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Projeto Antifacção: instrumento para confiscar antecipadamente bens do crime gera impasse entre governo e Derrite

14 de novembro, 2025

Projeto Antifacção: instrumento para confiscar antecipadamente bens do crime gera impasse entre governo e Derrite

Relator excluiu perda antecipada de patrimônio, proposta pelo Planalto, e defende que decisão seja via ação civil separada

Por Eduardo Gonçalves e Bernardo Mello
— Brasília e Rio

Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Em mais um capítulo da queda de braço entre o governo Lula e o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), relator do PL Antifacção, aliados do Palácio do Planalto criticaram o parlamentar por excluir o “perdimento extraordinário de bens” da proposta de combate ao crime organizado. Na última versão do seu relatório, divulgada na quarta-feira, Derrite propôs uma “ação civil de perdimento de bens”, que corra de forma independente à investigação criminal. Apesar de preverem ritmos distintos, ambas as propostas são vistas por especialistas como mais céleres do que a legislação atual, e se assemelham a medidas propostas pela Lava-Jato em 2015.

Hoje, a legislação só permite o confisco de bens após uma sentença criminal condenatória; durante a investigação, o patrimônio de suspeitos pode ser apreendido por decisão judicial. Autoridades da área de segurança pública defendem o confisco antecipado como forma de evitar dificuldades para reter bens como aeronaves, veículos e imóveis, por vezes mantidos em nome de familiares ou laranjas de criminosos.

Para facilitar esse confisco, o Ministério da Justiça propôs, no texto original do PL Antifacção, novos artigos no Código de Processo Penal para que o juiz possa decretar a perda antes mesmo do fim do processo judicial. Esse “perdimento extraordinário”, segundo a proposta, poderia ser aplicado mesmo se o processo for arquivado ou extinto em caso de prescrição ou morte do réu.

O relatório inicial de Derrite suprimiu esse “perdimento” sem propor algo em seu lugar. Diante da repercussão negativa, ele incluiu em sua versão mais recente uma “ação civil de perdimento de bens”, um novo instrumento judicial em que o juiz pode confiscar patrimônio quando houver indício de que ele surgiu de atividades ilícitas. Derrite estipulou ainda que essa ação é “imprescritível” e independe da “aferição de responsabilidade” na ação criminal, que por vezes caminha de forma mais lenta.

— Você não olha mais só para o réu, mas para o patrimônio dele. É uma medida civil que tem um efeito fenomenal para recuperação de ativos. Segue a legislação da Colômbia e uma recomendação da ONU — afirmou Vladimir Aras, procurador federal e professor da Universidade de Brasília (UnB).

A proposta do governo previa que essa declaração de perda ocorresse dentro da investigação criminal, sem gerar uma nova ação judicial. Além disso, estabelecia que, após a apreensão dos bens, os investigados tivessem 15 dias para “comprovar a origem lícita”; sem essa comprovação, o juiz já poderia decretar o perdimento extraordinário, ainda que não houvesse condenação pelo crime principal posteriormente.

— A opção por esse incidente é porque é muito mais rápido. Fica menos burocrático e seguro, porque você corre o risco de ter duas decisões antagônicas, a da ação criminal e a da civil. Entendemos que o juiz natural da causa tem muito mais elementos para julgar e conseguir alcançar o bem mais rápido — explicou o secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.

Na avaliação de Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio e especialista em Direito Penal, as propostas do governo Lula e de Derrite têm paralelo com a “ação de extinção de domínio”, proposta por integrantes da Lava-Jato dentro do chamado “pacote de dez medidas contra a corrupção”, na década passada. A proposta em questão permitia a perda de bens mesmo que não houvesse condenação dos investigados.

Outra medida similar, segundo o especialista, é o “confisco alargado”, aprovado no pacote anticrime do então ministro da Justiça Sergio Moro, em 2019: a regra passou a permitir a perda de bens de condenados, ainda que não tenham relação direta com o crime, caso não fique comprovada a origem.

— É tirar os bens sem exigir condenação criminal. Não é o que acontece hoje, por exemplo, no caso de uma operação como a Carbono Oculto: todos os bens estão apreendidos, mas em nenhuma hipótese são perdidos antes da sentença.

Bottino reconhece que há dificuldades para asfixiar organizações criminosoas, mas ele avalia que ambas as propostas, a do governo e a de Derrite, “invertem o ônus da prova” e contradizem o princípio do processo penal de que os “condenados perdem o que foi obtido de forma criminosa”.

A advogada criminalista Ana Krasovic pondera que o relatório de Derrite impede o perdimento de bens caso o juiz “reconheça taxativamente a inexistência” de crime atribuído ao investigado. Já o texto do governo, segundo a advogada, prevê uma lista específica de crimes de facções que podem levar à perda de bens.

Pedido de ‘empenho’

Além do impasse sobre o confisco de bens, Derrite e o governo Lula já travaram um embate sobre a equiparação de crimes cometidos por facções às penas da Lei Antiterrorismo, que era pretendida pelo relator. Após críticas, porém, ele recuou dessa equiparação e propôs, em seu lugar, um “marco legal do combate ao crime organizado ultraviolento”, isto é, uma legislação autônoma às de terrorismo e à atual Lei de Organizações Criminosas.

Na quinta-feira, em paralelo às discussões sobre o PL Antifacção, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse que Lula pediu “empenho” de ministros para aprovar a PEC da Segurança, que busca reforçar a integração entre governo federal e estados. Segundo Gleisi, o pedido foi para que a PEC caminhe junta ao projeto antifacção.

— O presidente pediu empenho aos ministros para que os dois projetos, PEC da Segurança Pública e o projeto de lei antifacção, sejam aprovados. Nos preocupam alguns pontos do relatório (de Derrite). O perdimento extraordinário é importante que volte ao projeto — afirmou Gleisi.

A declaração ocorreu após reunião de Lula para discutir segurança pública com todos os seus ministros que já foram governadores: Rui Costa (Casa Civil), da Bahia; Geraldo Alckmin (Indústria e Comércio), de São Paulo; Renan Filho (Transportes), de Alagoas; Camilo Santana (Educação), do Ceará; Wellington Dias (Desenvolvimento Social), do Piauí; e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional), do Amapá. O tema ganhou mais espaço na agenda do Planalto após a repercussão da operação do governo do Rio, há duas semanas, que deixou 121 mortos.

(Colaboraram Ivan Martínez-Vargas e Jeniffer Gularte)

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/11/14/projeto-antifaccao-instrumento-para-confiscar-antecipadamente-bens-do-crime-gera-impasse-entre-governo-e-derrite.ghtml

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