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PGR confirmou existência de minuta golpista, ao contrário do que diz advogado
Gonet afirmou que organização criminosa criou documentos para dar suporte teórico ao golpe de Estado; procurado, Jeffrey Chiquini apontou contradições na delação de Mauro Cid
Por Talita Burbulhan
Foto: Reprodução/Facebook
O que estão compartilhando: que a Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão responsável por denunciar os envolvidos na trama golpista, teria confessado que não existe uma “minuta de golpe”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Em manifestação mais recente, a PGR reiterou a existência de uma minuta golpista. A Procuradoria mostrou que documentos que buscavam criar um suporte teórico para justificar medidas excepcionais no País circularam entre membros da organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado, no final de 2022. A PGR apontou o ex-assessor de assuntos internacionais do governo Bolsonaro Filipe Martins como responsável pela construção do suporte jurídico-legal necessário ao sucesso do projeto autoritário idealizado pelo grupo.
Em resposta enviada ao Verifica, o autor do vídeo analisado aqui, o advogado Jeffrey Chiquini, responsável por defender Martins, disse que a minuta atribuída ao cliente dele nunca apareceu nos autos e listou contradições no depoimento do ex-assessor de ordens de Jair Bolsonaro Mauro Cid. Por ter fechado um acordo de delação premiada, as informações fornecidas por Cid têm sido usadas para auxiliar a sustentação da acusação da PGR.
Saiba mais: Chiquini gravou um vídeo reagindo às alegações finais da PGR contra Martins. Em determinado momento da gravação, que tem quase 9 minutos de duração, Chiquini diz que nunca existiu uma minuta de golpe e que a própria PGR teria confessado isso nas alegações finais, o que não é verdade.
Publicado no dia 25 de setembro, o vídeo acumula mais de 216 mil visualizações.
O que disse a PGR
A PGR enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) as alegações finais da Ação Penal 2693, que julga o núcleo 2 dos envolvidos em atos contra o Estado Democrático de Direito. As alegações finais são as últimas manifestações feitas, tanto pela defesa quanto pela acusação, antes do julgamento, cuja data ainda será marcada.
A manifestação, que tem cerca de 340 páginas, defende a condenação das seis pessoas que fazem parte do núcleo gerencial – conhecido também como núcleo 2 – da tentativa de golpe de Estado. Dentre elas, está Martins. Ele foi apontado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, como responsável pelo projeto de decreto que implementaria “medidas excepcionais” do golpe, documento que ficou conhecido como “minuta golpista”. A defesa dele nega a autoria do documento.
Alegações finais – Ação Penal 2693 – Núcleo 2
As páginas 79 a 129 das alegações finais são dedicadas a apresentar as provas contra Martins. Nelas, a PGR argumentou que ele era pessoa da confiança de Bolsonaro e “comprovadamente o auxiliava na redação de textos sensíveis, como era o caso do decreto que viabilizaria a insurreição”.
Mais adiante, o procurador informa que Martins fez interlocuções relevantes com indivíduos que, segundo as investigações, potencialmente testemunharam a criação do documento. Um deles é o advogado Amauri Feres Saad, apontado no relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro como uma espécie de “mentor intelectual” da minuta do golpe.
Gonet conclui que o papel de Martins na trama golpista foi o de elaboração da minuta de decreto que visava instituir medidas de exceção no País, sob a liderança de Bolsonaro. Ou seja, a PGR não confessou que não houve minuta.
Investigação encontrou diferentes versões de minutas de golpe
Diferentemente do que o vídeo dá a entender, a investigação da Polícia Federal apreendeu “minutas de golpe” na casa de Torres e no celular do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Segundo o ex-comandante do Exército Freire Gomes, ainda houve a apresentação de um documento sobre decreto de estado de sítio no País, em reunião entre Bolsonaro e militares no Palácio do Alvorada em 7 de dezembro de 2022.
Em delação premiada, em junho, Cid disse que Bolsonaro recebeu, leu e “enxugou” a minuta de golpe. Em interrogatório presidido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o ex-presidente negou ter mexido no conteúdo. Bolsonaro, contudo, reconheceu que os “considerandos” que fazem parte do documento foram apresentados na reunião com os generais no Alvorada.
Ou seja, a investigação encontrou provas da existência de diferentes versões do documento. Em todas elas, no entanto, o conteúdo era de teor golpista.
Na resposta que Chiquini enviou ao Verifica, ele questiona as informações prestadas por Cid. “Nenhuma das versões exibidas [nos autos] bate com a ‘minuta fantasma’ descrita pelo delator, as versões do próprio Cid se chocam entre si, e não há prova material da peça que ele atribui ao meu cliente”, disse Chiquini.
O advogado argumenta que falta materialidade para apontar seu cliente como o autor do conteúdo. “É um homicídio sem corpo”, argumenta ele no vídeo ao defender Martins das acusações.
Na avaliação da advogada do escritório Wilton Gomes Advogados Beatriz Alaia Colin, a defesa de Filipe Martins leu os fatos de uma maneira diferente da PGR, o que é algo legítimo dentro do processo legal.
“O advogado, no exercício da defesa, é constitucionalmente assegurado da prerrogativa de, combativamente e dentro dos parâmetros da legalidade, expor suas teses da maneira que melhor entender para solucionar o caso em favor de seu cliente”, afirmou Colin, que também é especialista em Direito Penal Econômico e em Direito Penal e Processo Penal Nacional e Europeu.
No entanto, explica a advogada, não houve afirmação categórica da Procuradoria-Geral da República, em suas alegações finais, de que não existiu minuta de golpe. “A PGR concretamente aduziu foi, ao contrário, que existiam diversas minutas de golpe, que progressivamente eram incrementadas, algumas das quais efetivamente apreendidas, e outras cuja existência foi confirmada pela prova testemunhal colhida durante a instrução”.
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