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Tributaristas veem erro em fala de auxiliar de Haddad sobre IR zerado a empresas
Para especialistas, secretário de Política Econômica recorre a simplismo e faz declaração infeliz sobre tema no Brasil
Stéfanie Rigamonti
SÃO PAULO
(Foto: Agência Brasil)
A afirmação do secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, de que existem grandes empresas que pagam zero de Imposto de Renda é vista como infeliz, simplista e equivocada por especialistas em tributação.
“Há anos, existem grandes empresas que pagam zero. Zero. Existe um conjunto de regimes especiais, compensações, incentivos que criam uma distorção. Às vezes você vê um grande conglomerado internacional pagando alíquotas [efetivas] ínfimas e empresas do Simples pagando mais”, disse Mello.
A declaração do auxiliar do ministro Fernando Haddad (Fazenda) foi dada na semana passada durante inauguração do CPFO (Centro de Política Fiscal e Orçamento), do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O advogado Miguel Neto, sócio fundador da Miguel Neto Advogados, diz que a afirmação não é correta.
Há, sim, segundo ele, grandes companhias que hoje não pagam IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) no Brasil, mas por causa de uma compensação conquistada na Justiça, após elas pagarem durante anos impostos indevidos no passado e, por isso, hoje usufruem de créditos tributários.
Além disso, Neto cita outro exemplo de empresas que possuem incentivo fiscal por gastarem o que o governo deveria desembolsar para se instalar em determinadas regiões do país.
“Isso nada mais é do que uma contrapartida para as empresas irem a áreas que estariam abandonadas sem o investimento que elas fazem nessas regiões. Então, elas investem em infraestrutura, treinamento da mão de obra, logística e geram empregos onde não tem”, diz o advogado.
“Para atrair essas companhias, o governo dá isenção de IR sobre o lucro, mas elas pagam diversos outros tributos”, afirma.
O advogado Carlos Navarro, sócio na Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, acrescenta que não há nada de incomum no Brasil do que ocorre no restante do mundo. Para ele, o secretário fez uma confusão infeliz entre empresas com regime de tributação de lucro real e presumido.
Ocorre que empresas que estão dentro do regime de lucro real pagam Imposto de Renda apenas quando têm lucro. Muitas dessas companhias, quando passam anos no prejuízo e voltam a lucrar, pagam um IR abaixo da alíquota-padrão, para compensar o longo período em que estiveram com as contas no vermelho.
“O que está fora do normal é pagar imposto mesmo quando a empresa dá prejuízo, como acontece com aquelas enquadradas no regime de tributação de lucro presumido ou no Simples Nacional”, diz Navarro.
Para Leonardo Briganti, sócio fundador da Briganti Advogados, o maior ponto de discussão aqui não são as grandes empresas que não pagam IR, já que estas geralmente não contribuem por estarem no prejuízo. A questão maior, segundo ele, está relacionada aos possíveis planejamentos tributários que grandes empresas que apuram seus resultados pela sistemática do lucro real desenvolvem para reduzir o lucro fiscal.
“Entendo que, desde que essas estruturas sejam lícitas e apoiadas em substância de negócios, mais do que um direito da empresa contribuinte, esse é um dever da companhia, pois a redução do custo fiscal tem, potencialmente, o resultado de aumentar a sua competitividade no mercado em que atua”, diz.
“O Brasil é um país que ainda apresenta espaço para bons planejamentos tributários, como ferramenta de organização do negócio empresarial”, afirma Briganti.
Para além dos benefícios para as empresas, o professor de economia do curso de direito da FGV Cleveland Prates, ex-secretário-adjunto de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, lembra que o aumento do IRPJ também pode afetar os consumidores.
“As pessoas se esquecem que, quando as empresas pagam mais impostos, elas repassam isso para os consumidores. Umas mais e outras menos. Se o mercado de um setor é menos competitivo, e a companhia tem mais poder de mercado, o repasse é maior”, diz Prates.
Para o especialista, a fala do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é simplista, já que não leva em conta o fato de que, quanto mais impostos, menor são as margens das companhias e, portanto, menor o impacto delas na atividade econômica, como a geração de emprego.
Hoje, a alíquota dos impostos sobre a renda das empresas é de 34%, maior do que a média mundial, que está em 23,4%, segundo dados da Tax Foundation.