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PORTFÓLIO

Sistema de penhora on-line bate recorde e recupera R$ 14 bilhões

2 de julho, 2024

Valor foi transferido, no primeiro semestre do ano, para contas judiciais de ações de cobranças ajuizadas por credores

Por Marcela Villar — De São Paulo

A Justiça tem sido mais eficiente no bloqueio de valores em contas bancárias e de investimentos de devedores. Nos primeiros seis meses do ano, o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud) registrou um volume recorde de ordens bem-sucedidas, na comparação com o mesmo período de anos anteriores. Foram 4,9 milhões de solicitações que surtiram efeito em favor de credores – maior número da série histórica para um semestre. Um total de R$ 40,8 bilhões foi congelado.

Também foi recorde o volume de transferências de valores bloqueados para contas judiciais. Um total de 3,8 milhões de depósitos foram feitos no primeiro semestre, que somam R$ 14,4 bilhões. Em termos de valores, esse é o segundo maior desde o início dos registros pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O pico foi registrado no primeiro semestre de 2018, com R$ 19,8 bilhões.

Há diferença entre o que é bloqueado e efetivamente depositado em contas judiciais, segundo especialistas, porque o sistema ainda congela mais do que deveria e essa transferência de valores não é automática, além de toda a operação poder ser questionada pelo devedor.

“Após o bloqueio de recursos financeiros, o juiz deve intimar o executado, que poderá comprovar, no prazo de cinco dias, que as quantias bloqueadas são impenhoráveis ou excessivas. Nesses casos, o juiz determinará o cancelamento da ordem de bloqueio, ou seja, a devolução do dinheiro para o executado”, explica a juíza Keity Saboya, da 6ª Vara de Execução Fiscal e Tributária de Natal e auxiliar da Presidência do CNJ.

O principal motivo para a melhoria da efetividade desses bloqueios foi a transformação de todo o sistema de busca de ativos da Justiça brasileira, iniciado em 2021, fruto da assinatura de um acordo de cooperação técnica entre o CNJ, Banco Central (BC) e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em 2019. O principal objetivo foi aprimorar as ferramentas tecnológicas da plataforma. A partir dali o sistema saiu da alçada do BC e passou para o comando do CNJ.

A transformação tem dado frutos e a última etapa da implementação idealizada há cinco anos ocorreu em abril, com a ampliação do prazo de 30 para 60 dias da “teimosinha”, ferramenta criada com o Sisbajud que faz a busca reiterada e automática de ativos financeiros de devedores. Todos os dias, ela varre todas as contas bancárias e investimentos em renda fixa ou variável, como ações, sob titularidade de um mesmo CPF ou CNPJ que tenha dívida reconhecida judicialmente. A ferramenta é mantida até encontrar o valor necessário para o cumprimento da sentença.

Antes, no Bacenjud, essa busca era feita em um só dia e a autorização levava mais tempo. “Levava tempo suficiente para o devedor saber que a decisão havia sido dada e retirar o dinheiro da conta”, afirma o advogado Wagner Roberto Ferreira Pozzer, sócio do Rubens Naves Santos Jr. Advogados. Além de acelerar o processo, a teimosinha é feita hoje em sigilo. “A parte acaba sendo surpreendida com a conta penhorada.”

A instituição de um prazo maior para a teimosinha é uma estratégia para “aumentar a efetividade das ferramentas de busca e constrição de bens no processo de execução”, segundo a juíza Keity, que participa do Comitê Gestor do Sisbajud no CNJ – ao lado de representantes da PGFN, BC, tribunais estaduais, federais e do trabalho -, criado em fevereiro deste ano.

Ela diz que ainda é cedo para avaliar os efeitos do aumento de prazo e que não há explicações concretas para a maior efetividade dos bloqueios. Mas já existe um plano das melhorias a serem implementadas em breve.

O próximo passo do CNJ será trazer mais automação para o sistema, como criar alertas automáticos quando o bloqueio for bem-sucedido. Hoje, a plataforma encaminha as ordens aos bancos até  às 19h do mesmo dia,  com  prazo de resposta para  o dia seguinte. A ideia é reduzir o tempo, com a possibilidade de  a resposta ser em tempo real.

Outra pretensão que deve ser analisada pelo Comitê Gestor é integrar o Sisbajud com o Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (Sniper), que agiliza e facilita a busca de bens em diversas bases de dados. “A ideia, para 2024, é termos um portal único para pesquisa, bloqueio e penhora de bens do devedor, com integração do Sisbajud, Renajud [penhora de veículos] e Receitajud  [demandas feitas à Receita Federal] ao Sniper,  além de outras bases de dados já disponíveis”, afirma a juíza.

Para o juiz federal substituto da 1ª Vara Federal de Passo Fundo Ricardo Soriano Fay, representante do Conselho da Justiça Federal (CJF) no Comitê Gestor, o aumento dos bloqueios bem-sucedidos neste ano se deve a três fatores: uso mais recorrente da teimosinha, maior número de pessoas e atores no sistema financeiro e maior investimento na bolsa de valores.

“Aumento dos valores bloqueados se deve ao maior uso da IA”
— Rodolfo Amadeo

Ele acredita que a extensão do prazo para busca pode melhorar, “e muito”, a teimosinha. “Pode ser que o valor entre e saia da conta e o Sisbajud não consiga pegar. Essa demanda de postergar as tentativas de bloqueio para 60 dias serve para dar mais chances da satisfação da dívida e aumentar o percentual de pagamento aos credores”, afirma.

Na visão do professor de processo civil da FGV Direito SP, Rodolfo Amadeo, a ideia de unificar o Sisbajud com outros sistemas contribuirá ainda mais para a efetividade das ações de cobrança. “Hoje, são vários sistemas regionalizados, a junta comercial tem um registro de uma forma, o registro de imóveis de outra e a falta de um sistema unificado acaba sendo caro e demanda muito tempo para o credor fazer uma busca. Se tiver tudo isso unificado, no futuro, daria muito mais eficiência.”

Amadeo lembra que essa centralização foi feita em Portugal, em 2014. Lá também é possível fazer uma pesquisa extrajudicial sobre os bens do devedor antes de entrar com a ação de cobrança. “Se não tiver nada, você já nem começa a execução”, diz.

Para o professor, o aumento dos valores nos bloqueios se deve ao maior uso da inteligência artificial nos tribunais desde 2021. Não à toa os dados do Sisbajud indicam aumento das tentativas de constrição, que têm quase dobrado ano após a ano, considerando os primeiros seis meses. Em 2024, nesse período, foram feitas mais de 105 mil ordens de bloqueio, contra 76,8 mil em 2023 e 49,6 mil em 2022 – o que sugere o efeito da teimosinha. Antes, em 2021, eram menos de 17 mil.

Outra razão, segundo o professor, foi a centralização de demandas judiciais em cartórios, com a criação da Unidade de Processamento Judicial (UPJ), no caso de São Paulo, que unifica três ou mais ofícios de mesma competência para processar e cumprir determinações judiciais. A mudança gerou um ganho de quase 50% na produtividade dos magistrados, segundo dados do TJSP, e redução da ordem de 60% no tempo de tramitação dos processos.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/07/02/sistema-de-penhora-on-line-bate-recorde-e-recupera-r-14-bilhoes.ghtml

 

Decisões do STJ permitem uso da ‘teimosinha’

2ª Turma permitiu a retenção de valores das contas bancárias da Extrusal Alumínio e da Expresso Frederes, em favor da Fazenda Nacional

Por Marcela Villar — De São Paulo

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisões de segunda instância para permitir o uso da “teimosinha”, ferramenta criada com o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud), em 2021, para fazer a busca reiterada e automática de recursos financeiros de devedores. As decisões permitem a retenção de valores das contas bancárias da Extrusal Alumínio e da Expresso Frederes, em favor da Fazenda Nacional.

Para o relator dos casos, ministro Afrânio Vilela, a autorização precisava ser dada para trazer mais agilidade ao processo – possível por meio de teimosinha, que “confere maior celeridade na busca de ativos financeiros e efetividade na demanda executória” (REsp 2121333 e REsp 2138487).

“Recaindo a penhora diretamente sobre somas de dinheiro, elimina-se o procedimento de transformação de bens constritos em numerário, tornando a execução, a um só tempo, mais efetiva para o credor e menos onerosa para o devedor”, afirma Vilela nas decisões, que reformaram acórdãos dos Tribunais Regionais Federais da 3ª e 4ª Regiões (TRF-3 e TRF-4).

Ele lembra que o Código de Processo Civil (CPC) coloca o dinheiro em primeiro lugar na ordem de preferência da penhora. Por conta da liquidez, torna mais rápido o pagamento da dívida. O ministro relator indica, em seu voto, que cabe ao devedor “apontar eventual inviabilização da atividade empresarial causada pela utilização da ferramenta”. Vilela ainda cita precedente da 1ª Turma que decidiu pela legalidade da ferramenta (REsp 2091261).

Nesse tipo de ação, os juízes precisam analisar como dois princípios se encaixam no caso concreto: o de que a ação de execução deve tramitar em benefício aos credores, e o da menor onerosidade ao devedor. Nos acórdãos do TRF-3 e TRF-4, os desembargadores entenderam que a teimosinha era uma medida invasiva e extrema, que poderia comprometer o funcionamento da empresa. Além disso, de que era preciso esgotar a busca de bens por outros meios de penhora antes do bloqueio da conta bancária.

“O juiz precisa verificar se há outras formas menos onerosas para honrar a dívida, como a penhora de um carro ou de um imóvel, por exemplo”, diz o especialista em direito processual civil Wagner Roberto Ferreira Pozzer, sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados.

Nessa balança, a jurisprudência majoritária é, no caso de empresas, a de limitar o bloqueio em até 30% do faturamento, sob pena de inviabilizar o negócio. “Não se pode levar a quebra da pessoa jurídica. Se tudo fosse bloqueado, ela não teria condições de quitar obrigações trabalhistas, tributos, o que pode até mesmo inviabilizar a atividade econômica”, completa Pozzer.

Os precedentes, em maioria, também já têm adotado uma teimosinha “permanente”, de acordo com o advogado Diógenes Gonçalves, sócio do Pinheiro Neto Advogados. Consiste na renovação do prazo inicial, que antes era de 30 dias, para que a ferramenta faça a varredura das contas bancárias por igual período, se os bens não forem encontrados em um primeiro momento. Alguns magistrados resistiam em fazer a renovação. “Diziam que não rendeu frutos”, diz.

A decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela extensão do prazo para 60 dias, portanto, seria também para trazer maior praticidade aos julgadores, que precisam manualmente fazer a renovação. “O prazo é o dobro. O trabalho, pela metade”, afirma Gonçalves.

Advogados ainda indicam, porém, que o sistema ainda poderia ser aprimorado, com a liberação rápida dos valores bloqueados a maior, procedimento que também precisa ser feito manualmente pelo juiz. “A demora, no caso de alguém que sofreu penhora excessiva, pode atrapalhar o pagamento de tributos e da folha de empregados”, afirma o sócio do Pinheiro Neto.

Mas o advogado reitera que a teimosinha ajuda e muito a tornar concretas as sentenças. “Por mais que a sentença seja uma vitória no papel, ela precisa ser executada. E a teimosinha vem para ajudar isso”, diz. “Antes de irmos para leis mais duras, busquemos leis mais eficazes, como o remédio dado pela teimosinha.”

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que “a teimosinha representou um avanço para a efetividade dos bloqueios de ativos financeiros, agora não mais restritos ao intervalo de um único dia”. Sobre o aumento de prazo acrescenta ser “uma mudança bem-vinda”.

Porém, acrescenta que a ampliação do prazo de duração, “por si só, não se mostra suficiente para solucionar o problema da efetividade do Sisbajud”, pois ainda há situações de devedores que possuem movimentação financeira, mas os bens não chegam a ser bloqueados. Essas situações, afirma o órgão, devem ser mapeadas pelo Comitê Gestor do Sisbajud, do qual a PGFN faz parte.

Ao Valor, a defesa da Extrusal informou que vai recorrer da decisão. Para o advogado da Expresso Frederes, Luiz Ricardo de Azeredo Sá, do Villarinho e Sá Advogados Associados, porém, não haveria essa possibilidade, já que 1ª e 2ª Turmas seguem o mesmo entendimento, o que afasta a possibilidade de embargos de divergência. “Mas vamos seguir, no âmbito dos tribunais de 2º grau, defendendo nossa tese na esperança de conseguirmos em outros recursos especiais mudar essa posição”, diz Sá.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/07/02/decisoes-do-stj-permitem-uso-da-teimosinha.ghtml

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