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Desafios e oportunidades do mercado de carbono europeu

7 de novembro, 2022

Crédito de carbono pode vir a servir como pagamento pelo serviço ambiental prestado na conservação de florestas para além da reserva legal definida pelo Código Florestal

Por Christian Rosa e Bruno Galvão

07/11/2022

(Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo)

Estados nacionais e organismos multilaterais têm se empenhado para estruturar um ambiente institucional adequado, com regras que definam incentivos e controles aptos a promover a convergência entre o desenvolvimento socioeconômico e a responsabilidade ambiental.

De um lado, é preciso internalizar nos custos da produção industrial os ônus socioambientais de suas atividades. O uso de recursos naturais, o despejo de resíduos e emissões na atmosfera impactam toda a sociedade, e é adequado que essa carga possa ser imposta, de maneira racionalizadora, ao empreendedor. De outro, é fundamental a preservação da indústria local, garantindo postos de trabalho e domínio tecnológico sobre atividades econômicas estratégicas.

Tocantins tornou público arranjo pioneiro na comercialização de créditos institucionais de carbono

Não há uma solução predeterminada de regulação ou fórmula institucional pronta que se possa aplicar em quaisquer jurisdições. Mas esforços nesse tema já começam a definir parâmetros de boas práticas, alinhadas até mesmo com o comportamento do consumidor, que cada vez mais valoriza a produção sustentável e frequentemente está disposto a pagar mais por isso.

Nesse cenário, a resposta europeia às mudanças climáticas e ao desenvolvimento sustentável, o chamado Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), ocupa posição central nas discussões políticas do bloco. E um de seus elementos fundamentais é o sistema europeu de mercado de carbono, que vem sendo reformulado.

A grande crítica ao Regime Comunitário de Licenças de Emissão da União Europeia (European Emissions Trading System, ETS) é o mecanismo de distribuição de permissões gratuitas de emissão, utilizado pela UE para combater um efeito indesejável de sua política continental de controle de emissões: a transferência de sua indústria a países com exigências climáticas mais brandas, o chamado “carbon leakage”.

Para substituir essa distribuição gratuita de licenças, a UE hoje debate o CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism), uma cobrança aduaneira pela emissão de CO2 de alguns bens a serem importados pela Europa, em especial da indústria pesada (siderurgia, química etc). O valor dessa taxa será atrelado ao das permissões comercializadas na ETS.

Assim, a indústria europeia não teria mais o incentivo de produzir em países fora do bloco, pois, ao comercializar seus bens na Europa, teria que pagar pelas emissões tanto quanto se estivessem na UE. A proposta de regulamento foi aprovada em primeira votação pelo Parlamento Europeu e aguarda a posição do Conselho de Ministros (composto pelos chefes dos poderes executivos dos Estados-membros), o que deve ocorrer ainda neste ano de 2022.

O CBAM já é visto com preocupação pela indústria brasileira em razão dos impactos comerciais e pelos custos de operacionalização que este novo sistema poderá trazer. Porém há muito mais oportunidades ao Brasil neste mercado de carbono do que desafios.

O potencial dos créditos de carbono do Brasil tem dois grandes fluxos de oportunidade, especialmente na Europa. O mais óbvio é sua comercialização no mercado voluntário europeu, já que o mercado regulado, desde 2021, não permite a utilização de créditos internacionais para a compensação das emissões nos limites territoriais estipulados pela Comissão Europeia.

Isso porque, para além do regramento mínimo estabelecido para a redução e compensações locais, produtos que neutralizam suas pegadas de carbono, ou são carbono-negativos, podem usar essa marca como elemento de diferenciação da mercadoria, alcançando nichos de consumo que percebem nessa característica uma variável crítica da escolha, independentemente do preço. Este mercado, voluntário, deve crescer consideravelmente nos próximos anos.

Outra possibilidade, ainda pouco distante, é de que o crédito de carbono venha a servir como pagamento pelo serviço ambiental prestado na conservação de florestas para além da reserva legal definida pelo Código Florestal. A UE vem discutindo a proibição da comercialização de commodities agropecuárias no mercado europeu, quando produzidas em zonas desmatadas, lícita ou ilicitamente, a partir de 12/2019. E como essa nova diretriz europeia afetaria inclusive áreas que no Brasil são legalmente passíveis de produção, o crédito de carbono pode ser um instrumento de incentivo ao produtor agropecuário brasileiro, para que preserve para além das obrigações legais da norma brasileira.

No Brasil, é preciso que a indústria, o agrobusiness e até mesmo a administração pública estejam atentos aos novos parâmetros de mercado. E por isso merece destaque o movimento realizado pelo Estado do Tocantins, em um arranjo pioneiro na comercialização de créditos institucionais de carbono.

Por meio da Tocantins Parcerias, companhia integrante da administração pública estadual, recentemente tornou público um projeto para colocar o Estado no mercado de carbono voluntário, disponibilizando em mercado esse ativo proveniente de seus esforços de redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal.

Em seu chamamento público, o Estado manifestou interesse em estabelecer relação com um parceiro privado com atuação no mercado de carbono, que possa financiar a estruturação da administração estadual, tornando-o elegível a disponibilizar créditos de carbono certificados ao mercado nacional e internacional. Desse modo, a um só tempo ficam reforçadas as razões pela proteção do meio ambiente nos limites do Estado e promove-se, em benefício do erário e da população local, a rentabilização desse ativo verde, constituindo-se mais uma fonte de receita para o desenvolvimento de políticas públicas.

A iniciativa é inovadora e merece ser acompanhada de perto. A exploração desse mercado nascente pela indústria e setor agrícola brasileiro, e agora também pela administração pública, pode colocar o país em posição bastante vantajosa no mercado internacional, aliando de maneira muito proveitosa a promoção do desenvolvimento econômico e a proteção aos recursos naturais.

Christian Fernandes Rosa é advogado no Brasil e em Portugal, economista, mestre em direito pela Universidade de São Paulo, mestre em Gestão Econômica pela Panthéon-Sorbonne e sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.

Bruno Galvão é advogado no Brasil, em Portugal e na Alemanha, L.L.M pela Freie Universität Berlin, especialista em ESG e Investimento de Impacto pela Frankfurt School of Finance & Management e Co-head do Brazilian Desk do escritório alemão Blomstein.

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/desafios-e-oportunidades-do-mercado-de-carbono-europeu.ghtml

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