se preparou já está atrasado” afirmou o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, na última semana, em um evento na Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro). Nesse momento crítico, o JOTA fez um balanço do cenário pré-transição: quais dúvidas persistem, quão desenvolvidos estão os sistemas para a transição e como está a preparação do setor privado para os desafios operacionais cada vez mais próximos.

Do ponto de vista macroeconômico, as pendências normativas e institucionais dificultam prever o impacto da reforma nos próximos anos, afirma o economista Marcus Pestana, presidente da Instituição Fiscal Independente (IFI). O órgão tem trabalhado com uma estimativa de 0,2% de impacto positivo causado pela reforma tributária no PIB potencial em seus relatórios de acompanhamento fiscal. “É uma estimativa provisória até que tenhamos mais elementos. Esse é um daqueles casos em que vamos aprender a nadar nadando. Só a própria realidade vai dar a dimensão dos impactos”.

A Emenda Constitucional 132/2023, que instituiu a reforma, prevê uma transição gradual para o novo sistema tributário, começando em 2026 com o “teste” da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que terá alíquota de 0,9%, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja alíquota será de 0,1%, compensáveis com PIS e Cofins. Esse recolhimento pode ser dispensado se o contribuinte cumprir as obrigações acessórias – ou seja, o mais importante será a discriminação dos tributos na documentação fiscal.

Para desenvolver a parte técnica necessária, o governo começou nesta terça-feira (1/7) o projeto-piloto da CBS, criado pela Receita Federal e pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). O projeto terá participação limitada a 500 empresas para testar os sistemas necessários para o recolhimento da CBS. Neste primeiro momento, 50 contribuintes participarão, porém há previsão de novas fases futuramente, com a possibilidade de entrada de mais companhias.

A cobrança da alíquota definitiva da CBS começa em 2027, ano em que serão extintos o PIS e a Cofins. Ainda não se sabe, porém, a alíquota exata.

Em 2027 também está previsto o início da cobrança do Imposto Seletivo (IS), o fim do IOF e a redução a zero do IPI sobre todos os produtos, com exceção dos industrializados na Zona Franca de Manaus (5% do total). Entre 2029 e 2032, o ICMS e o ISS serão gradualmente substituídos pelo IBS e o processo de transição chega ao fim em 2033, com a extinção dos tributos.

O JOTA preparou um relatório especial que aborda: o que já foi feito e o que falta fazer na regulamentação da reforma; os principais desafios, dúvidas e riscos para as empresas; o cenário atual do split payment; como o setor privado está se preparando e mais.

 

RELATÓRIO EXCLUSIVO

As incertezas da reforma tributária a seis meses do início da transição

A seis meses do início da transição da reforma tributária, em janeiro de 2026, os pontos que precisam de definição, regulamentação e esclarecimento por parte do Congresso e do governo ainda trazem insegurança. Não faltam alertas de que as empresas deveriam estar com a preparação avançada – e de que quem esperar demais para planejar a reestruturação fiscal vai enfrentar mais custos e riscos. “Quem não se preparou já está atrasado” afirmou o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, na última semana, em um evento na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Nesse momento crítico, o JOTA fez um balanço do cenário pré-transição: quais dúvidas persistem, quão desenvolvidos estão os sistemas para a transição e como está a preparação do setor privado para os desafios operacionais cada vez mais próximos.

Do ponto de vista macroeconômico, as pendências normativas e institucionais dificultam prever o impacto da reforma nos próximos anos, afirma o economista Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). O órgão tem trabalhado com uma estimativa de 0,2% de impacto positivo causado pela reforma tributária no PIB potencial em seus relatórios de acompanhamento fiscal. “É uma estimativa provisória até que tenhamos mais elementos. Esse é um daqueles casos em que vamos aprender a nadar nadando. Só a própria realidade vai dar a dimensão dos impactos”.

Calendário – o que começa em 2026?

 A Emenda Constitucional 132/2023, que instituiu a reforma, prevê uma transição gradual para o novo sistema tributário, começando em 2026 com o “teste” da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que terá alíquota de 0,9%, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja alíquota será de 0,1%, compensáveis com PIS e Cofins. Esse recolhimento pode ser dispensado se o contribuinte cumprir as obrigações acessórias – ou seja, o mais importante será a discriminação dos tributos na documentação fiscal.

Para desenvolver a parte técnica necessária, o governo começou nesta terça-feira (1/7) o projeto-piloto da CBS, criado pela Receita Federal e pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). O projeto terá participação limitada a 500 empresas para testar os sistemas necessários para o recolhimento da CBS. Neste primeiro momento, 50 contribuintes participarão, porém há previsão de novas fases futuramente, com a possibilidade de entrada de mais companhias.

A cobrança da alíquota definitiva da CBS começa em 2027, ano em que serão extintos o PIS e a Cofins. Ainda não se sabe, porém, a alíquota exata, embora exista a previsão de que ela gire em torno de 28%, conforme pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Em 2027 também está previsto o início da cobrança do Imposto Seletivo (IS), o fim do IOF e a redução a zero do IPI sobre todos os produtos, com exceção dos industrializados na Zona Franca de Manaus (5% do total). Entre 2029 e 2032, o ICMS e o ISS serão gradualmente substituídos pelo IBS e o processo de transição chega ao fim em 2033, com a extinção dos tributos.

Regulamentação – o que já foi feito e o que falta fazer? 

A primeira lei de regulamentação da reforma (LC 214/2025) foi sancionada em janeiro e traz as regras da CBS e do Imposto Seletivo, além de criar provisoriamente o comitê Gestor do IBS, definir regras sobre a devolução de tributos para consumidores de baixa renda (cashback) e detalhar a vinculação dos mecanismos de pagamento com sistema de arrecadação.

Com o início da transição em 2026, os prazos para definição dos detalhes da reforma são considerados bastante apertados – e a lista é extensa. Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei Complementar 108/2024 detalha o funcionamento do Comitê Gestor do IBS e a distribuição da arrecadação aos estados e municípios. Relator do projeto, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) não garantiu quando deve levar a matéria ao plenário, mas o governo espera que isso aconteça nos próximos meses.

Também são aguardadas as leis ordinárias para definir as alíquotas do Imposto Seletivo e os aspectos operacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Compensação de Benecios Fiscais. A previsão do governo é que os projetos de lei sejam enviados ao Congresso ainda neste ano – eles precisam ser aprovados antes de 2027, quando o IS passa a ser cobrado e quando os fundos já deveriam estar em funcionamento.

Falta, ainda, a edição dos regulamentos da CBS e do IBS. No caso da CBS, o regulamento será definido pelo governo federal e já é tema de grupo de trabalho no Ministério da Fazenda, com a previsão de que seja concluído em 2025, já que a falta do regulamento comprometeria a fase de teste da contribuição. Para o IBS, o regulamento precisa ser criado pelo Comitê Gestor do tributo, mas a questão está travada por uma disputa entre os municípios. De toda forma, como são normas infralegais, os regulamentos não precisam de aprovação do Congresso.

Discordância entre municípios trava andamento da reforma 

Entre as pendências na reforma, a que desponta mais ansiedade é a formação do Conselho Superior do Comitê Gestor do IBS, considerado “absolutamente central” para o funcionamento do novo sistema, afirma o tributarista Marcel Alcades, sócio do escritório Mattos Filho.

A reforma prevê que o comitê tenha participação dos estados e municípios, mas os representantes dos municípios não foram nomeados porque a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) discordam sobre como deve ser essa participação.

“Não existe reforma sem o comitê. Ele é responsável por implementar, regulamentar, arrecadar e distribuir o IBS, além de fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias”, afirma Alcades. “E mesmo que o IBS só entre em vigor de fato em 2029, o regulamento criado pelo comitê é necessário para o cumprimento das obrigações acessórias – que começam já em 2026 – seja integrado com o CBS.”

Para cumprir o prazo previsto na emenda constitucional da reforma, o Conselho Superior foi formado em maio somente com representantes dos estados. Especialistas em Direito Financeiro e Tributário consultados pelo JOTA afirmam que, embora possa adiantar as discussões, a falta de participação dos municípios invalidaria qualquer decisão de fato tomada pelo comitê provisório.

“Qualquer ato que esse comitê tome sem representante municipal é inconstitucional”, afirma Mary Elbe Queiroz, pós-doutora em Direito Tributário e presidente do Centro Nacional para Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret).

“A composição paritária é uma exigência constitucional, e a demora na instalação definitiva seria uma violação ao pacto federativo”, afirma Eduardo Maneira, professor de Direito Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).

O comitê é dotado de independência orçamentária, técnica e financeira, sem vinculação a nenhum outro órgão público. Mas a disputa entre as duas entidades de representantes municipais é um exemplo do tipo de influência e disputa política a que ele está sujeito. Há uma disputa sobre quantos integrantes do comitê a FNP e a CNM podem indicar. Além disso, enquanto a FNP defende que os representantes municipais sejam secretários de finanças das cidades – em paridade com os representantes dos estados, que são os secretários estaduais – a CNM argumenta que eles deveriam ser servidores técnicos. Até que a questão seja resolvida, a aposta de Marcel Alcades é que o comitê “pegue carona” nas definições tomadas pelo grupo da União. “Vai haver pouco tempo para editar tudo o que é preciso fazer”, afirma.

Principais desafios, dúvidas e riscos para as empresas 

Com a necessidade do cumprimento das obrigações acessórias já em 2026, a questão da operacionalidade, desenvolvimento e implementação da tecnologia para o novo sistema tem se tornado uma das principais angústias no dia a dia para as empresas, diz Marcelo Guaritá Borges, sócio do escritório PGBR e professor da ESALQ/USP e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet).

O plano é que o portal da reforma tenha uma série de ferramentas facilitadoras, como alertas de erros, calculadora de tributos e declaração pré-preenchida (nos moldes do Imposto de Renda). A ideia, segundo a Receita, é minimizar erros e permitir que o contribuinte corrija problemas imediatamente, sem precisar esperar uma fiscalização. A Receita Federal prevê entregar em janeiro “o mínimo para tornar viável” o destaque da CBS na documentação fiscal, mas ainda não está claro quais ferramentas vão estar disponíveis já no início de 2026.

“Não é só uma questão simples, só adaptar a nota fiscal. Isso afeta toda a contabilidade e o planejamento da empresa. É preciso fazer a parametrização de todos os sistemas: o contábil, o de planejamento financeiro, o de pagamento de fornecedor”, afirma Alcades.

Para Maneira, da UFRJ, a implementação tecnológica é um dos três pontos de atenção principais. “A transição exige profunda revisão dos sistemas de escrituração contábil e fiscal, além dos ajustes necessários para emissão de documentos fiscais seguindo os ditames dos novos tributos”, afirma.

A gestão tributária “multirregime” durante a fase de transição, entre 2026 e 2032, em que o sistema antigo vai conviver com o novo é um dos outros dois principais desafios. Alcades aponta que, nesse período, uma boa parte dos litígios ainda deve estar relacionada aos tributos que vão acabar.

Split payment 

O terceiro ponto de atenção, segundo Maneira, é a questão do split payment, novo sistema de arrecadação automático, que também vai depender fortemente da tecnologia desenvolvida. A ideia do split payment é separar o valor do produto ou serviço comercializado do tributo a ser recolhido já no momento da liquidação financeira.

O secretário executivo Bernard Appy tem dito que a adoção do split payment será facultativa e em fases – e que as empresas que não conseguirem implementá-lo até 2027 não terão prejuízos.

A Receita não espera que haja recolhimento, de fato, pelo split payment no próximo ano, afirmou Marcos Hübner Flores, gerente de projetos da Receita, durante evento no JOTA. “Cada empresa vai escolher se quer garantir o seu crédito utilizando split payment nas compras e, para isso, vai utilizar um prestador de serviço financeiro que ofereça essa opção”, afirmou.

Se a adoção do modelo do split payment for ampla e bem sucedida, afirma Maneira, o contribuinte não vai precisar se preocupar com a nova forma como os créditos serão contabilizados (no momento do pagamento efetivo do tributo pelo elo anterior da cadeira). Isso porque, via de regra, os tributos que não tenham sido pagos previamente serão recolhidos de forma automática no momento da liquidação da operação.

Nesse sentido, o diretor da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet), Marcelo Magalhães Peixoto, entende que pode haver uma vantagem para os fornecedores que optarem logo pela adoção do split payment. “Só saberemos como o mercado vai se comportar ao longo dos próximos anos, mas eu não duvido que isso possa ser um critério para seleção de fornecedor”, diz Magalhães. Os impactos desse sistema para o fluxo de caixa das empresas devem variar e ser tanto positivos quanto negativos, afirma o advogado.

Se a automação funcionar com fluidez, vai facilitar toda a operação e há vantagens específicas. A apuração única também deve evitar cenários de empresas que têm unidades em estados diferentes e acabam tendo saldo credor em um e saldo devedor em outro, aponta Magalhães.

Outras empresas podem sofrer impactos negativos no fluxo de caixa, diz Mary Elbe Queiroz, especialmente as pequenas e médias, que têm menos acesso a crédito e nas quais um desbalanço de alguns meses no caixa pode até levar à quebra. “Algumas empresas terão que reorganizar seus prazos de compra e de venda, ainda mais enquanto o split payment não estiver totalmente implementado”, diz.

Outro ponto de atenção se dá com a saúde nas cadeias de fornecimento. “As prestadoras de serviço vão ter um aumento brutal na alíquota, de 9,25% no PIS/Cofins e 5,14% em alguns casos no ICMS, para cerca de 28%”, diz Queiroz. “Muitas vezes são empresas que não têm crédito, e que o ‘insumo’ principal é gente, os recursos humanos, então é difícil de cortar gastos.”

Alcades, do Mattos Filho, afirma que tem alertado as grandes empresas de que isso tem que ser levado em consideração na renegociação dos contratos de longo prazo. “Se houver uma pressão muito forte para manutenção de preços, isso pode até quebrar fornecedores”, afirma. De certa forma, diz ele, as grandes empresas, que estão mais preparadas para a reforma, terão uma função educativa importante com seus fornecedores.

Como o setor privado está se preparando? 

Há uma disparidade grande no preparo entre as empresas de diferentes portes para reforma, apontam profissionais da área e consultorias. “As grandes empresas já estão investindo milhões no planejamento e adaptação”, afirma Alcades. Mas, enquanto as empresas que faturam acima de R$ 500 milhões por ano estão bastante adiantadas, empresas médias de faturamento entre R$ 50 milhões e R$ 500 milhões ainda não estão se movimentando, afirma Carlos Eduardo Navarro, sócio de Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.

“A maior preocupação está nesse setor, porque muitas companhias têm o financeiro e o jurídico, mas não uma área específica de tributos. Boa parte nem começou a pensar na reforma”, afirma Navarro. Ao mesmo tempo, explica o advogado, elas são grandes o suficiente para terem necessidades que não serão supridas pelas soluções padrão do mercado. Podem ter sowares customizados, por exemplo, que exigem análise e adaptação individualizadas.

Já as empresas pequenas, abaixo dos R$ 50 milhões de faturamento – que normalmente são atendidas por contadores externos – devem beneficiar das soluções de mercado e não sofrer um impacto tão grande se demorarem para se movimentar, afirma Navarro.

Em 2024, os impactos da reforma foram a maior preocupação dos CFOs das empresas, de acordo com uma pesquisa da consultoria Deloitte, atrás apenas de incertezas sobre o cenário econômico do país. O levantamento mapeou a visão de 105 líderes de finanças do país todo. Uma pesquisa anterior da Deloitte, feita em 2023, mostrou que, embora 76% das empresas ouvidas esperassem uma simplificação com a reforma tributária, a transição trazia preocupações como gastos não previstos (apontados por 60%), insegurança jurídica (49%) e perda de incentivos (42%).

Segundo um levantamento deste mês da consultoria Robert Half, 50% das empresas ouvidas acreditam que poderiam estar mais preparadas e 37% admitiram estar despreparadas. Somente 11% estão confiantes quanto ao nível de planejamento e preparação para a reforma. A pesquisa ouviu empresas grandes (54%), pequenas e médias (44%) da indústria (46%), do comércio (17%) e de serviços (37%) no país todo.

O levantamento também aponta que 53% das empresas pretendem contratar pelo menos mais três novos profissionais especializados. Entre as grandes empresas, 33% têm a expectativa de fazer cinco novas contratações.

Os dados mostram um cenário mais avançado do que o registrado por pesquisa daomson Reuters em meados do ano passado, antes da aprovação da primeira legislação de regulamentação. Entre abril e maio de 2024, 54% das organizações entrevistadas afirmaram estar em estágio inicial de preparação para a reforma e somente 24% consideravam estar avançadas, com recursos alocados e planos de implementação em andamento. Foram questionadas 129 empresas de diversos setores.

Fiscalização e contencioso 

Na agenda de eventos sobre a reforma – cada vez mais movimentada com a aproximação da transição – um ponto que tem sido levantado com frequência é a questão de como será a fiscalização, a autuação e de como serão resolvidas as disputas administrativas e judiciais no novo regime.

É um tema que continua bastante nebuloso: quase não há definição sobre a parte processual na Lei Complementar 214/2025 e na atual redação do PLP 108, o que desperta a preocupação com a possibilidade de as companhias serem fiscalizadas e autuadas por diferentes entes federativos.

Na última semana, Bernard Appy afirmou que não vai haver fiscalização ou autuação dupla no novo regime – mesmo com a opção brasileira por criar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) duplo (IBS e CBS), diferente da proposta original de seguir o modelo padrão internacional, com o IVA único. “A partir dessa opção, criou-se complexidade maior que um único IVA”, afirmou Appy. “Mas no IBS, para o mesmo fato, no mesmo período, um único ente vai fazer a fiscalização. Não vai ter ‘n’ fiscalizações correndo em paralelo para a mesma empresa.”

A reforma prevê um comitê de harmonização para unificar a fiscalização e a jurisprudência administrativa do IBS e da CBS, mas ainda não há definição de como ele vai funcionar. Há críticas, porém, em relação ao órgão pela ausência de representantes dos contribuintes e mesmo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)

Em relação ao julgamento judicial da reforma, está em curso um grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com representantes da União, do Judiciário, dos estados e dos municípios para debater o assunto. O texto final, com a proposição de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), deve ter como base uma sugestão da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Fazenda de que o contencioso judicial seja unificado em um único órgão e que sejam criados dois tipos novos de ação sob competência direta do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O plano, porém, foi criticado em um relatório do STJ, que afirmou que a proposta geraria “desafios orçamentários e administrativos intransponíveis”, dificultaria a ampla defesa e sobrecarregaria a Corte. O relatório também previu a possibilidade de os processos triplicarem no período de transição – em contraste com a expectativa de longo prazo de que a simplificação trazida pela reforma diminua os litígios. Os ministros sugeriram fixar um limite de alçada para execuções fiscais e exigir um requerimento administrativo antes do acesso à Justiça.

Tributaristas ouvidos pelo JOTA avaliam que a previsão de aumento do litígio STJ pode estar “superdimensionada” e ser um “cálculo meramente matemático”, mas tendem a concordar com a avaliação da Corte de que a previsão de integração na cobrança dos tributos “é parca e depende de acordos bilaterais”.

“Se a gente unificou os tributos no sistema do IVA, temos que ter uma demanda única na questão processual. Embora nosso sistema seja dual, o IBS e a CBS estão baseados na mesma legislação”, afirma Marcelo Guaritá Borges, do escritório PGBR. “No campo administrativo será mais fácil essa unificação, mas isso precisa acontecer também nas demandas judiciais.”

Para Carlos Navarro, a questão processual precisa ser definida com urgência, pois é natural haver diversas teses jurídicas sendo discutidas já desde o início. A diminuição do litígio no longo prazo, diz ele, é algo que vai depender fortemente não só da regulamentação, mas de uma mudança de visão tanto do setor privado quanto dos governos e dos estados e municípios. “Se o modelo do IVA será melhor, muito melhor ou se só terá problemas diferentes, vai depender de como a gente, como sociedade, vai agir nos próximos anos”, afirma.

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