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STJ mantém sentença arbitral de R$ 10 milhões

19 de junho, 2024

3ª Turma da Corte afastou alegação de violação do dever de revelação do árbitro

Por Marcela Villar — De São Paulo

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve uma sentença arbitral de valor atualizado de R$ 10 milhões favorável à Empresa de Serviços Hospitalares (Esho), da operadora de assistência médica Amil. Em um julgamento de quase uma hora realizado ontem, os ministros entenderam, por três votos a dois, que não houve imparcialidade do árbitro, como acusa o médico Rafael Brandão e sua empresa, a Brandão & Valgas Serviços Médicos.

Essa é a primeira decisão de turma do STJ sobre o chamado “dever de revelação do árbitro”, uma obrigação equivalente à suspeição ou impedimento de juízes, quando há conflito de interesses com alguma das partes do processo. O único outro precedente na Corte, proferido em 2017, não teve o dever de revelação como questão central.

Segundo advogados, a decisão dos ministros fortalece processos arbitrais, pois reforça o aplicado em outros países sobre a matéria. Lá fora eventual falha no dever de revelação do árbitro não implica anulação automática da sentença arbitral. Deve o Judiciário analisar se o fato omitido compromete o resultado da arbitragem.

O caso chegou ao Judiciário em 2021, três meses depois de proferida sentença arbitral que condenou o médico e sua empresa ao pagamento de multa milionária por descumprimento do contrato firmado com a Esho. A decisão da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp foi unânime.

Porém, o oncologista entrou uma ação anulatória questionando a sentença. Alegou que um dos três julgadores falhou no dever de revelação, pois não informou ter sido advogado da Kora Saúde Participações, que possui relações comerciais com a Esho. E que o árbitro seria próximo do escritório de advocacia que atuou pela Esho em outros casos, inclusive compartilhando o mesmo endereço de trabalho.

O argumento do profissional de saúde foi acatado pelos ministros Humberto Martins e Moura Ribeiro, mas não conquistou a maioria. Prevaleceu o voto da relatora, a ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze. Eles mantiveram a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), favorável à Amil.

De acordo com a ministra Nancy, não havia provas suficientes de que o árbitro foi parcial. Ela enfatizou que o médico só questionou o dever de revelação após a decisão lhe ter sido desfavorável. “Em razão da excepcionalidade da ação anulatória, seriam necessárias provas contundentes de parcialidade do árbitro para anular a sentença arbitral, o que não se verifica na hipótese, pois todos os pontos suscitados pelos recorrentes já eram de conhecido público antes e durante a arbitragem”, disse a relatora, na sessão de julgamento (REsp 210190).

O advogado Lucas Akel, do Akel Advogados, que representa o médico Rafael Brandão no processo, disse que vai recorrer da decisão – em parte positiva, pois tiveram dois votos favoráveis à tese deles. “Na nossa visão, é uma causa absurda, pois aconteceu a violação ao dever de revelação”, disse o especialista.

Segundo Akel, as informações sobre o suposto conflito de interesse do árbitro “não eram fatos disponíveis a qualquer pesquisa” e eram desconhecidas antes e durante a arbitragem. Por isso, só teriam entrado com o pedido de anulação depois da sentença.

Para Sérgio Terra, advogado da Amil no caso, do Terra Tavares Elias Rosa Advogados, o precedente é importante para fortalecer a arbitragem no Brasil. “Um precedente contrário a esse poderia tornar frágil o instituto, o que permitiria às partes usarem o argumento em qualquer caso e em qualquer prazo para sempre ter a nulidade”, diz.

Seria como permitir uma “nulidade de algibeira”, acrescenta, uma “carta na manga” que poderia ser usada pelas partes para pedirem a nulidade na fase processual que melhor convier. Terra diz que a revelação do árbitro é feita antes do início do processo e o questionamento da parte poderia ter sido feito no início ou durante, mas isso não ocorreu.

Para Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito imobiliário e membro da comissão de arbitragem da OAB/RJ, o STJ tem se mostrado um “grande guardião do sistema arbitral do país”. “O dever de revelação não é um fim em si mesmo e, ainda, não se pode permitir que fatos irrelevantes para fins de violação de imparcialidade e independência do árbitro sejam trazidos só após decisão desfavorável, com o objetivo de renovação de todo o procedimento arbitral pelo perdedor”, afirma.

A advogada Andréa Seco, sócia do Almeida Advogados, lembra que a Lei da Arbitragem (nº 9.307/96) estabelece no artigo 14 que o árbitro tem o dever de “revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

A legislação ainda determina, acrescenta, que se a parte tiver objeções à nomeação, deve se manifestar na primeira oportunidade. E que as partes também devem fazer a investigação ativa, em cumprimento aos princípios da colaboração e boa-fé.

“Não pode se valer a parte de argumentos como eventual desconhecimento de fatos públicos ou de fácil acesso que julgavam importantes serem reveladas, ou ainda buscar criar uma alegação nova sobre fato pretérito de que tinha conhecimento para posteriormente pretender a anulação de uma sentença arbitral que não lhe foi favorável”, afirma ela.

Procurada pelo Valor, a Amil disse que “não comenta processos judiciais em andamento”.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/06/19/stj-mantem-sentenca-arbitral-de-r-10-milhoes.ghtml

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