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Advogados veem possível punição para defesas de réus da trama golpista

1 de julho, 2025
Foto:  Geraldo Magela/Agência Senado

Por Fabíola Perez e Victoria Bechara

O tenente-coronel Mauro Cid disse à Polícia Federal sobre uma suposta pressão de advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-ajudante de ordens Marcelo Câmara para impedir o andamento de sua delação premiada. Advogados ouvidos pelo UOL divergem sobre os limites da atuação das defesas neste caso, mas veem possibilidade de punição por obstrução de Justiça.

O que aconteceu 

Em depoimento à PF, Cid relatou episódios de abordagens a seus familiares. Ele afirma que sua esposa, sua mãe e a filha, de 14 anos, foram procuradas insistentemente pelos advogados Paulo Cunha Bueno, Fábio Wajngarten e Eduardo Kuntz.

Os três serão ouvidos pela PF hoje, por determinação de Moraes. Bueno defende Bolsonaro no caso da trama golpista. Já Wajngarten deixou a defesa do ex-presidente nos processos do STF em agosto de 2024.

Kuntz é investigado por obstrução de Justiça. STF autorizou abertura de inquérito após o advogado entregar supostas trocas de mensagens com Cid, nas quais ele critica a delação.

Atuação dos advogados gera controvérsias. Especialistas consultados pelo UOL avaliam que eles podem ter violado as prerrogativas da advocacia. Já outros dizem que a conduta não ultrapassou limites legais.

“A conversa de advogados com familiares dos investigados, por si só, não é ilícita”, diz o advogado Gustavo Badaró, professor de direito penal na USP. “O que poderá ser considerado ilegal é se, mais do que conversa, houver sugestões de mentira, ameaças para mudar versões, ou qualquer tipo de coação.”

Crime de obstrução de Justiça admite a modalidade tentada. A advogada criminalista Ana Beatriz Krasovic explica que, mesmo que a delação tenha corrido normalmente, Kuntz pode responder pelo crime se comprovado que houve atos executórios iniciais com intenção.

Advogados veem a possibilidade de decretação de prisão preventiva. Eles avaliam, no entanto, que a medida seria exagerada, e caberiam sanções mais leves, como a proibição de se comunicar com o delator e outros réus.

Para o criminalista Rafael Fonseca, a conduta dos advogados também configura infração disciplinar ética. Caso isso se confirme, eles poderiam ser punidos pelo Conselho de Ética da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) com advertência ou até suspensão.

Casos se conclua que a atitude do advogado não se limitou a legítima atividade de investigação defensiva, caracterizando o chamado crime de obstrução de justiça, e houver risco à investigado ou perigo de fuga, em tese, poderia ser decretada a prisão preventiva, se não for suficiente medida cautelar menos gravosa.”
Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP

Wajngarten afirmou que ordem de Moraes é criminalização da advocacia. Especialistas refutam essa alegação, já que se trata de uma investigação com direito à ampla defesa, e não de uma condenação.

“Os limites são muito tênues”, diz Fonseca. “Uma coisa é procurar a outra parte ou advogados da outra parte para saber de detalhes que não estão claros na investigação. O que não se pode fazer é tentar acessar um processo sob sigilo, e mais, procurar familiares.”

Fonseca avalia, porém, que também houve excesso de Moraes. “Abertura da investigação contra o advogado é tentativa de intimidar. Se a defesa se acovarda diante disso, a parte prejudicada é o acusado”, diz.

Kuntz nega ter entrado em contato com Cid. “Ele não procurou Mauro Cid. É exatamente o contrário. Isso está documentalmente demonstrado”, afirma o criminalista Alberto Toron, que assumiu a defesa de Kuntz. “Conversar sobre a delação não é crime e, à época, não havia qualquer tipo de restrição em relação ao coronel Câmara”, completa.

Uma investigação demonstrará com maior profundidade quais foram as condutas praticadas pelos advogados e como se deu a abordagem dos familiares de Mauro Cid, com o fim de identificar se agiram conforme os limites legais ou não.”
Beatriz Alaia Colin, especialista em direito penal

Quando o cenário implica em contatar familiares de parte envolvida no procedimento – que não seu advogado ou a própria parte, adentramos aos iniciais atos executórios do crime de obstrução da justiça: a tentativa de impedir e influenciar o ato.”
Ana Beatriz Krasovic, advogada criminalista

Investigação defensiva ou obstrução de Justiça?

 Kuntz disse ao UOL que deu corda para desabafos de Cid em um “processo de investigação defensiva”. “Pressupõe que você queira obter informações”, afirma. “Dei corda e dei linha, de forma investigativa. Não interferi, não perguntei ‘você não quer mudar o que está falando?’ Dei corda para os desabafos.”

Advogados afirmam que há um limite para a investigação defensiva. “A investigação defensiva pode produzir provas, angariar testemunhas, mas sem intervir no ato de outro interessado. Por óbvio, são atos que não podem extrapolar os limites legais”, diz Krasovic.

Badaró diz que a investigação pode ser um fator de desestímulo para a atividade. “Não há limites muito claros entre o que é a atividade investigativa lícita e a ilícita. É preciso que haja uma lei disciplinando de forma clara e objetiva quais são os poderes dos advogados para realizar investigação defensiva, bem como quais são suas proibições e limites”, opina.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/07/01/advogados-atuacao-defesas-trama-golpista.htm

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