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Situação financeira de empresas vai piorar antes de melhorar

19 de maio, 2023

Além da atividade muito fraca nos mercados de capitais, crédito bancário está no menor nível da série iniciada em 2016

Por Álvaro Campos — De São Paulo

(Foto: Luis Alberto Paiva | Crédito: Silvia Zamboni/Valor)

A captação líquida das empresas – considerando recursos provenientes do crédito bancário e dos mercados de capitais – vem caindo há seis meses consecutivos e está no menor nível desde março de 2020, ou seja, no auge do temor trazido pelo início da pandemia de coronavírus. Dados do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe) mostram que a retração é puxada pela queda nas emissões de títulos no mercado local, mas os empréstimos de bancos estão no menor patamar desde 2016, quando o Brasil enfrentou a maior recessão da sua história.

O quadro indica que as condições financeiras para empresas vão continuar difíceis nos próximos meses, pressionando os indicadores de inadimplência e recuperação judicial. Analistas dizem que a situação ainda vai piorar bastante antes de começar a melhorar, mesmo que o Banco Central (BC) sinalize em breve o início do ciclo de redução de juros. Isso porque os cortes serão lentos e o efeito na economia não será imediato.

De acordo com o Cemec, a captação líquida das companhias foi de R$ 37,092 bilhões na média móvel de três meses. Comparado com o pico de setembro do ano passado, a retração é de 84,1%. O montante é formado por saldos positivos de R$ 38,355 bilhões em empréstimos internacionais intercompanhias, R$ 34,784 bilhões em mercado doméstico de dívida, R$ 13,898 bilhões em títulos de dívida internacionais e R$ 1,214 bilhão em “crédito direcionado outros”. Em contrapartida, há saldos negativos de R$ 46,947 bilhões em crédito bancário com recursos livres, R$ 4,212 bilhões em crédito do BNDES e uma conta zerada em emissões de ações.

A pesquisa considera na captação líquida o estoque de crédito – ou seja, novas concessões e a apropriação de juros – menos resgates e o que é baixado a prejuízo. O mesmo vale para as emissões nos mercados de capitais.

Para Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe, há questões pontuais que afetam o dado, como um fator sazonal no início do ano e o “efeito Americanas “, mas o quadro de forma geral é bastante preocupante. “Esses números nos dão uma indicação da dificuldade das empresas para rolarem suas dívidas. Não existe um patamar, um número mágico que permita dizer: ‘entramos em uma crise de crédito’, mas está sendo construída uma narrativa nesse sentido, que deriva dos dados. A magnitude da queda que estamos vendo agora só se compara com 2016”, diz.

Para Luis Alberto de Paiva, presidente da Corporate Consulting, que atua em reestruturação de dívidas, com o alto nível da taxa de juros é quase impossível para as empresas rolarem suas dívidas, especialmente por prazos mais longos, e muitas vezes a recuperação judicial (RJ) acaba sendo o único caminho possível. “Ninguém nos procura querendo uma RJ. Eles nos procuram porque as dívidas foram se acumulando e a conta não fecha mais. Os problemas hoje talvez são até maiores do que em 2015/2016, porque muitas empresas que entraram em recuperação naquela época agora estão estudando novos pedidos de RJ. Ou seja, a situação atual está acumulando também com problemas antigos.”

Conforme o Valor mostrou no mês passado, os pedidos de RJ estão disparando neste ano, ainda que não esteja tão distante da média dos últimos dez anos. Um novo dado da Serasa Experian mostra que, em abril, foram 93 pedidos, alta de 43,1% na comparação com o mesmo período do ano passado. Neste ano já são 382 recuperações requeridas, uma expansão de 38,9%. Já as falências requeridas somam 346 neste ano, com expansão de 34,1%. “O constante crescimento da lista de companhias negativadas mostra que a instabilidade econômica ainda é um desafio para os empreendedores”, diz em nota o economista Luiz Rabi, da Serasa.

“Não há problema de demanda, é questão de preço. Não adianta pegar dinheiro novo pagando 20%”

Luis Alberto Paiva

Christian Ramos, CEO da NPL Brasil, que trabalha com créditos “estressados”, diz que a crise não está por vir, já está instalada. “Com base no nosso termômetro aqui, de uns 50 dias para cá vimos um aumento significativo nas ofertas de carteiras. Nos últimos anos tivemos um crescimento muito grande do crédito não bancário, e agora, com esse cenário de juro alto e saques muito grandes em fundos, essa ‘torneirinha’ fechou completamente, e a consequência é aumento da inadimplência”, afirma.

Leonardo Meneses, diretor financeiro da consultoria, também compara a situação atual com a de 2015/2016. “Acho que agora é pior. Naquela ocasião, foram empresas médias que quebraram. Agora estamos vendo casos de empresas muito grandes, que têm um efeito maior sobre a demanda agregada.”

A questão da inadimplência no segmento de pessoa jurídica (PJ) também apareceu nas teleconferências dos bancos sobre os resultados do primeiro trimestre. Milton Maluhy, CEO do Itaú Unibanco, e Felipe Prince, vice-presidente de gestão de risco do Banco do Brasil, comentaram que esperam uma “normalização” gradual da inadimplência entre empresas, que vem de patamares muitos baixos. Isso significa que o indicador deve voltar a níveis históricos, depois de ter despencado na pandemia. Os executivos afirmaram que não preveem uma crise de crédito como a de 2015/2016. “Não há nada que nos preocupe em inadimplência de pessoa jurídica, mas o contexto não é favorável”, resumiu o presidente do Santander, Mário Leão.

Ramos, da NPL, diz que muitos programas governamentais implementados na pandemia, como Pronampe e FGI-Peac, tinham carência de quase dois anos, ou seja, agora as empresas estão começando a pagar essa dívida. “Esses programas, de certa forma, deram uma segurada na crise, e agora estamos vendo um movimento de piora, de aumento na alavancagem, em um cenário de juro alto.”

Muitos executivos também relataram uma queda na demanda das empresas por crédito. Segundo Maluhy, em alguns segmentos, como o “middle market”, a demanda tem caído de 20% a 25%.

Outro indicador da Serasa, de demanda das empresas por crédito, teve em março a primeira alta anual, de 1,1%, após seis quedas seguidas. Entre os grandes negócios houve alta de 22,9%, seguido de expansão de 6% nos médios e 0,9% nos pequenos.

“Não acho que há um problema de demanda, mas é questão de preço. Não adianta pegar dinheiro novo pagando quase 20% ao ano”, diz Paiva, da Corporate Consulting. “As emissões de dívida caíram fortemente, mas isso não significa que as empresas não estão precisando de dinheiro, e sim que elas estão com dificuldade de colocação”, complementa Rocca.

O coordenador do Cemec aponta que, ainda que o BC inicie um ciclo de afrouxamento monetário no segundo semestre, o provável ritmo lento da queda de juros significa que as condições financeiras para as empresas devem continuar se deteriorando por algum tempo. “Óbvio que a queda de juros é uma boa notícia, mas leva tempo para se transmitir e ainda devemos ver um aumento da inadimplência entre as empresas”, diz Rocca. “Ainda que o juro chegasse a 11,5%, 12% no fim do ano, muda pouca coisa, e para uma empresa que está com problemas de alavancagem, até lá talvez o estrago já tenha sido feito”, acrescenta Ramos, da NPL.

https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/05/19/situacao-financeira-de-empresas-vai-piorar-antes-de-melhorar.ghtml

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