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Atalhos e retalhos na tributação da renda

25 de setembro, 2025

Falta de coordenação entre projetos e medidas provisórias sobre renda e dividendos mina a previsibilidade e amplia litígios

Hamilton Dias de Souza
Hamilton Dias de Souza

Luís Felipe Rangel
Luís Felipe Rangel

Nos últimos meses, o governo federal apresentou, em paralelo, um projeto de lei ordinária (projeto de lei 1.087/2025), um projeto de lei complementar (PLP 182/2025) e uma medida provisória (MP 1.303/2025) com forte impacto sobre a tributação da renda, das aplicações financeiras e dos dividendos. A leitura conjunta desses textos revela um cenário preocupante: a arrecadação como objetivo central, sem um mínimo de coordenação legislativa ou análise séria dos seus efeitos econômicos.

O projeto de lei 1.087/2025 amplia a faixa de isenção do IRPF, mas compensa a renúncia instituindo um “imposto de renda mínimo” e a retenção de 10% sobre dividendos distribuídos a pessoas físicas e a não residentes. O modelo resulta em sobreposição de incidências, restituições vultosas e tardias, incentivo à litigiosidade e risco de as empresas reterem lucros em vez de distribuí-los.

Paralelamente, a MP 1.303/2025 cria uma alíquota uniforme de 17,5% para rendimentos de aplicações financeiras e ativos virtuais, alterando profundamente a tributação de fundos, derivativos e criptoativos. O texto, editado sem debate prévio, não dialoga com o projeto sobre IRPF: ambos incidem sobre rendimentos de capital, mas partem de premissas, alíquotas e mecanismos de apuração distintos, aumentando a opacidade do sistema.

Some-se a isso o PLP 182/2025, que mexe em pilares da legislação complementar da renda, mas também sem a devida coordenação com as medidas anteriores. O resultado é um mosaico de normas que se sobrepõem sem lógica comum. A falta de critérios mínimos sobre quando tratar o tema por lei ordinária, complementar ou medida provisória expõe um desrespeito às definições de competências normativas e mina a segurança jurídica.

Vale lembrar que essa lógica de solavancos não começou agora. A Lei 14.754/2023 já havia redesenhado, de modo abrupto, a tributação dos fundos exclusivos e das aplicações no exterior por pessoas físicas, com a introdução de come-cotas semestral, regras de transparência/antecipação do IR sobre rendimentos no exterior e regimes de transição complexos. Menos de dois anos depois, a MP 1.303 volta a mexer nas mesmas bases sem qualquer articulação com o IRPF do projeto de lei 1.087. O efeito combinado é um sistema que prioriza caixa no curto prazo e transfere ao contribuinte os custos, inclusive de compliance.

O contraste com a reforma do consumo é evidente. A Emenda Constitucional 132/2023 e a LC 214/2025 foram fruto de amplo debate, com desenho institucional claro e discussão sistemática de impactos sobre setores e entes federados. Ainda assim, há inúmeras questões em aberto e problemas no horizonte. Ora, o que esperar no caso da renda, quando o que se tem é apenas o improviso? Este fica explícito com as propostas, que não dialogam entre si, não enfrentam a calibragem entre pessoa jurídica e física e que se apoiam em estimativas frágeis.

As consequências econômicas são sérias. Aumentar de forma descoordenada a tributação de dividendos, aplicações financeiras e investimentos estrangeiros desestimula a formação de capital, fragiliza a competitividade e reacende velhos fantasmas, como a distribuição disfarçada de lucros. Afeta-se, ainda, a previsibilidade dos fluxos de caixa de empresas e investidores, com impacto sobre emprego, consumo e formalização.

O país não precisa de puxadinhos arrecadatórios, mas de uma reforma coordenada da renda. Um projeto elaborado por comissão técnica independente, capaz de pensar a integração entre pessoa jurídica e pessoa física, o tratamento de rendimentos do capital, as peculiaridades setoriais e a competitividade internacional, seguido de debate aprofundado no Congresso. Esse é o caminho responsável, transparente e compatível com os princípios constitucionais de simplicidade, neutralidade e capacidade contributiva.

Do improviso, é possível esperar somente mais litígios, menos investimentos e maior desconfiança. O Brasil conhece o preço dessa receita.

Hamilton Dias de Souza
Sócio-fundador do Dias de Souza Advogados Associados, mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Luís Felipe Rangel
Advogado de Dias de Souza Advogados Associados, mestre em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

https://www.congressoemfoco.com.br/artigo/112277/atalhos-e-retalhos-na-tributacao-da-renda

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