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Alta do IOF já sofre ofensiva política e deve ser contestada na Justiça
Alta do IOF já sofre ofensiva política e deve ser contestada na Justiça
Oposição no Congresso apresenta Projeto de Decreto Legislativo para sustar decisão do presidente Lula
Por Bruno Rosa, Juliana Causin e Victoria Abel
O decreto do governo Lula que aumentou alíquotas do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), anunciado na última quinta-feira, deve enfrentar uma ofensiva jurídica e política, mesmo após o recuo em parte das medidas. Deputados e senadores de oposição apresentaram projetos para cancelar todas as novas regras envolvendo o imposto, e tributaristas ouvidos pelo GLOBO destacaram pontos que tendem a parar no Judiciário.
No Congresso, até agora são dois projetos, um na Câmara e outro no Senado, pedindo a anulação do decreto como um todo. Uma das propostas foi apresentada pelo senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado; a outra foi protocolada pelo deputado André Fernandes (PL-CE). Os parlamentares apresentaram um tipo de instrumento, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL), que permite sustar ato do presidente da República.
No caso do IOF, o aumento não precisa passar pelo Congresso. Porém, Câmara e Senado podem aprovar um PDL anulando o decreto de Lula.
“Isso foi feito sem dar tempo aos agentes econômicos de se organizarem para a arrecadação do imposto”, argumenta Rogério Marinho na justificativa do projeto.
Segundo as medidas anunciadas pelo governo na última quinta-feira, o IOF para operações de cartão de crédito, débito e pré-pago no exterior subiu de 3,38% para 3,50%. O IOF para aquisição de moeda em espécie passou de 1,10% para 3,50%.
Natureza regulatória
Para o senador, o governo “extrapolou a natureza regulatória do IOF ao adotá-lo como medida central para o equilíbrio fiscal de curto prazo, o que reduziria a necessidade de contingenciamento por meio de medida puramente arrecadatória”.
Rogério Marinho afirma ainda que as medidas prejudicam a competitividade das empresas brasileiras, penalizam investimentos no exterior e comprometem a credibilidade da política econômica.
Já o deputado André Fernandes justifica que o aumento do tributo pode frear ainda mais os estímulos de crescimento econômico e geração de emprego.
Nos bastidores, o governo vai trabalhar para evitar que os textos sejam votados. Um dos argumentos é que a alta do imposto, cuja previsão inicial era de uma arrecadação de R$ 20 bilhões neste ano, evita um congelamento maior de emendas parlamentares, anunciado em R$ 7,8 bilhões.
No campo jurídico, a instituição de uma cobrança de IOF sobre aportes acima de R$ 50 mil mensais em planos de previdência VGBL e o aumento em algumas operações de crédito para empresas deverá ser alvo de questionamento. A alta das alíquotas levanta dúvidas entre tributaristas, que criticam a falta de clareza em pontos do decreto.
Entre outros pontos que podem render contestações judiciais, o economista e advogado Eduardo Fleury, fundador do escritório FCR Law, cita, em especial, o fato de as operações de risco sacado, quando uma empresa antecipa o valor a receber de uma venda feita a prazo por meio de um título com uma instituição financeira, serem tributadas como operações de crédito.
— É uma questão que está no limbo no direito brasileiro porque o risco sacado poderia ser olhado como simplesmente uma transação de venda de títulos — avalia Fleury, que diz que este tem sido um ponto de crítica levantado pelo mercado.
Julio de Oliveira, sócio do Machado Associados, acredita que há chances de judicialização de parte dos aumentos:
— Vejo como muito inadequado se utilizar do aumento do IOF, imposto nitidamente regulatório, para equilibrar contas públicas. A função primordial do IOF é intervir em situações de desequilíbrio do mercado, e não no desequilíbrio das contas públicas por descontrole de gastos. Assim, alguns contribuintes poderão provocar o Poder Judiciário alegando que houve desvirtuamento da função constitucional do IOF.
Para Rodrigo Antonio Dias, sócio do VBD Advogados, as novas regras criaram um cenário em que empresas que operam com contratos de longo prazo e precificação prévia foram surpreendidas com aumento de custos, sem possibilidade de ajuste contratual imediato:
— O governo brasileiro havia sinalizado uma redução gradual do IOF até 2029, gerando expectativa legítima e confiança por parte dos agentes econômicos. A reversão desse cronograma sem diálogo pode ser interpretada como quebra de previsibilidade.
Votos divergentes
Dias destaca que o STF e o STJ têm decidido que não existe direito adquirido a regime jurídico-tributário e que o IOF, por seu caráter extrafiscal, pode ser alterado por decreto e com efeitos imediatos.
— Isso reduz as chances de sucesso em uma judicialização baseada apenas na mudança abrupta. Por outro lado, há votos divergentes nos tribunais que enfatizam a segurança jurídica e a confiança legítima, indicando que há espaço para discussão sobre os limites dessa prerrogativa do Fisco. Se ficar demonstrado que o aumento visou arrecadar recursos, e não regular o mercado financeiro, a medida pode ser questionada por desvirtuar a finalidade legal do tributo.
Segundo Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, o risco de judicialização ocorre porque o IOF é um imposto de natureza extrafiscal, ou seja, seu objetivo deve ser regular o mercado, e não arrecadar. Para ele, já existem especialistas e escritórios avaliando ações, já que as medidas geram insegurança jurídica, afetam a confiança de investidores e podem derrubar a arrecadação esperada.
— Quando o governo anuncia aumentos amplos e pouco justificados tecnicamente, como no caso de aportes elevados em previdência ou operações específicas de crédito, abre margem para contestação por desvio de finalidade. Na prática, o mercado entendeu algumas dessas medidas como tentativa de tapar buracos fiscais, e não como ajustes regulatórios. Isso fragiliza a base jurídica do aumento e fortalece o argumento de inconstitucionalidade.
Sinalização ruim
O professor da FGV e advogado tributarista Carlos Eduardo Navarro lembra que o país vinha em um movimento de enfraquecimento progressivo do IOF, alinhado à agenda de entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
— É uma sinalização ruim, porque o IOF estava sendo esvaziado, inclusive em termos arrecadatórios, e agora renasce como instrumento de política fiscal — avalia.
Richard Dotoli, sócio do Costa Tavares Paes Advogados, avalia que as novas alíquotas do IOF podem ter a constitucionalidade questionada no STF. Segundo ele, a maioria dos debates na Corte acerca do IOF privilegia a decisão do Poder Executivo, em detrimento dos argumentos trazidos pelo contribuinte, mas ele ressalta que um tema pouco explorado no Supremo é o princípio da efetividade econômica, especialmente quando essa norma é acompanhada de justificativas econômicas pouco transparentes.
— No caso do IOF, ao que parece, o Governo Federal se utiliza de um tributo de natureza regulatória para fins arrecadatórios, desvirtuando sua natureza e se afastando da efetividade econômica e jurídica designada para esse tributo.